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“O Florão mais Belo do Brasil”: O Imperial Conservatório de Musica do Rio de Janeiro/18411865

Janaina Girotto da Silva

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em História. Orientador: Marcos Luiz Bretas da Fonseca

Rio de Janeiro Abril, 2007

“O Florão mais Belo do Brasil”: O Imperial Conservatório de Musica do Rio de Janeiro/1841-1865

Janaina Girotto da Silva Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do Grau de Mestre em História. Aprovada por: Aprovada por:

_______________________________ Presidente, Prof. Marcos Luiz Bretas da Fonseca

_______________________________ Prof. Dr. André Cardoso (EM-UFRJ)

_______________________________ Prof. Dr. Manoel Luiz Salgado Guimarães

Rio de Janeiro Abril, 2007

Silva, Janaina Girotto. O Florão mais Belo do Brasil: O Imperial Conservatório do Rio de Janeiro 18411865/Janaina Girotto da Silva. – Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGHIS, 2007. 234p. Orientador: Marcos Luiz Bretas da Fonseca Dissertação (mestrado) – UFRJ/ /IFCS/ Programa de Pós-Graduação em História Social, 2007. 1. Música. 2. Conservatório. 3. Império. 4. Educação Musical. I. Silva, Janaina Girotto. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, PósGraduação em História Social. III. O Florão mais belo do Brasil: O Imperial Conservatório do Rio de Janeiro/1841-1865

Esta é sem dúvida a parte mais difícil. Agradeço ao CNPq que me auxiliou na execução desse trabalho. Gostaria de agradecer em primeiro lugar ao meu orientador Marcos Bretas. Já dizia Umberto Eco que existem dois tipos de orientador: o que explora o orientando e o que orienta e muitas vezes este último aceita trabalhar temas com o qual não está familiarizado e é justamente por isso que eu agradeço ao prof. Bretas. Ao aceitar o desafio de orientar um trabalho sobre o Conservatório se mostrou além de orientador um historiador e intelectual curioso, inteligente e criativo – ouvinte da Petite Messe - que me ensinou muito ao estudar assim como eu a realidade musical brasileira do século XIX, meus sinceros agradecimentos pelo seu apoio e carinho, além da gigantesca paciência. Ao professor Rubens Russomano Ricciardi, do Departamento de Música da USP de Ribeirão Preto, que mesmo sem me conhecer pessoalmente travou um diálogo importante e me auxiliou na difícil tarefa de descobrir Fortunato Mazziotti colaborando também diretamente na composição desse trabalho assim como ao professor Sílvio Augusto Merhy do Departamento de Música da UniRio que veio se tornar um querido amigo, me auxiliou nas questões do mundo da música, das mais fáceis às mais difíceis, orientou com muita generosidade o meu caminho. Um agradecimento especial aos membros da minha banca de qualificação José Murilo de Carvalho e André Cardoso que prontamente aceitaram participar mesmo em cima da hora da qualificação e que muito contribuíram para o trabalho. Aos caros colegas da UFRJ e não poderia deixar de citar nominalmente e em primeiro lugar a minha querida amiga Janaina Cardoso de Melo, sempre presente apesar de tão distante, nos momentos difíceis e divertidos do meu caminho no Rio de Janeiro, nos arquivos, bibliotecas e nos diversos congressos pelo Brasil. Mas ainda a Ana, Luciana, Júlio César,

Alexandre, Jorge Victor, Meynardo, Marcelo Souza Silva (beraba), Suzana Cesco, Guto, Edmere e Vandelir, Priscila e Eduardo Henrique, a Irmã Amélia, Érica e Olívia amigas e “minhas estagiárias”. Entre meus colegas gostaria de deixar registrado, em especial, que Antônio José Augusto que hoje considero como um amigo querido, sempre me ajudou a pensar sobre o Conservatório e sobre música. Suas orientações e observações foram extremamente pertinentes. Entre muito trabalho tive a sorte de encontrá-lo no mesmo período pesquisando sobre um dos personagens que fizeram parte da história do Conservatório por isso o considero como parceiro de trabalho. A também colega Isis Pimentel, sempre muito solicita em me ajudar a entender melhor sobre Manoel de Araújo Porto Alegre e a Academia Imperial das Belas Artes. Uma menção especial para os profs. Marco Antônio de Souza – que leu e comentou com muita competência parte da dissertação - e Wellington que desde a graduação até hoje vêm me ensinando os difíceis caminhos da História. Se eu não aprendi não é culpa deles. E já no final do trabalho pude contar também com a ajuda do prof. Mauricio Monteiro, que apesar do pouco tempo sempre foi muito solicito e competente em suas observações. Agradeço muito a Glayds e Sandra da secretaria do PPGHIS. E finalmente a Dona Edite, uma amiga e um porto seguro sempre, mesmo distante eu posso contar com o apoio e carinho, assim como aos meus pais que além de tudo sempre investiram muito na educação de todos os filhos, espero que esse título recompense os esforços. E não poderia terminar sem citar meus dois irmãos, Daniel e Cláudio.

Dedico este trabalho as três pessoas que contribuiram diretamente para a sua elaboração. Aos professores Siqueira Baptista, Andrely de Paola e Ayres de Andrade (in memoriam) que de maneira admirável realizaram pesquisas importantes e sérias a respeito da vida musical do Rio de Janeiro. Sem essas pessoas e seus trabalhos, certamente boa parte da história da música no Brasil ainda estaria por se conhecer.

Resumo

Titulo: O florão mais belo do Brasil: o Imperial Conservatório de Música do Rio de Janeiro. O objetivo primordial desta dissertação é acompanhar a institucionalização do ensino musical no Brasil, com a criação do Conservatório de Música do Rio de Janeiro em 1841, data de sua elaboração por um grupo de músicos que tiveram papel preponderante na estruturação do novo ambiente musical calcado no romantismo. A música foi tida como o florão mais belo do Brasil, o seu mais brilhante ornato, e cuidar para que o seu brilho não acabasse foi um dos objetivos na criação do Conservatório de Música. Essa instituição foi a primeira escola pública e oficial do Império que tinha no ensino de música o seu único objeto. O modelo institucional veio da França onde, também no ensino de música, prevaleceu o ideal de universalidade e que conhecimento pudesse atingir a todos, e acabou criando um novo paradigma

no

ensino

musical,

hoje

denominado

como

“sistema

conservatório”.

Representando um papel estruturante no ambiente artístico da corte, o Conservatório passou a ser uma das mais importantes instituições musicais no Rio de Janeiro no século XIX, junto com a orquestra e coro da Capela Imperial e, posteriormente, com os clubes de música, ampliando as dimensões da vida musical brasileira no século XIX.

Abstract The main purpose of this work is to follow the institutionalization of musical eduaction in Brazil, through the creation of the Conservatório de Música do Rio de Janeiro, in 1841. We will study the group of musicians who had a leading role in structuring the new institution and the whole musical setting, based on the canons of romanticism. The Conservatório was the first public school and official institution to exclusively teach music. Its institutional model was brought from France, where the ideals of universalism and full access to schools prevailed, creating a new paradigm for the study of music. The Conservatório had a structuring role in the musical ambient of Rio de Janeiro in the nineteenth century, together with orchestra and choir of the Capela Imperial and, later, with the Music Clubs, widening music experience in nineteenth-century Brazil.

Lista de abreviaturas, siglas e símbolos

AIBA –Academia Imperial das Belas Artes AN - Arquivo Nacional BAN - Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da URFJ BN - Biblioteca Nacional CM – Conservatório de Música DIMAS-Divisão de Música e Arquivo Sonoro da Biblioteca Nacional IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro MDJ - Museu Dom João VI-UFRJ MN - Museu Nacional-UFRJ n. - Número v. - verso cx. - caixa doc. - documento fl. - folha

Sumário Introdução............................................................................................................................. 11 1. Missionários Civilizadores: Homens da arte musical na construção do sentimento de progresso e civilização.......................................................................................................... 21 1.1 Introdução .................................................................................................................. 21 1.2 O Grupo a Frente do Empreendimento de 1841. ....................................................... 38 1.3 A proposta de criação de um Conservatório na corte................................................ 50 1.4 Construindo os parâmetros legais.............................................................................. 64 2. Um Meio de Instrução: a instalação do Conservatório..................................................... 81 2.1 Introdução .................................................................................................................. 81 2.2. A Reforma Pedreira................................................................................................... 88 2.3. Ópera Lírica Nacional ............................................................................................ 100 2.4. O Prêmio Viagem .................................................................................................... 109 2.5. Tentativa de delimitação de seu campo de trabalho e a criação social do artista. 139 3. Disciplinas e o Corpo Docente da instituição................................................................. 151 3.1. Rudimentos, solfejo e noções gerais de canto para o sexo masculino. ................... 155 3.2. Rabeca ..................................................................................................................... 162 3.3. Contraponto, regras de acompanhar e órgão. ........................................................ 169 3.4. Flauta, Fagote e Corne Inglês,................................................................................ 183 3.5. Clarineta.................................................................................................................. 188 3.6. Violoncelo e contrabaixo......................................................................................... 195 3.7. Rudimentos, solfejo e noções gerais de canto para o sexo feminino. ..................... 200 Conclusão ........................................................................................................................... 228 Bibliografia......................................................................................................................... 234 Fontes ................................................................................................................................. 247

Introdução

Este estudo tem como objeto a construção da primeira instituição dedicada apenas ao ensino musical no Brasil, o Conservatório de Música do Rio de Janeiro. O objetivo é acompanhar e analisar a institucionalizado do ensino musical no Brasil, atentando para as peculiaridades do momento musical, a ligação com as diversas políticas do governo Imperial. Principalmente no período compreendido entre as décadas de 1840-1860 - em que se promoveu a construção e consolidação de um conjunto de instituições que estiveram intimamente ligados à consolidação da idéia de nação e do Estado Nacional brasileiro. Ao grupo que estava envolvido no projeto de criação do Conservatório considerando que estes tiveram um papel fundamental na ampliação do universo musical na corte, na construção do conjunto de práticas, sociabilidades e estratégias que nortearam a criação dessa instituição, mas que extrapolavam os limites do próprio Conservatório. O período de análise estende-se de 27 de novembro de 1841, momento em que foi criado o Conservatório de Música através de decreto imperial, até o fim da administração de Francisco Manoel da Silva em dezembro de 1865, seu primeiro e único diretor músico que esteve à frente da instituição no período imperial. Com isso a intenção é recuperar o processo em que se formou um modelo de educação em música, pautado num longo processo de transformações das concepções ocorridos em fins do século XVIII até meados dos oitocentos e que nortearam também as mudanças na sociedade brasileira do século XIX, atento as peculiaridades e singularidades locais. Há algum tempo o período imperial vem ganhando novos estudos em diversas áreas que vem revelando a diversidade e complexidade daquela realidade. No campo da música, o longo processo de desqualificação sofrida no início da república e posteriormente com os modernistas fez desaparecer longas páginas da vida musical carioca que ocorreram no império. Desvalorização essa que está ligada primeiramente a questões políticas e estéticas que surgiram ainda no império, onde um segmento de músicos que estavam em instituições que a princípio eram consideradas antagônicas a escola de música, como alguns clubes musicais e outros após a instalação do regime republicano – entre elas o próprio o Instituto Nacional de Música nome que a república deu ao Conservatório. Algumas críticas puramente 11

estéticas realizadas pelos modernistas foram feitas as instituições e a música no século XIX, que acreditavam estar trazendo à tona questões inéditas, mas que com um superficial exame da prática musical oitocentista - sobretudo na primeira metade do XIX – percebe-se que já haviam sido tratadas e muitas inclusive consideradas resolvidas por eles. Existem pelo menos dois caminhos a serem seguidos a fim de compreendermos o papel que o Conservatório terá nessa sociedade. O primeiro é articular esse ambiente artístico cultural ao processo de legitimação e consolidação do Estado Nacional brasileiro, sabendo que nesse processo constrói-se o aparato burocrático necessário a administração de um país e dentro disso estão questões específicas do mundo do trabalho do músico oitocentista; modificação e ampliação do seu campo de trabalho, e a mudança no próprio estatuto de artesão para artista, de trabalhador manual ao trabalhador intelectual. E em segundo também a construção, só que agora de um sentimento que possa dar unidade a esse Estado, criar um sentimento de Nação e Identidade Nacional. Podem perguntar a princípio o que o ABC Musical de Raphael Coelho Machado, e o Il Genio Benefico del Brasile de Gioachino Giannini, ou a construção de uma instituição dedicada ao ensino de música tem a ver com a construção do Estado Nacional. A essa pergunta pode ser difícil – e é - de responder, visto que existe uma distância importante entre partituras e instituições políticas e administrativas, e até o momento, impossíveis de serem superadas pelo historiador.

Porém pensando no que

Bourdieu refletiu a respeito de poder simbólico, de que “é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”,1 percebemos que a composição de um método de ensino de música pode nos oferecer ferramenta importante para verificar as relações de poder que perpassam os mínimos detalhes que compõem a construção de sentimento de uma nação, seja pelos elementos que aproximam seja também pelas diferenças que agora são importantes de marcar, ressaltar quando é composto uma peça sobre o Brasil em outra língua por um compositor italiano que trabalhava e estava ligado à uma escola construída para simbolizar o nacional e soberania do país.

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BOUDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 5ª ed. 2002. p.7

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Tal proposição diz respeito principalmente ao que é visível e invisível, visível como em uma música de Giannini sobre o gênio Brasil ou sobre o hino nacional de Francisco Manoel da Silva sobre a da guerra do Paraguai ou de Carlos Gomes – além do Guarani – um compositor de hinos como o feito para o Ceará quando já anunciava no fim da escravidão em seu território, ou ainda o de Francisco Braga um hino ao Abrigo de Santa Tereza de Jesus. Os artistas assim como os historiadores possuíam um comprometimento em constituir as bases intelectual e artística do nacionalismo no século XIX, que até esse momento não foram estudados. Esses músicos e suas instituições fazem parte da cultura brasileira e nela contribuíram de forma indelével e inegável, participando ativamente de momentos importantes na política e imprimindo sua marca. Os estudos sobre a vida do Conservatório de Música foram feitos por pesquisadores ligados à música, até o momento a nossa memória sócio-musical tem aparecido graças a estudos empreendidos por músicos que buscaram na história mais uma forma de compreender a sua própria história, mas que não é deles somente. O trabalho de historiadores sobre o universo da música ainda incrivelmente é limitado, e está voltado para as práticas musicais “populares” concentradas, sobretudo, no século XX. No caso o século XIX não existe um trabalho realizado por historiador. Até o momento existem apenas dois trabalhos a respeito da história do Conservatório, o primeiro de Baptista Siqueira “Do conservatório à Escola de Música” um ensaio histórico que pretende conhecer desde as origens da escola até sua anexação a Universidade Federal do Rio de Janeiro, elaborado em 1972. E o segundo trabalho surgiu em um momento festivo, os 150 anos da existência da escola, de Andrely Quintela de Paola e de Helenita Bueno Gonsalez denominado “Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro: História e Arquitetura”, publicado em 1998. Esses são os únicos trabalhos que tiveram o Conservatório e as instituições que veio a se tornar ao longo de quase 160 anos, como objeto de estudo. Mas não foram apenas esses dois que mencionam a instituição. Percebemos a produção da historiografia sobre o Conservatório e outros aspectos da vida musical oitocentista a partir de dois momentos. O primeiro marcado por pesquisas de cunho tradicional, abordando a música e sua história a partir de seus principais representantes ou dos principais compositores, organizando cronologicamente os principais eventos que marcaram a vida institucional da escola. 13

No segundo momento, encontramos estudos que, a princípio, não possuem ligação direta com o tema, mas abordam a história da música no Brasil a partir de uma concepção sócio-cultural da experiência musical. A prática historiográfica dessas pesquisas as distingue das anteriores não apenas no tempo, mas principalmente na abordagem e aos novos problemas que marcaram esses trabalhos, apresentando contribuições que possibilitam nova compreensão da vida musical e seu entorno. Na primeira vertente, citamos o trabalho de Ayres de Andrade sobre Francisco Manoel da Silva2 publicado em 1967. Sua pesquisa sobre esta personagem na vida musical brasileira tem um caráter biográfico, procura conhecer as atividades empreendidas pelo músico em favor da vida musical da corte no século XIX. O autor realiza uma descrição do que considera relevante para a construção do ambiente musical erudito no país, a obra é construída cronologicamente ao sabor dos eventos políticos. Seu marco inicia-se com a chegada da família real portuguesa e finda com a morte de seu personagem em 1865. A argumentação é feita para engrandecer os feitos dessa personagem. Contudo a contribuição do autor é inegável, mesmo que se limite a descrição dos fatos a organização e transcrição da documentação oficial da escola e de periódicos que noticiam a vida musical da cidade. Este trabalho tornou-se uma das principais referências para as pesquisas realizadas posteriormente sobre música no século XIX. Do Conservatório à Escola de Música de Batista Siqueira 19723 é uma compilação dos principais documentos oficiais pertinentes a vida institucional do Conservatório. A pesquisa inicia-se a partir da criação da escola em 1841 e percorre os trinta primeiros anos da república. A pretensão do autor é fazer um apanhado geral dos principais eventos que marcaram a vida da escola. O autor divide a história do Conservatório no período do segundo reinado em: criação fundação, instalação, consolidação, reorganização, ascensão, período crítico e reforma que antecede à sua extinção. O critério utilizado na subdivisão da síntese histórica se dá, por questões administrativas e políticas internas da escola. O autor não avança em uma discussão a respeito do ambiente social que abriga a instituição, ressalta a importância de uma escola oficial para o

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ANDRADE, Ayres. Francisco Manoel da Silva e seu tempo 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos. Rio de Janeiro: Secretaria de Educação e Cultura, 1967. 3 SIQUEIRA, Baptista. Do Conservatório à Escola de Música: ensaio histórico. RJ: UFRJ, C. U. 1972.

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segmento artístico nacional, que sofria até então com uma situação instável e considera o atraso para o início das atividades pedagógicas como uma anomalia para o ensino musical. Baptista, ao final, sublinha a impossibilidade de se realizar em uma obra um estudo aprofundado a respeito da história da escola devido à “tanta magnitude na vida artística nacional”. O discurso do autor é em defesa de uma música erudita, com uma instituição oficial e autônoma, para consolidação de um sistema educacional da música e fortalecimento do ambiente artístico nacional, desconsiderando dessa forma, a contribuição de diversos atores na construção informal de um conhecimento e atividade musical que não estava ligado à vontade beneplácita do Estado Imperial. Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro: História e Arquitetura, de Andrely Quintella De Paola e Helenita Bueno Gonsalez, foi publicado em 1998.4 A elaboração do texto incorpora as linhas traçadas pelos estudos já citados, com isso o trabalho tornou-se, como a autora ressalta, uma fonte de referência e um documentário importante para pesquisas posteriores. O caminho trilhado pelas autoras para a análise histórica e arquitetônica, começa por um capítulo dedicado a Francisco Manoel da Silva, em que se percebe o destaque como único empreendedor na criação de uma escola pública e oficial à frente da Sociedade Beneficente que dirigiu a proposta de criação de um Conservatório de música na corte do Rio de Janeiro. Há uma valorização da utilização de fontes primárias oficiais para a composição do trabalho. A expansão da documentação é percebida quando há a utilização de jornais e fotografias. Porém, o leque aberto com a ampliação das fontes, não significou, um aprofundamento analítico desse recurso. As fontes iconográficas foram utilizadas como ilustração do texto, as autoras não trabalharam as possibilidades críticas que novas abordagens possibilitam para um empreendimento reflexivo mais elaborado, mas esse procedimento não diz respeito apenas as fontes imagéticas, a abordagem das fontes escritas – mesmo procedimento dos dois autores anteriores – foi realizada para colher informação e a partir disso organizar cronologicamente cada fatos do Conservatório. É ainda preciso consultar as obras produzidas por Francisco Curt Lange, ele é um dos primeiros musicólogos com volume expressivo de pesquisa e empenhado em adentrar na atividade musical no Brasil. O inventário e catalogação de documentos manuscritos e 4

De Paola, Andrely Quintella e Gonsalez, Helenita Bueno. Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro: História e Arquitetura. RJ: UFRJ, 1998. p. 2

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partituras que o pesquisador realizou a partir dos anos 40, foi muito significativo, abrindo janelas para um universo musical, até então, desconhecido para os pesquisadores em história da música. Para a pesquisa proposta será utilizado o artigo A música erudita na regência e no Império, que compõe a coleção organizada por Sérgio Buarque de Holanda em História Geral da Civilização Brasileira. Curt Lange é leitura obrigatória para qualquer pesquisa que pretenda desvendar o nosso passado musical. Consegue ter uma visão processual do desenvolvimento musical no Brasil a partir das experiências singular e plural vividas em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, a partir do século XVII e XVIII, conectando essas experiências musicais ao processo histórico de cada sociedade. Foi o pesquisador que iniciou abordagens refinadas, deixando a descrição de fatos, escapando por vezes da explicação depreciativa da música composta no Brasil como mera importação e sublinhando as características particulares de cada local, porém em certos momentos, há uma supervalorização da qualidade técnica e estética da música no Brasil, principalmente da música colonial mineira.5 Ressaltamos ainda a contribuição historiográfica da música no Brasil produzida por pesquisas recentes ainda em forma de teses e dissertações. Trabalhos que consideramos um segundo momento nas pesquisas sobre história da música. A pesquisa sobre a música na Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro realizado por André Cardoso6 é uma obra fruto de uma nova safra de estudos que procuraram investigar com maior rigor metodológico os novos aspectos da vida musical no Rio de Janeiro e seu trabalho é importante porque se desvencilhou dos grandes personagens e focou na principal instituição religiosa que tinha na música um dos seus principais atividades, é a primeira que saiu do nível pessoal – compositor ou instrumentista - para o institucional, esse foi um passo muito importante, pois reconhece que a música além de ser feita por alguns homens ela também possuía instituições com uma organizidade própria. Observando com cuidado, acabou mostrando que o intrincado universo musical brasileiro, especialmente na corte do Rio 5

Conforme já foi ressaltado, Curt Lange tem uma produção muito vasta, em forma de livros, mas principalmente em artigos publicados em variadas revistas. 6 CARDOSO, A. A Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro 1808-1889.Tese de Doutorado. R.J: Centro de Letras e Artes-Instituto Vila Lobos / Uni-Rio, 2001. Recentemente essa tese foi publicada pela Academia Brasileira de música em decorrência do prêmio que o autor recebeu por esse trabalho. CARDOSO, André. A Música na Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2005.

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de Janeiro no século XIX passava por questões institucionais. A sua pesquisa está ligada a proposta desse estudo, quando se propõe uma análise que discuta os diversos vínculos do campo musical que se formava e o segmento musical que formava essa sociedade, foi a partir desse estudo que foi possível entender que no período imperial cada instituição estavam intimamente ligadas, e o elo de ligação a princípio eram os homens que circulavam por essas instituições. Avelino Pereira, autor de uma dissertação que procurou discutir a vida musical brasileira a partir da biografia de Alberto Nepomuceno e ao repensar a relação entre história e música avançou sobremaneira nos estudos biográfico, e acabou mostrando o quanto carecemos de pesquisas sobre vários períodos e locais, ao re-significar a história biográfica de Alberto Nepomuceno ao conectá-lo ao lugar social o qual pertencia, pensando através de uma lógica de grupo que possuiu características especificas e uma identidade, guiando sua pesquisa através da noção de “sociedade dos músicos” 7 E por fim o trabalho de Cristina Magaldi,

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dedicado a fazer uma reavaliação do

repertório circulante e da execução no Rio de Janeiro no período imperial. A autora faz um levantamento das principais publicações de música de concerto e de ópera na cidade, buscando com isso, compreender os modelos de importação e as influências sobre a produção musical local. Foi feita uma pesquisa de fôlego nos arquivos da cidade do Rio de Janeiro. Essa foi uma importante contribuição no cenário musicológico no Brasil, é uma das primeiras pesquisas que ampliaram os problemas colocados para o entendimento da vida musical brasileira, em seus vários aspectos. O trabalho de Lino de Almeida Cardoso realiza ume studo sobre um período que tem sido considerado estéril na vida musical no século XIX, a regência. O trabalho se propõe a examinar os motivos do que denominou de “depressão musical” nos anos entre 1831-1840.9 7

PEREIRA, Avelino Romero Simões. Música, Sociedade e Política: Alberto Nepomuceno e a República do Rio 1864-1920. Dissertação de Mestrado em História Social: RJ: IFCS/UFRJ, 1995. 8 MAGALDI, Cristina. Concert Life in Rio de Janeiro, 1837-1900. Tese de Doutorado. Los Angeles: University of Califórnia, 1994. 9 CARDOSO, Lino de Almeida. O Som e o Soberano: uma história da depressão musical carioca pósabdicação (1831-1843) e seus antecedentes. São Paulo. Tese de Doutorado; Programa de Pós-graduação em História Social-USP, 2006. Esta tese chegou as nossas mãos nos últimos momentos de pequenos ajustes desta dissertação, basicamente o trabalho já estava pronto. O trabalho foi parcialmente lido por nós, daí o motivo de apenas apresentar o que o autor se propôs a realizar em seu estudo, mas do que já foi apreciado trata-se de um trabalho muito importante para a atual pesquisa, pois estuda um momento imediatamente anterior a idéia de se criar o Conservatório no Rio de Janeiro e pelo que se percebe as questões tratadas elucidam alguns pontos ainda sem maiores explicações por nosso pesquisa.

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Todos esses trabalhos são contribuições fundamentais para o historiador que pretende um estudo sobre nossas experiências musicais. Os primeiros tornaram-se clássicos por construir a base de nossa memória histórico-musical, servindo dessa forma às recentes pesquisas da nossa história da música. As pesquisas atuais estão propiciando um novo horizonte para antigos temas da historiografia da música, tentando escapar de determinismos e preconceitos que permearam os estudos sobre a música produzida no século XIX e do romantismo. Como ressalta Martha Abreu,

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a pretensão dos primeiros estudos era fazer uma

síntese histórica do que seria a “música popular brasileira”. Apesar deste texto específico tratar sobre a construção do discurso de uma música popular, a discussão pode ser trazida para o âmbito de uma “música erudita”, pois os olhares lançados por esses pesquisadores à realidade musical brasileira é que nos chama a atenção, ao distinguirem e hierarquizarem formas e personagens da música, tentaram encontrar elementos que simbolizam e caracterizam todo o conjunto musical brasileiro. A produção historiográfica sobre a vida do Conservatório de Música é exemplar dessa disparidade entre o conhecimento histórico e musicológico. Até então, os estudo realizados caracterizam-se de uma maneira geral por uma significativa ausência dos historiadores em desvendar a participação dessa instituição na vida social do Rio de Janeiro, mesmo percebendo uma nova atitude frente à pesquisa, o que denominamos de música erudita e seus espaços continuam marginalizados nas discussões historiográficas feitas por historiadores. Ainda estamos delegando aos músicos, musicólogos e etnomusicólogos, estudos sobre eventos musicais no Brasil. É necessário salientar que, em muitos trabalhos sobre história da música, o nosso tema aparece, porém sempre tratado rapidamente, por isso, foi dada especial atenção às pesquisas acima mencionadas, particularmente, por terem dedicado pelo menos alguns capítulos em seus livros e abordado o assunto diretamente.11 A estrutura do presente trabalho foi pensando em três capítulos organizados cronologicamente. No primeiro capítulo, será trabalhada a concepção de Conservatório de Música a sua origem na Europa, e o caminho para o seu estabelecimento no Brasil no século 10

ABREU, Martha. Histórias da “música popular brasileira”: uma análise da produção sobre o período colonial. In: ISTVÁN, J. KANTOR, Í. (org.). Festa: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa. SP, 2001. 11 Vale citar trabalhos clássicos como Mário de Andrade em Aspectos da Música Brasileira e Pequena História da Música, Luiz Heitor Corrêa Azevedo 150 anos de música no Brasil: 1800-1950, Magida Baub em História da Educação Musical, Vasco Mariz em História da Música no Brasil.

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XIX. Procurar conhecer e analisar o discurso de um grupo que está diretamente ligado ao projeto - os músicos - que se empenharam na construção do Conservatório, enfim analisar o que significou o conservatório na perspectivas de ambos os grupos, desde o momento das primeiras suas primeiras formulações em 1833 e 1841, até o início de concretização do projeto em 1848, data de inauguração oficial da escola. O segundo capítulo em seguida a apreensão do discurso, partiremos para a análise das ações implementadas para concretizar o ambicionado projeto de criação do Conservatório de Música, verificando as práticas empreendidas principalmente no âmbito restrito do Conservatório, mas também da Academia Imperial das Belas-Artes da qual passou a fazer parte em 1854, através da reforma pedreira tentando perceber concorrências, luta por espaço de trabalho e reconhecimento profissional, internas e externas. As lutas cotidianas para fazer a escola crescer diante dos desafios econômicos, políticos e pedagógicos enfrentados pelos seus docentes. As reestruturações internas de regimentos e padrões educacionais, as lutas por ganho de poderes políticos, legitimação e guarda do campo profissional e encontrar os pontos de enfrentamentos e convergências que contribuíram na construção de determinada identidade da instituição, criando e explorando lugares bem definidos de atuação profissional que acabou por ajudar na divulgação dos trabalhos do Conservatório de Música. O terceiro e último capitulo foi estruturado a partir das disciplinas criadas para compor a instituição, considerado que aceitação de um novo parâmetro para a educação musical, conviveu em alguns momentos com permanências de costumes ligados às antigas concepções. As rupturas apresentada pela nova estratégia de institucionalização de uma cultura educacional para a música, sofreu, ao longo de sua trajetória mudanças para se adaptar as tradições e as novas concepções de sociedade e música. A análise estará atenta a articulação do estabelecimento de disciplinas no Conservatório com a trajetória profissional de cada docente que esteve a frente da disciplina. A metodologia se serviu em boa medida do método prosopográfico – mas não se pode dizer que foi feita uma prosopografia no sentido estrito atentando para a construção de uma estrutura de grupo, recrutamento, quais atividades profissionais e como foram educados entre outros aspectos. A premissa que é constituíam um grupo com características comuns que imprimiram no período de 1841-1865, sua marca na institucionalização formal do ensino de música. O objetivo é melhor entender, o processo de construção social, cultural e simbólica da instituição musical oficial do Império, através de seus membros. 19

Das fontes provêm os maiores problemas, música ao historiador não é possível analisar e esse é a material produzido por músicos essencialmente – então questões como apreensão de discursos como são feitos por historiadores em outras áreas, torna-se uma tarefa muito difícil de ser realizada. Mas não é objetivo desse trabalho analisar música nenhuma mas tentar entender as peculiaridades do universo musical pode e deve ser feito, exigindo um esforço redobrado por quem não possuiu certas ferramentas que poderiam auxiliar na pesquisa. Posto essa especificidade, as fontes utilizadas foram basicamente relatórios do Ministério dos Negócios do Império, do diretor do Conservatório, jornais e periódicos temáticos, dicionários e compêndios de música, documentação administrativa da instituição, correspondências, programas de concertos do Conservatório e de sociedade musicais, o Almamak Laemmert – fonte constante – e até mesmo as partituras forneceram alguma informação inteligível para uma pessoa parcialmente analfabeta em música.

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1. Missionários Civilizadores: Homens da arte musical na construção do sentimento de progresso e civilização

(...) Mas, acima e para além desse prazer passivo, vamos descobrir a música, música que nos fará participar ativamente do trabalho de um espírito que ordena, dá vida e cria. Pois na raiz de toda criação encontramos um apetite que não é um apetite pelos frutos da terra; de modo que, aos dons da natureza, acrescentam-se os benefícios da elaboração humana – esta é a significação geral da arte.1

1.1 Introdução O “espírito” do oitocentos é a procura por definições e classificações. O ordenamento do comportamento e do pensamento foi adotado de maneira própria e singular no Brasil, ou, como diz Stravinsky, cria, ordena e dá vida, de forma particular e intensa até meados do século XIX. O que o compositor deseja é definir o sentido que pode ter “música” no mundo social que conheceu e que certamente partilha com seus contemporâneos. Stravinsky nasceu no final do século XIX, percorreu quase todo o século XX2, e presenciou, seguramente, muitas incertezas diante das certezas, como o final do romantismo3 e seu ressurgimento com o neoromantismo4, em um período conturbado, mas que ainda faz parte de um mundo que acreditava em muitas verdades. Mas o que interessa neste momento é perceber que, para além das dificuldades em se definir o que é música, é interessante seguir a pista que Stravinsky fornece quando faz a sua assertiva: de que a arte, de uma forma geral, e é claro que em especial a música, é “fruto” da 1

STRAVINSKY, Igor. Poética Musical (em 6 lições). Tra. Luiz Paulo Horta; RJ: Jorge Zahar, 1996. p. 31-32 Igor Stravinsky nasceu em 1882 em Lomonosov, Rússia e morreu em Nova York em 1971, um dos representantes do neo-romantismo no século XX. 3 Grosso modo, é o período compreendido entre 1790 a 1910. Esse tempo significa, entre outros elementos, uma busca pelas raízes históricas, a música é o palco em que surgir mitos de fundação de determinados povos, suas identidades e principalmente a articulação com os Estado Nacionais que estavam se definindo durante o século XIX. Em se considerando em termos de forma musical, é nesse período que surge o Poema Sinfônico, o Noturno, a Canção e a Ópera, que apesar de existir se expande em tempo e tamanho de componentes, assim como a orquestra. 4 Período considerado no entre guerras, utilizam não apenas as temáticas trabalhadas no romantismo, como também das formas e gêneros musicais. 2

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ação humana, mesmo percebendo que a criação da matéria prima (som-natureza) independe em parte do fator humano. Nosso objeto é analisar o seu significado social, que está em permanente rearranjo simbólico, considerando como ponto de convergência a criação de um Conservatório de Música na cidade do Rio de Janeiro, propondo acompanhar a dinâmica da vida musical durante o segundo reinado. Para compreender a instalação do Conservatório de Música, é útil recuperar a sua origem na Europa, que possibilita conhecer o modelo desejado, a ser confrontado com os projetos de institucionalização de uma cultura nacional e de consolidação do Estado nacional brasileiro. Nesse sentido, é importante analisar o discurso e a prática dos dois segmentos que estavam envolvidos diretamente com o projeto: os profissionais da música e a elite política. Com os músicos, procuramos entender como estes viam seu campo de trabalho, sua inserção profissional no ambiente social em que viviam e como foram construindo sua autoimagem de grupo perante a sociedade da Corte, centro político e administrativo do Império. O segundo grupo, que está diretamente ligado ao processo de criação da escola, é a elite política imperial. Dessa forma, é necessário compreender as ações desse grupo, que tiveram influência na concretização das principais instituições que compunham o quadro administrativo do Estado Império brasileiro. Para tanto, do requerimento de criação do Conservatório de Música em 1841 ao discurso pronunciado em ato solene de inauguração da instituição em 1848, será o caminho utilizado para compreender o processo de instalação do Conservatório e criação das bases formais da instituição, procurando perceber os mecanismos em que se assentou a relação entre o governo e os músicos. É preciso ter em vista o papel social da música que estava sendo forjado, a construção de ferramentas para viabilizar um projeto de fortalecimento do ambiente musical, e a institucionalização de certas áreas consideradas ilustradas pelo governo. A recente historiografia5 vem observando que o papel e as ações do que denominamos genericamente de Estado muda de acordo com o tempo, espaço e a instituição com que este 5

Sobre os diversos estudos a respeito de Estado, sociedade e política para o período pós-independência, primeiro reinado, regência e segundo reinado ver MARTINEZ, Alessandra Frota. Educar e instruir: a educação popular no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado-Programa de Historia Social- UFF. RJ, 1997; FLORY, Thomas. El Juiz de Paz y el Jurado em el Brasil Imperial: 1808-1871: controle social y estabilidade política en el nuevo Estado.tra. Mariluz Caso. México: Fondo de Cultura Económica, 1996; SQUEFF, Letícia. O Brasil nas Letras de um Pintor: Manoel de Araújo Porto Alegre (1806-1879). Campinas, SP: ed. UNICAMP, 2004; BASILE, Marcello O. N. Campos. O Império em Construção. Tese doutorado: RJ:UFRJ/IFCS, 2004; MARTINS, Maria Fernanda V. A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado. Tese de doutorado – RJ:UFRJ/IFCS, 2005; MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores

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trata. Esta constatação possibilita entender as peculiaridades e direções que foram dadas pelo governo a cada ramo da educação pública ao longo do século XIX. Partindo dessa premissa, é necessário perceber que o Estado brasileiro que se delineou durante o século XIX foi fruto de intensos debates e projetos, no qual um caminho foi escolhido entre tantos outros, permeado por disputas políticas acirradas no seio da elite governante do país. Podemos afirmar, assim, que o processo de formação do Estado nacional no Brasil envolveu tensa negociação, que conduziu à conciliação de interesses muitas vezes divergentes, com vistas à criação e à consolidação de um poder central e nacional. Lembremos que a realidade política herdada da colônia, marcada pelo localismo, pela falta de tradição de um governo central e pela carência de laços que unissem fortemente as diferentes províncias entre si, estava bem distante de um ideal nacional que demorou muito a se constituir. 6

A consolidação dos Estados Nacionais pela Europa no final do século XVIII e ao longo do XIX,

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exigiu redefinições das diversas funções que estavam pulverizadas entre

Igreja, nobreza e monarquia. As idéias primordiais que estavam subjacentes às novas concepções do Estado Moderno foram propiciadas, sobretudo, pela revolução francesa, marco da luta antiabsolutista, e pelo avanço do ideário liberal, tanto europeu como norte-americano, em que se previa a institucionalização burocrática de diversas áreas sociais, antes delegadas a regulamentação leiga ou religiosa. Segundo Koselleck o que propiciou essas mudanças foram os conflitos religiosos e a Revolução Francesa; argumenta o autor que a partir desses eventos foi possível a construção do Estado Moderno.8 No caso da música isso significa dizer, por exemplo, que a educação musical estava delegada aos religiosos jesuítas, principalmente, e a regulamentação profissional formal dos músicos estava a cargo da Irmandade de Santa Cecília. O que temos até o início do século políticos e sociabilidades na cidade imperial. SP: Hucitec, 2005; SOUZA, Silvia Cristina. As Noites do Ginásio: teatro e tensões culturais na corte. Campinas, SP: ed. Unicamp – Cecult, 2002. 6 MÄDER, Maria Elisa Noronha de Sá. Ordem e Civilização: a idéia de nação nos textos do Visconde do Uruguai. In: BICALHO, Maria Fernanda, GOUVEA, Maria de Fátima e SOIHET, Rachel. (org) Culturas Políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005, pág. 179. 7 Mesmo considerando que uma periodização da gênese dos Estados Modernos seja difícil, podemos considerar que a partir do fortalecimento da organização administrativa, como ressalta Torres, mostra em boa medida o compartilhamento de elemento entre as várias experiências históricas, mesmo que os processos se diferenciem entre si. TORRES, João Carlos Brum. Figuras do Estado Moderno: representação política no ocidente. São Paulo, Brasiliense, 1989. p. 41-47. 8 KOSELLECK, Reinhart. Critica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Tra. Luciana Villas-Boas. RJ. EDUERJ. Contraponto, 1999. p. 19.

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XIX é a permanência dos resquícios de uma regulamentação do trabalho provinda da Europa Medieval, exigindo a necessidade de filiação a uma oficina ou à dita irmandade para conseguir o exercício profissional, além de proibir no art. 5º do compromisso o ensino da profissão a qualquer pessoa que não possa entrar na irmandade.9 Na base dessa regulamentação situavam-se as corporações de ofícios, cujas origens se encontram nas confrarias, associações criadas e formatadas por indivíduos praticantes do mesmo ofício, sob a égide de um santo protetor de sua invocação e escolha. Em torno desse orago, unidos e impulsionados pela fé religiosa, os confrades procuravam implementar condições e recursos para enfrentar as adversidades da vida material e profissional, e, na medida do possível, procuravam estender esses benefícios à comunidade em geral. (...) A primeira noção regulamentadora das relações de trabalho em uma corporação se estabelecia na própria condição subordinativa dos aprendizes e companheiros diante dos mestres. Numa oficina, tudo convergia para o mestre e tudo emanava dele. Inúmeros artifícios e instrumentos reservados aos mestres nos estatutos das corporações davam o tônus aristocrático àquelas entidades. Aos mestres – e só a eles - cabia tomar as decisões, coloca-las em prática, aplicar os preceitos normativos da corporação.10

É ainda prevalecendo esta tradição que irá se dar o exercício educacional e profissional do músico no Brasil, onde predominava a tradição católica portuguesa, tornando a função música eminentemente prática, voltada a acompanhar momentos de devoção religiosa e comemorações oficiais da Coroa Portuguesa. Nas palavras de Daniela Miranda, a prática musical em Minas Gerais no século XVIII “assumiu um papel de uma arte funcional”.11 As funções da música feita e executada no Brasil podem ser exemplificadas pelas atividades na Capela Real, em festas religiosas organizadas pelo Senado da Câmara, por Irmandades leigas, ou ainda pelos eventos privados. Mas há uma distinção importante a ser feita, principalmente com relação a Portugal, pois aqui, sobretudo em Minas Gerais do século XVIII, os músicos: (...) trabalharam numa sociedade barroca12 cujas “formas abertas” permitiramlhes, uma organização social mais livre, onde as rígidas normas das corporações 9

Termo de compromisso da irmandade de Santa Cecília, 1784 Apud ANDRADE, Ayres. Francisco Manoel da Silva e seu tempo 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos. Rio de Janeiro: Secretaria de Educação e Cultura, 1967. v 1. p. 79-80. 10 BOSCHI, Caio César. O Barroco Mineiro: artes e trabalho. SP: brasiliense, 1988. p. 50-51. 11 MIRANDA, Daniela. Músicos de Sabará: prática musical religiosa à serviço da Câmara 1749-1822. Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de pós-graduação em História da FAFICH/UFMG: BH, 2002. 12 Segundo as recentes pesquisas, considera-se que, não houve uma música barroca propriamente dita. A experiência musical que ocorreu em Minas Gerais durante o século XVIII resultava da convergência de diversos

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de ofícios apresentaram-se frágeis. Em Minas Gerais no século XVIII, iam agregando aprendizes, que aos poucos participavam dos agrupamentos musicais, acompanhando seus mestres, mas não se tratava do laço mestre-aprendiz típico das corporações de ofício. 13

Portanto, as atividades musicais e seu ensino até este momento na Brasil eram essencialmente religiosos, e as possibilidades para se aprender música, além das oficinas de mestres, eram com os jesuítas, com os mestres de solfa em seminários, com os mestres de capela nas matrizes e catedrais, e com professores particulares.14 Apesar do ensino e do exercício musical estar voltado para eventos essencialmente religiosos, Curt Lange, em um estudo sobre a música no período colonial no Brasil, destaca que em Minas a partir do 1750 o clero desaparece da regência de conjuntos de música religiosa.15 A respeito do ensino musical no Rio de Janeiro em fins do século XVIII, Lange lembra a presença do Padre José Maurício Nunes Garcia e de seu professor pardo, destacando não a sua formação religiosa, mas a cor de sua pele. O autor argumenta que as atividades musicais nesta cidade, assim como nos centros urbanos mineiros, foram desenvolvidas por mulatos. 16 Há que se notar que este estudioso da música ibero-americana ressalta a hibridação humana como característica fundamental que valoriza o processo musical transcorrido na América Portuguesa. O exame que realiza dos estudos de seus contemporâneos17 não poupa estilos oriundos da França, Itália, Portugal e Alemanha somados aos ritmos dos índios e negros, formando assim, uma música singular. Ver BRANDÃO, Domingos Sávio Lins. O Sentido Social da Música em Minas Colonial. Belo Horizonte: Departamento de Sociologia/FAFICH/UFMG, 1993. (Dissertação de Mestrado – Mimeo.) MONTEIRO, Maurício. A Confraria de Santa Cecília no século XIX. VII Festival Internacional de música colonial brasileira e música antiga. II encontro de musicologia histórica. Revista do VII Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga. II Encontro de Musicologia Histórica. Juiz de Fora: Centro Cultural Pró-Música, 1996. 13 BRANDÃO, Domingos Sávio Lins. Musica, Estilo e Sociedade Colonial Mineira. in. 3º Encontro de Musicologia Histórica. 9º festival Internacional de Música Colonial Mineira e Música Antiga. Centro Cultural Pró-Música. Juiz de Fora julho, 1998. pág. 56. 14 BINDER, F. CASTAGNA, P. Teoria Musical no Brasil: 1734-1854. Revista eletrônica de musicologia. vol. 1.2/Dezembro de 1996. p. 12. 15 CURT LANGE. A organização musical durante o período colonial brasileiro. Atas do V Colóquio Internacional de estudos Luso-Brasileiros. Coimbra, 1966. p. 16. 16 Ibidem, p. 27. 17 Curt Lange se refere especificamente, neste trabalho, a Renato Almeida e Luiz Heitor Corrêa de Azevedo. A crítica à historiografia da música desse período reside na idéia de que o Padre José Mauricio foi a “primeira coluna do templo musical da nação” ignorando o que havia ocorrido em Minas Gerais. Diz que José Maurício, “aparece sem contornos, sem personagens secundárias, sem o necessário background profissional, sem vinculação com colegas de um certo renome” Curt Lange considera que “sem ter havido o cuidado de fazer pesquisas no período em que o Padre José Maurício foi músico activo, não ficou outro recurso senão atribuir-lhe uma preparação autodidáctica, sobretudo num século em que tudo estava baseado na prática musical.” p. 27

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críticas ao entendimento de que as atividades musicais tenham começado a partir do início do século XIX. Lange explica que o desconhecimento e o pensamento nacionalista foram em parte responsáveis por uma leitura que depreciava a contribuição portuguesa em nossa formação musical. O autor sublinha que “Para justificar la exacta valoración de este proceso musical no se puede prescindir de la apreciación histórica de la cultura musical portuguesa (...).18 A ruptura dos padrões corporativistas da prática e da educação artística ocorreu de forma diversa nas diferentes sociedades, atrelada ao processo histórico específico de cada uma. Pode-se identificar entre os elementos que inspiraram essa mudança no padrão de organização do trabalho a formação dos Estados Nacionais, a expansão das idéias liberais, e o iluminismo. A vontade de reorientação e racionalização das funções do Estado Moderno, contribuiu para a implementação de ações que visavam a criação e consolidação de instituições livres das amarras religiosas, realizando-se o ideal da ilustração e da razão. Em França, essas mudanças propiciaram o afastamento do ensino, sobretudo, da antiga tradição medieval, atrelado às irmandades e confrarias. Esse processo, segundo Cybele Vidal Fernandes, se deu de forma tensa, pois, como ressalta a autora, essas corporações não aceitaram a perda de privilégio que as instituições modernas estavam trazendo e representavam.19 Em Portugal a situação é distinta. As corporações de ofícios ou a forma tradicional de regulamentação profissional persistiram até pelo menos o século XVIII, desempenhando dessa forma o papel político e social que o Estado irá tomar para si apenas no século XIX.20 Durante todo o século XIX, as mudanças sociais e políticas possibilitaram em boa medida uma alteração nos usos e conceitos que envolviam o ofício musical. Desde fins do século XVIII, as rupturas tornavam-se mais visíveis, a partir desse período há uma mudança social que acaba por afetar o padrão de criação artístico, havendo uma nova estruturação na relação entre o artista e os consumidores de arte, segundo Elias, propiciada por uma “transição do artista empregado para o artista livre”. Isso quer dizer que na arte artesanal, em

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Idem. La Música en Villa Rica: Minas Gerais, siglo XVIII. In: Revista Musical Chilena. Santiago de Chile, Faculdad de Ciências y Artes Musicales. Universidad de Chile, nº 2 ano XXI, 1967.p. 12. 19 FERNANDEZ, Cybele Neto. Os caminhos da Arte: o ensino artístico na Academia Imperial das Belas-Artes 1850-1890. RJ; Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ, 2001. pág. 25. 20 Idem, Ibidem, pág. 35.

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que o que ainda prevalecia era o gosto do patrono, era eliminada a ação individual do músico.21 O contrário dessa forma profissional tem-se na arte do artista, onde, segundo Elias, os gostos são socialmente iguais aos de seus consumidores, iguais ao público que compra a obra. Os artistas tornam-se nesse momento, formadores de opinião e a vanguarda artística, “podendo guiar para novas direções o padrão estabelecido de arte, e então o público em geral pode ir lentamente aprendendo a ver e ouvir com os olhos e ouvidos do artista”.22 Mas é importante compreendermos que os processos, mudanças ou rupturas trazem consigo confluências e divergências, o artista que começa a apontar no final do século XVIII e que vive no velho continente não é o mesmo que vive numa realidade colonial marcada por outra lógica social, como ressaltou Domingos Lins Brandão, ao perceber em seu estudo especificidades em uma sociedade colonial que estava longe da sede da coroa. Como já foi salientado anteriormente, o músico que aqui vivia no século XVIII, mesmo com as ilustradas reformas pombalinas, também convivia com formas do absolutismo monárquico, que acabam por dar outra configuração social ao exercício profissional da música no Brasil. O percurso social do mundo do trabalho do músico conviveu simultaneamente e lentamente com as “formas abertas”23, a normatização progressiva do fazer e ouvir música. Segundo António Ângelo, as características que vêm acompanhando a trajetória dos conservatórios foram marcadas por três objetivos que são frutos da elaboração e das escolhas tomadas no século XIX. Esses três elementos dizem respeito a “formação, a criação e a produção e fruição”24. Essas características provêm de uma “base uma única tipologia musical, em detrimento de outras formas e géneros musicais, numa acentuada cultura de profissionalização em que interagem uma rede complexa de conceitos e pré-conceitos, hierarquias sociais e estéticas.”25 É corriqueiro encontrar nos estudos relativos à institucionalização do ensino musical a associação entre a criação dos conservatórios e a revolução francesa, onde é elevado “o 21

ELIAS, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. (Org). Michael Schröter; tra. Sergio Góes de Paula; revisão técnica Renato Janine. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. 22 Idem, ibidem 1995. p. 47. 23 BRANDÃO, Domingos. Loc. Cit 24 VASCONCELOS, António Ângelo. O Conservatório de Música; professores, organização e políticas. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional. 2002. p. 26. 25 VASCONCELOS, António. 2002, Ibidem, p. 26.

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sistema deste conservatório de educação político-musical”26. Nesse sentido, foi privilegiado o sentido político imediato que a organização social tomou na França, mas é mais significativo considerar que pedagogicamente houve a separação entre prática e teoria, uma ruptura importante com toda uma tradição pautada em um ensino musical prático, onde seu destino era necessariamente o trabalho, onde, antes de tudo, aprendia-se exercendo um ofício. Harnoncourt ao explicar as mudanças ocorridas na estruturação do trabalho e na aprendizagem de um ofício aponta que o pressuposto básico foi a necessidade de tornar a música acessível a todos, uniformizando os estilos e cita as obras didáticas encomendadas por Cherubini, que materializavam o desejo de universalização do conhecimento, desestruturando o antigo sistema de regulamentação profissional baseado no laço mestre-aprendiz, que foi substituído por uma instituição e por um sistema: o Conservatório.27 Segundo Rafael Coelho Machado, “conservatório” deve ser entendido como a “grande escola aonde se ensinão todos os ramos da arte musical; dá-se-lhe esta denominação por ser destinada a propagar a arte e a conserva-la em toda a sua pureza”.28 A sistematização do conhecimento musical, ao mesmo tempo em que propiciava a formação de uma certa “autonomia” no repertório do intérprete e técnica do compositor, também permite considerar que se produz uma identidade de grupo, que estabelece relações entre seus membros e com um projeto político da elite brasileira, estabelecendo formas de diálogo para viabilizar um projeto de construção de uma nação civilizada, desejada por ambas as partes. O problema entendido por esse caminho conduz a considerar que a noção de Conservatório, dentro dos parâmetros do racionalismo e profusão das luzes, significou também a penetração de idéias que levariam a uma des-profissionalização de uma atividade que até então era entendida e praticada essencialmente como ofício e não como deleite por seus praticantes. A possibilidade de estender a prática musical a todos os “cidadãos”, ou como diz Coelho Machado “propagar a arte”, e por sua vez a educação criam uma nova categoria de 26

Podemos destacar o trabalho de HARNONCOURT, Nikolaus. O Discurso dos Sons: caminhos para uma nova compreensão musical. Trad. Marcelo Fargelande. Rio de Janeiro; Jorge Zahar, 1998. LAVIGNAC. Alberto e LAURENCIE. Lionel de la. (org) Encyclopédie de La Musique et Dictionnaire du Conservatoire. Paris; Livraria Delagrave, 1931. 27 HARNONCOURT, Op. cit, p. 29 28 MACHADO, Raphael Coelho. Dicionário Musical. 2º edição: Rio de Janeiro: Typ. Do Commercio de Brito e Braga, 1855.

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praticante que não visa a profissionalização e desfaz completamente o sedimento que existia quando se falava em transmissão de conhecimento da música e sua utilidade. A partir desse momento não existe mais o contrato que unia um indivíduo a uma casa ou oficina, desobrigando a segui-lo, efetivando a idéia de música para todos, para quem quisesse se formar como profissional ou como amador. No Brasil articula-se ainda um processo que envolveu questões como a construção de um sentimento de nacionalidade, identidade e também a construção administrativa de um Estado que pudesse atender as exigências dos ideais modernos, que passou a fazer parte da ordem do dia, principalmente no que dizia respeito ao fim dos laços coloniais. A história da instrução pública no império está colada com a consolidação do próprio Estado Imperial, pois já em 1824 foi considerado um dever constitucional, acrescido no Ato Adicional de 1834 que delegou às diversas Províncias a tarefa de organizar o ensino primário e secundário, visando em última instância a formação do povo.29 No relatório do Ministério do Império de 1833 encontram-se as principais questões que estavam norteando as discussões nesse período. O ministro solicita à Assembléia Geral Legislativa a criação do cargo de inspetor de ensino, pelo menos na capital do império, argumentando da seguinte forma: “He impraticavel que, em hum Paiz nascente, onde tudo está ainda por crear, e com o máo Systema de Administração, que herdamos, o Ministro possa presidir a exames, fiscalisar Escólas, e descer a outras minuciosidades ”30. O que se buscava então era criar as ferramentas básicas que comporiam o aparelho de Estado de acordo com o que acreditavam deveriam ser as obrigações governamentais. Paralelamente a estas questões, somavam-se também todos os acontecimentos turbulentos ocorridos no período regencial, momento crucial para a articulação e concretização por parte dos músicos de mudanças na forma de se organizarem. Nos anos trinta do século XIX, as agitações nas diferentes regiões ameaçavam a integridade do estado. O Período Regencial é conhecido por suas crises institucionais e sociais, época seguida à abdicação do imperador, em que muitas questões de resolução aparentemente urgente compunham a preocupação do governo. Porém, como destaca Marco Morel, a década de 1830-40 ultrapassa em muitos pontos a imagem de anarquia e desordem, este período “pode 29

MATTOS, Ilmar Rohloff. O Tempo Saquarema. 5º ed. São Paulo: Hucitec, 2004. p.287. GAMA, Antônio Pinto Chichorro. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1834. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p.10.

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ser visto como um grande laboratório de formulações e de práticas políticas e sociais, como ocorreu em poucos momentos da história do Brasil”. 31 O surgimento das mais variadas propostas e preocupações, tanto por parte do governo quanto por parte da sociedade em geral, faz deste um período fundamental no processo de construção do Estado Nacional e da Nação. São questões como a educação musical, que aparece no governo pela primeira vez em relatório do ministro dos Negócios do Império à Assembléia Geral em 1833, onde o então ministro Antônio Pinto Chichorro da Gama, diz: “(...) convem crear neste Estabelecimento huma Aula de Musica, onde o talento dos Brasileiros, tão propensos ás Bellas-Artes, possa n’este ramo desenvolver-se, e aperfeiçoarse.”32 O ministro Chichorro, refere-se por “Estabelecimento” à Academia Imperial de BellasArtes. Neste documento é possível verificar que a primeira idéia foi criar uma escola de música dentro da AIBA – Academia Imperial de Belas Artes, e não uma instituição independente. Esta é a primeira referência feita por um ministro à institucionalização do ensino musical no Brasil, mesmo que dentro de uma instituição já existente, e vem de uma forma condizente com o sentido primário de conservatório, sem referencia a qualquer tipo de formação profissional, apenas a quem queira se dedicar a este ramo das belas artes, esvaziando o antigo sentido corporativo que caracterizou a prática musical e a forma de transmissão do conhecimento tradicional. O problema da educação é discutido e acaba por tornar-se um dos elementos importantes que compunham a preocupação da elite nesse momento, e dentro desse vasto campo encontra-se a educação artística e musical. Os dirigentes imperiais preocupavam-se com a formação básica da população, em especial a da corte. O sentido de instruir era antes de tudo difundir as luzes colocando o Brasil entre os países ditos civilizados e a educação forneceria ao indivíduo os princípios morais e religiosos necessários para que pudessem incentivar, com isso, o progresso e o bem estar individual, fortalecendo seu caráter e tornando-o responsável por si mesmo. 33 O que as idéias revelam é que se tratava para o Estado de uma questão de defesa, manutenção da ordem pública para conseguir o ideal da civilização, do progresso da ordem 31

MOREL, Marco. O período das regências (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 9 Relatório do ano de 1833 apresentado pelo ministro Antônio Pinto Chichorro da Gama a Assembléia Geral Legislativa na sessão ordinária de 1834. Disponível: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1704/000009.html. Acessado em 25 de maio de 2005. 33 Martinez, op. cit. pág. 73. 32

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social de forma pacífica. A criação do Conservatório de Música como uma instituição oficial, pode ser considerada dessa forma: Como um dos elementos que buscavam criar alternativas para a manutenção de uma ordem social que se tornava mais complexa e múltipla, agindo como um elemento unificador da cultura civilizadora, mas também uma alternativa – moderna e distinta – para a ampliação e restituição da intensa atividade musical na cidade do Rio de Janeiro que passava por um momento de atrofia dos principais organismos musicais da corte.34 Ainda assim, os interesses específicos de cada província exacerbaram-se e trouxeram instabilidade ao governo liberal. Elisa Reis considera que no Brasil o “desafio inicial de consolidar um centro de poder territorial tão vasto, carente de integração regional e com amplas áreas escassamente povoadas, tornou o imperativo da construção do Estado muito mais relevante o que o da nacionalidade”.35 Reconhece-se que ambas as questões eram fundamentais no período tratado, pós-independência, e também que no período regencial, sobretudo, esta questão estava na ordem do dia. Para a autora, a urgência da questão da centralização não descarta que a noção de nacionalidade já vinha sendo tratada desde fins do século XVIII.36 Contudo é necessário não perder de vista que não existia uma nação brasileira nem antes e nem depois da independência, a construção do estado nacional e da nacionalidade é fruto de um longo processo que conviveu com vários projetos diferentes para a sua concretização. Abordando a questão por esse ângulo, o que nos interessa ressaltar é que, na antiga possessão portuguesa, e, sobretudo a partir da abdicação de D. Pedro I em 1831, o governo estava pensando e lutando na busca de um Estado racionalizado e civilizado. A manutenção da ordem interna era primordial, e ordem nesse período quer dizer controle social que permita prosperidade econômica ou progresso material. 37

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CARDOSO, Lino de Almeida. O Som e o Soberano: uma história da depressão musical carioca pósabdicação (1831-1843) e seus antecedentes. São Paulo. Tese de Doutorado; Programa de Pós-graduação em História Social-USP, 2006. 35 Baseado na idéia de burocratização da autoridade pública entende-se que a criação de uma estrutura de monopólio dos meios de violência também seja um dos elementos importantes na constituição da legitimação do Estado nacional moderno. 36 REIS, Elisa Pereira. Processos e Escolhas: estudos de sociologia política. RJ: Contra Capa, 1998. p. 74. 37 MATTOS, Ilmar Rohloff. Op. cit. e CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem: A elite política imperial; Teatro de Sombras: A política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. MARTINEZ, op. cit. pág. 233.

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Dentro desse panorama, que mostra rapidamente os problemas gerais enfrentados nos primeiros anos de “soberania” nacional do Brasil, convém refletir a respeito dos principais pontos levantados pelos dirigentes para a resolução dos conflitos internos pelos quais passava o país naquele momento. A articulação com determinados segmentos sociais foi um ponto estratégico para a criação e manutenção da política no império e que ao longo do século XIX serão amplamente discutidas e ajustadas de acordo com as caraterísticas de cada ramo, particularmente quando era tratado com indivíduos que tinham em seu ofício a arte. Mas de uma forma geral, Flory aponta que “los grupos profesionales del imperio fueron identificados inmediatamente como uma categoría social importante, principalmente debido a su acceso a grupos económicos menos bien delineados de la sociedad en general y a su influencia potencial sobre los mismos”.38 Em outro caminho Edmundo Campos Coelho ao seguir a trajetória de três grupos sociais e profissionais importantes – medicina, advocacia e engenharia - aponta que a regulamentação ocupacional, mesmo que de forma tímida serviu para a regulamentação de uma legislação social para cada segmento profissional., mesmo que a trajetória de cada um desses ramos aponte para um universo diverso do mundo do músico, principalmente até as primeiras décadas do século XIX. De qualquer forma é importante estar atento ao fato de que a formação de determinadas profissiões não estarão desvinculadas de outras, de que existem “elementos constitutivos do seu ambiente institucional”,39 e é visivel que estes circulam e se tornam problemas compartilhados por amplos setores da sociedade. Mesmo com importantes distinções dentro do amplo quadro da profissionalização no século XIX, especialmente no Brasil, o músico procurou em meados do século realizar algumas das premissas que caracterizariam uma determinada profissão, mas isso não significou de forma alguma que havia um projeto ou idéia clara de para onde estavam seguindo, mas é um processo do ambiente instituicional do periodo se fazendo presente entre as procupações do músico oitocentista do Rio de Janeiro. Então é possivel verificar que em diferentes momentos delineou-se uma capacidade de mobilização de seus praticantes através de uma entidade associativa; a constituição um campo de atuação marcando-o com determinadas qualificações 38

FLORY, Thomas. El Juiz de Paz y el Jurado em el Brasil Imperial: 1808-1871: controle social y estabilidade política en el nuevo Estado.tra. Mariluz Caso. México; Fondo de Cultura Económica, 1996. pág. 235. 39 COELHO. Edmundo Campos. As Profissões Imperiais: medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro 1822-1930. Rio de Janeiro: ed. Record, 1999. p. 65

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de caráter técnico e perícia; a tentativa – em um momento muito específico - de delimitá-lo construindo formas de monopólio da ocupação através de treinamento específico e formal, na tentativa de eliminar praticantes não qualificados. 40 A agência regulatória nesse caso seria o Conservatório, que forneceria o treinamento necessário, mesmo não se constituindo em um curso superior, mas apesar da trajetória do Conservatório do Rio de Janeiro apontar em alguns momentos para um ensino profissional, o sentido geral e primeiro desse tipo de instituição não era a profissionalização e dessa forma não é possivel carateriza-lo como uma instituição de ensino profissionalizante.41 Os professores de música figurarão na discussão a partir de agora, por fazerem parte das formulações do Estado para alcançar não apenas a ordem, mas em última análise, por viabilizar o projeto que tinha como idéias centrais a noção de civilização, que acaba por abarcar todas essas questões. Na verdade, estes representam um segmento social que expande as suas atividades profissionais durante a primeira metade do século XIX; do ensino à imprensa especializada em música, os músicos tornam-se um grupo potencialmente interessante para promover uma modernização da sociedade também pela via do progresso material. Mesmo considerando que problemas internos ao governo de ordem política e econômica ocasionassem dificuldades ao campo musical profissional, especialmente após 1831 com a redução brusca do número de músicos efetivos dos quadros da Capela Imperial, estes desempenhavam um papel importante nos teatros da cidade, e em festas privadas. É necessário também apontar que as instituições de educação musical que estavam surgindo na Europa se apresentaram como uma boa solução para a ampliação e manutenção do campo de trabalho. A relativa rapidez com que os músicos elaboraram o requerimento de criação de um Conservatório de Música no Rio de Janeiro denota, a princípio, a boa análise de conjuntura que o grupo possuía com relação aos rumos políticos que o Império estava vivenciando. Podese apreender do episódio que alguns músicos possuíam, devido à experiência em nível de Estado, conhecimento de seu espaço de trabalho e das práticas administrativas, pois muitos já eram funcionários públicos na Capela Imperial.

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Idem, ibidem. p. 19/67. José Murilo de Carvalho classificou como escola profissionalizante uma escola de música. Apesar de não ter citado nominalmente o Conservatório, entende-se que é a essa instituição que o autor esteja se referindo. CARVALHO, Op. cit. p. 74. 41

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Esses músicos possuíam, também, a percepção do que estava ocorrendo dentro do mundo estético-profissional e no ensino de sua época, sobretudo quando se tratava das inovações que estavam surgindo na Europa e Estados Unidos. No Brasil, apesar da distância que separa os dois continentes, o trânsito era intenso principalmente de artistas europeus que vinham fazer turnês pela América latina como um todo, sendo o Brasil um dos portos privilegiados durante todo o século XIX, intensificando-se na segunda metade dos oitocentos. As transformações que estavam ocorrendo na Europa não passaram desapercebidas pelos músicos brasileiros, ou seja, seus olhos e ouvidos estavam voltados para a mais nova produção que se dava tanto nos teatros quanto nas escolas do continente europeu. Com a profusão dos conservatórios pela Europa, começa a se definir a primazia de um modelo de instituição para o ensino da música, padrão esse que começa a ser adotado em diversas partes do velho continente e também nas Américas. O centro inspirador que forneceu a base em que se deveria dar foi a França, onde foram construídos dois modelos fundamentais. O primeiro foi o da École Royale de Chant, criada em 1783, e o segundo o da École pour la Musique de la Garde Nationale de 1792, que mais tarde se tornaria o Institut National de Musique, considerada por Antônio Ângelo Vasconcelos como a “primeira instituição moderna organizada em bases nacionais, livre de dinheiro oriundo de fundos de caridade, com uma estrutura inteiramente secular.”

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Outras escolas de músicas na Europa, também

surgiram em períodos não muitos distantes dessas datas, por exemplo, na Alemanha em 1771 foi fundada uma academia de canto em Leipzig, e na Inglaterra existiram dois modelos distintos um criado em 1762 e o outro em 1774, o que aproxima as duas propostas é a forma de financiamento desvinculado de auxílio do governo inglês, seguindo o padrão das escolas italianas.43 Outras foram criadas ou reorganizadas durante o século XIX, como o Conservatório de Bruxelas em 1832, Florença em 1861, Turim em 1867, Berlim em 1882, Leipzig em 1843 (fundada por Felix Mendelssohn, que posteriormente deu nome à escola), o de Munique, reorganizado em 1867 e o de Lisboa criado em 1835 por D. Maria. Os conservatórios da Itália

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VASCONCELOS, Antônio A. O Conservatório de Música; professores, organização e políticas. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional. 2002. p.42. 43 ARNOLD, Denis. Education in Music. In Stanley Sadie org. The New Grove Dictionary of Music e Musicians, 6, Londres, Macmillan Publishers Limited, p. 19. Apud VASCONCELOS, 2002.

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e Portugal tiveram um contato direto com o do Brasil44, sendo matrizes importantes, o primeiro por fazer predominar sua música-estética e o segundo por legar importante herança cultural, sobretudo no âmbito religioso. Na América Latina, a profusão dos conservatórios se deu desde princípios do XIX, os primeiros conservatórios foram os do Brasil, Chile e México. O do Chile foi criado em 17 de junho 1850, batizado de Escuela y Conservatório de Música.45 Todavia o site oficial da La Facultad de Artes de la Universidad de Chile diz que a criação do Conservatório de Nacional de Música remonta a data de 1849, diferença muito pequena que não interfere no sentido geral do tempo. 46 O México criou o seu primeiro conservatório em 1 de julho de 1866, o Conservatório Nacional de Música do México. A iniciativa de criar a instituição foi de José Mariano Elízaga, Joaquín Beristáin, Agustín Caballero e José Antonio Gómez que já atuavam na Sociedad Filarmónica Mexicana, a partir dessa sociedade é que surgiu a proposta de criação de um conservatório nacional. Foi um marco importante a nacionalização do ensino de música do México, segundo Betty Luisa Zanolli Fabila, (...) relación al papel que ha desempeñado la enseñanza conservatoriana en la cultura nacional, no resultaría aventurado afirmar que a través de ella se ha podido contribuir al conocimiento y la perpetuación de las formas y estilos musicales desarrollados en Occidente que fueron transplantados al Nuevo Mundo desde el siglo XVI (...)47

É interessante verificar que a autora ainda considera que o aporte de instituições religiosas foi fundamental no estabelecimento de um conservatório, então o Colegio de San José de los Naturales, Colegios de Infantes de las Catedrales de México y Puebla y el Convento de San Miguel de Belén en el siglo XVIII e ainda la Escuela Patriótica Municipal de Veracruz, contribuíram por serem os primeiros lugares onde se ensinava e praticava música. 44

A escola de Portugal em especial, mantinha contato principalmente através do criador do Conservatório de Lisboa João Domingues Bomtempo 1775-1842, um dos principais pianistas e compositores em Portugal no século XIX. Em 1840 este músico fez uma visita ao Brasil quando já era diretor do Conservatório de Lisboa. 45 MAYER-SERRA, Otto. Musica e Musicos de latinoamerica. México DF. Editorial Atlante, 1947. p. 295. 46 Departamento de Música y Sonología – Universidad de Chile. http://www.musicaysonologia.uchile.cl/presentacion.html. Acessado em 26 de dez. de 2005. 47 FABILA, Betty Luisa Zanolli. El Conservatorio Nacional de Música de México. In: Conseratorianos, México, Enero-Febrero, 2000. Disponível em http://www.conservatorianos.com.mx/1zanolli.htm. Acessado em 15 de janeiro de 2006.

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Um centro musical importante na América do Sul e que dividia com o Brasil as intensas turnês das companhias líricas européias, foi Buenos Aires. Teve o seu primeiro conservatório oficial somente a partir da segunda metade do século XIX, nesse ínterim a vida musical Argentina, e especificamente a da capital, viram surgir uma escola de música de caráter privado e laico. Segundo Júlio César García Canepa a Academia de Música Instrumental pode ser considerada “en la primera escuela de formación de instrumentistas al margen del ámbito específicamente religioso”48, o autor não é claro com relação a data de criação desta academia, somente diz que a instituição atua na cidade desde 1806, segundo o mesmo autor, a ação desta entidade se dá em eventos isolados. Nesse sentido, pode-se observar uma similaridade desta instituição com uma das atividades desenvolvidas pela Sociedade Musical Beneficente sediada na cidade do Rio de Janeiro, qual seja, a de incentivar as atividades musicais profissionais. Instituições que agregavam em seu entorno os músicos da cidade. Segundo o autor o músico que criou a Academia de Música foi o flautista clarinetista Víctor de la Prada depois de retornar da Europa onde estava para estudar. Mas este tipo de “sociedade” não pode ser entendido ainda como um conservatório, Canepa considera o maestro Juan Pedro Esnaola49, o responsável pela institucionalização do ensino musical na Argentina exatamente quando este músico criou a Escuela de Música y Canto por volta de 1859. Mas somente em 1874, sob os auspícios do governo argentino criou-se na província de Buenos Aires a Escuela de Música y Declamación tendo como diretor o maestro Esnaola,50 Julio César Canepa ressalta ainda que este maestro passou o período de 1818 até 1822 estudando na Europa, voltando a Argentina quando houve anistia política promovida pelo governo de Martín Rodríguez. Contudo a primeira escola de música denominada Conservatório foi criada somente em 1880, o Conservatório de Música de Buenos Aires, por outro compositor, Juan Gutiérrez.51

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CANEPA, Julio César García. La ensenãnza musical en Argentina El siglo XIX: camino hacia la mayoria de edad. In: Conservatorianos. México, Mayo-Junio, 2000. Disponível em http:www.conservatorianos.com.mx/3jlgcanepa.htm. Acessado em 26 dez 2005. 49 Compositor argentino que nasceu em 18 de agosto 1808 e morreu em 8 de julho de 1878 em Buenos Aires, autor da primeira e segunda versão do hino nacional argentino. Canepa no mesmo artigo citado, sugere que a segunda versão do hino foi composta a pedido de Francisco Faramiñán, diretor de bandas musicais, porém Mayer-Serra em ‘Musica y Musicos’ informa que houve uma unificação das duas versões do hino a pedido do governo. 50 CANEPA, 2000, Op. cit. 51 CANEPA, 2000, Op. cit.

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Dessa forma, o Brasil é o primeiro país na América Latina a criar um Conservatório de Música totalmente desvinculado de instituições religiosas. Mesmo com os entraves vividos pelos músicos diante da fragilidade do campo de trabalho, a ambição em transformar a imagem do país de bárbaro em civilizado e o desejo de construir um Estado Nacional motivaram as ações que regulamentavam o cotidiano, e deram, sobretudo, nas instituições criadas no período joanino, primeiro reinado passando pela regência e o segundo reinado um cunho iluminista. O ambiente musical viveu por um longo período, com a oportunidade de trabalho para o músico profissional pulverizada entre a Capela Real e Imperial, os teatros e ainda em festas particulares, o que trazia uma certa insegurança material a esse profissional pois eram serviços contratados para um determinado evento -, viu nascer mais uma possibilidade de sistematização tanto do conhecimento musical como também o estabelecimento de novos laços identitários entre seus membros. O entendimento da vida musical no Brasil, e principalmente no Rio de Janeiro, passa pelos diversos locais em que atuavam profissionalmente. O músico no século XIX possuía uma certa mobilidade, trabalhando entre um evento e outro, atuando por vezes em mais de uma instituição. Por isso é possível verificar que a trajetória de uma instituição estava permeada pela de outra, levando à constituição de aspectos comuns entre as diversas formas de atuação institucional. O elo que ligava cada uma foram as pessoas, são os músicos que transitavam entre uma e outra, entre o público e o privado, e entre o mundo regulamentado e o não regulamentado. Investigando uma das partes, os artistas envolvidos, a historiadora Letícia Squeff, em um estudo sobre Manoel de Araújo Porto Alegre, sintetiza de forma esclarecedora as ambições da sociedade em geral e dessa geração de artistas durante as primeiras décadas do século XIX. Diz a autora: A questão da elaboração de uma cultura propriamente “brasileira” foi um dos eixos em torno dos quais se construiu o universo intelectual brasileiro dos Oitocentos. Nesse sentido, alguns temas gerais, já ressaltados por vários intérpretes da história brasileira de meados do século XIX, explicitam-se no percurso intelectual de Porto Alegre. Transformar o Império em uma “civilização” e elaborar uma definição para o Brasil recém-constituído em nação independente foram alguns dos propósitos mais vastos inerentes a sua trajetória. A arte parece

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ter sido o eixo privilegiado a partir do qual o pintor pensaria e atuaria na sociedade do Império. 52

Tais considerações apontam que outros elementos moviam os interesses desse grupo. Não apenas a necessidade de provimento material estava em jogo mas também a constituição de um campo de trabalho entendido de uma forma mais ampla, de acordo com o que Pierre Bourdieu definiu como campo artístico, que fez criar uma nova lógica – em contraposição ao antigo – em que prevalecia o seu próprio funcionamento, criando uma atitude estética sem a qual o campo não poderia funcionar. Por meio da concorrência, que opõe todos os agentes investidos no jogo, ele reproduz incessantemente o interesse pelo jogo, a crença no valor daquilo que está em jogo.53 E o que estava em jogo era a ruptura com as antigas formas de relação profissional, a criação do estatuto do artista e de uma nova arte, o alargamento da arte musical a quem se interessasse estudá-la. Levando a uma mudança na concepção de educação musical possibilitada no Brasil pelas novas possibilidades de trabalho e visibilidade social dos músicos na capital do império.

1.2 O Grupo a Frente do Empreendimento de 1841. Antes de verificarmos o conteúdo do pedido de criação do Conservatório, é interessante pensarmos no grupo social e profissional que tomou à frente o empreendimento de redigi-lo e assiná-lo. Ou de outra maneira, verificar quem, naquele momento, estava propondo uma mudança no processo de ensino e no estatuto profissional do músico na Corte. Então consideramos os sete músicos os “responsáveis” pela criação da escola, os nomes que estão registrados no pedido e nas bases para a criação do Conservatório de Música, que encontra-se sob guarda da Biblioteca Nacional no setor de manuscritos. 54 A primeira assinatura no documento é de Fortunato Mazziotti. Era português apesar do nome. A literatura especializada data a chegada dos irmãos Mazziotti a corte em 1810, onde João Paulo, Carlos e Fortunato fixaram residência. Ayres de Andrade ressalta que entre 52

SQUEFF, Letícia. O Brasil nas Letras de um Pintor: Manoel de Araújo Porto Alegre (1806-1879). Campinas, SP: editora da UNICAMP, 2004. Pág. 24. 53 BOUDIEU, 2002, Op. cit, pág. 286. 54 BN - Setor de Manuscritos C-0774,035.

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os irmãos que aqui chegaram, Fortunato era o que mais se destacava. Em abril daquele mesmo ano, todos os irmãos Mazziotti conseguem vaga na Capela Imperial como cantores. 55 O pesquisador Rubens Ricciardi lembra que chegaram ao Brasil também grandes compositores, como é o caso de Marcos Portugal, já com a carreira consolidada na Europa, André da Silva Gomes, e Fortunato Mazziotti. Segundo Ricciardi este compositor trabalhou em Mafra e Lisboa antes de vir para o Brasil, por isto o autor levanta a hipótese de que Mazziotti quando chegou ao Rio de Janeiro já estaria entre os compositores com uma trajetória profissional consolidada, mas o autor sublinha que “ sua obra, tanto produzida em Portugal, como no Brasil, ainda permanece pouco ou quase nada conhecida”.56 Estes músicos provêm de uma família dedicada ao ofício da música, seu pai foi cantor. Segundo André Cardoso de origem italiana, Antônio Mazziotti migrou para Portugal com uma companhia lírica em 1765, daí seu nome ainda ser essencialmente italiano.57 No processo de casamento de Fortunato Mazziotti existe alguma discrepância de informações. A primeira diz respeito à data de chegada desse músico ao Rio de Janeiro; de acordo com o documento, ele chegou em 1809 e não 1810, e a segunda é sobre o nome do pai do compositor, pois é dito neste documento que Mazziotti é filho legitimo de Miguel e D. Thereza Maciote, natural de batizado na Freguesia de Nossa Senhora da Ajuda da cidade de Lisboa. Fortunato casou-se em 22 de agosto de 1815 com Dona Maria Henriqueta, natural e batizada na Freguesia de Nossa Senhora da Encarnação da cidade de Lisboa. Seus padrinhos também eram portugueses, José Maria Dias e Francisco Gomes da Silva,

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o primeiro foi

músico cantor que chegou a corte em 1808 e foi nomeado nesse mesmo ano para a Capela Real, sobre o segundo nome não foi possível localizar maiores informações. O mais interessante é que consta que Fortunato Mazziotti casou-se na Capela Imperial, “a capela 55

ANDRADE, Ayres. Francisco Manuel da Silva e seu tempo 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos. Rio de Janeiro: Secretaria de Educação e Cultura, 1967. v 2. p. 214 et seq. 56 Esta informação é importante porque é uma interpretação muito diferente do que vem sendo dito a respeito de Fortunato Mazziotti, que até hoje não foi considerado um bom compositor, na avaliação dos musicólogos. Portanto, Rubens Ricciardi, compositor, musicólogo, intérprete e professor do departamento de música ECAUSP Ribeirão Preto é o primeiro que coloca esse músico junto com os grandes compositores que estiveram no Brasil na primeira metade do século XIX. Essa informação junto com algumas notas de pesquisas foi cedida gentilmente pelo autor, que tem realizado pesquisas em arquivos portugueses e levantou uma extensa produção de Mazziotti em Portugal. 57 CARDOSO, André. A Música na Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro.Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2005. p. 73. 58 Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro: Caixa 2283 Notação: 44475

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particular de D. João” utilizando as palavras de André Cardoso59, onde ocorreu o casamento de D. Pedro I com D. Leopoldina, a coroação do primeiro e do segundo imperador do Brasil, e as festas religiosas e cívicas ligadas ao monarca. Realizar o casamento nesta capela, que era também a Catedral do Rio de Janeiro, sugere certa distinção que provavelmente não era compartilhada por todos os súditos do rei. Talvez por ser um profissional já conhecido na cidade e trabalhar na capela tenha sido possível a realização cerimônia neste templo. Na época da composição do documento que pede a criação do Conservatório, Mazziotti contava com 59 anos. 60 Relacionando a idade e a experiência do compositor não é de se estranhar que este dispusesse de prestígio suficiente para dividir com Francisco Manoel a responsabilidade pela criação da instituição. É interessante verificar que, ao assinar o documento, Mazziotti informa – é o único a fazê-lo de maneira destacada - o cargo que ocupa naquela ocasião, “o mestre de música de suas magestades imperiais”, recorrendo visivelmente ao prestígio angariado durante alguns anos de serviço ao Estado e à Casa Imperial. Apesar disso Fortunato Mazziotti vem sofrendo uma desvalorização por parte da literatura que se dedicou a vida musical no Rio de Janeiro, segundo Cleofe Person Mattos “Entregue o mestrado da Catedral à mediocridade de Fortunato Mazziotti e de Simão Portugal, a velha Sé assistirá ao desmantelamento do Primeiro Reinado e acompanhará os seus passos até a abdicação do D. Pedro, em 1831.”61 A autora sugere de forma incisiva que estes dois músicos foram os responsáveis pela decadência e quase extinção da orquestra e coro da Capela Imperial, de forma a desconsiderar todo o processo social e político pela qual passou o Rio de Janeiro e a música na Capela Imperial.62 A apreciação feita da atuação desse compositor diz respeito a sua produção musical sob o ponto de vista de sua qualidade técnica, desconsiderando sua atuação social. Fato é que se conhece muito pouco tanto da vida quanto da obra de Fortunato Mazziotti mas não é o único profissional da música que foi esquecido. Como já foi dito por Ricciardi, a historiografia foi construída para atender demandas de uma época que trouxe a 59

CARDOSO, Op. cit, p. 52. MATTOS, Cleofe Person. José Maurício Nunes Garcia: uma biografia. Rio de Janeiro, Fundação Biblioteca Nacional, Dep. Nacional do Livro, 1996. 61 Idem, ibidem, p. 187. 62 A respeito desse período, foi feito um estudo em que se propõem a verificar “depressão” dos serviços musicais na corte. CARDOSO, Lino de Almeida. O Som e o Soberano: uma história da depressão musical carioca pósabdicação (1831-1843) e seus antecedentes. São Paulo. Tese de Doutorado; Programa de Pós-graduação em História Social-USP, 2006. 60

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luz algumas trajetórias enquanto outras foram esquecidas ou obscurecidas, no caso desse músico pela atuação de Marcos Portugal e do padre José Maurício na primeira metade do século XIX e posteriormente de Francisco Manoel da Silva. Mas apesar da sistemática desvalorização de Mazziotti, a sua presença em cerimônias de primeira ordem é constante. Em terras americanas, o primeiro evento de maior significado foi com a morte de D. Maria I em 20 de março de 1816. A música constituiu-se em um dos elementos que compunham todo o cerimonial, regida por Fortunato Mazziotti era apresentada uma composição de David Perez63 o “Matuttino dei Morti”, uma obra considerada pelos especialistas de grande vulto e muito conhecida. 64 Havendo El Rei Nosso Senhor designado o dia 10 de junho [de 1816] para que o Senado da Camara desta cidade, solemnisasse as exequias da Muito Alta e Muito Poderosa Rainha Fidelíssima, a senhora D. Maria I, na Igreja do Real Convento da Ajuda...As 7 horas da tarde do dia 9 [de junho de 1816] começarão Matinas, officiadas por Comissão de S. Ex. Reverendissima pelo Illustrissimo Monsenhor Decano que fez a sua entrada com a solemnidade praticada na Real Capella. Dirigio esta acção hum mestre de Cerimonias da mesma Real Capella, e cantarãose em grande orchestra, e por todos os Musicos da Real camara e Capella os responsorios do nunca excedido David Peres, regidos por Fortunado Mazziotti, compositor ao serviço de S. M. 65

O trecho acima deixa claro que Mazziotti foi designado para reger a música na cerimônia fúnebre na Capela Real, porém sabe-se que o padre José Mauricio também compôs um Réquiem para as mesmas exéquias,

66

conhecido como a Missa de Réquiem de 1816

67

,

uma encomenda de D. João VI. Ricciardi continua e faz uma constatação interessante: diz que Mazziotti também regeu outra obra do padre José Maurício nas mesmas exéquias de D. Maria I. Argumenta o autor que a partir da análise da orquestração da “Sinfonia Fúnebre” existe um indício (devido à orquestração) que leva a crer que podem ter sido ambas executadas na

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Compositor, natural de Nápoles, viveu entre 1711-1779. BERNARDES, Ricardo. Missa de Nossa Senhora da Conceição – 1810 José Mauricio Nunes Garcia. Publicação eletrônica, disponível em http://lanic.utexas.edu/project/etext/llilas/vrp/bernardes.pdf. P.6. Acessado em 28 de janeiro de 2006. 65 Gazeta do Rio de Janeiro, 6/07/1816. Apud RICCIARDI Op. cit. As observações entre colchetes são do autor. 66 Um réquiem pode ser entendido como uma música feita exclusivamente aos ofícios dos mortos, é uma missa com passagens da bíblia. 67 Está obra é dita junto com mais três missas, como um símbolo da mudança no estilo do padre José Mauricio propiciado pelo contato com os compositores que chegaram ao Brasil com a família real portuguesa. 64

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mesma solenidade, e esta ocasião seria, na opinião do autor, a mais propicia para execução desse tipo de repertório.68 As exéquias podem ser caracterizadas como sendo as honras fúnebres, todavia, essa definição não fornece a dimensão da prática oitocentista. Iara Lis observou que “tratava-se de um ato que continuamente se expandia, porque essas exéquias se prolongavam por todo o ano (...) nesse ato das exéquias, lamentava-se o rei e queria-se ligar todo o corpo político através da tristeza, sob a égide do próprio Estado”69. Segundo Martha Abreu o evento religioso nos oitocentos possuía um alcance social muito maior, conseguia existir dentro e fora do templo religioso, as práticas religiosas eram marcadas pelas espetaculares manifestações externas da fé, presente nas pomposas missas, “celebradas por dezenas de padres e acompanhadas por corais e orquestra”; nos funerais grandiosos, nas procissões cheias de alegrias” e nas festas, onde centenas de pessoas das mais variadas condições se “alegravam com música, dança, mascaradas e fogos de artifício.70

O que confirma as indicações sobre as características das cerimônias religiosas é que com a intensidade do momento religioso e seu prolongamento durante todo o ano é razoável que mais de uma obra fosse utilizada para as solenidades,

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e para os músicos indica que as

oportunidades de trabalhos eram também estendidas, era a oportunidade de ganhar a vida e ao mesmo tempo arregimentar prestígio na corte. Aliás, ser escolhido para reger nesse evento já é um indicativo de autoridade e como comenta Rubens Ricciardi, a escolha de Mazziotti comprova o prestígio que o músico já possuía na época “A posição em que se encontrava Fortunato Mazziotti talvez o colocasse, sob o ponto de vista da hierarquia, acima de José Maurício Nunes Garcia e pelo menos ao lado de Marcos Antônio Portugal.” 72 Essa afirmação contradiz toda uma historiografia que afirma a supremacia dos dois compositores mais famosos, e por isso mesmo inova. Ao reconhecer que nesses momentos só músicos com experiência e uma solidez profissional reconhecida poderiam trabalhar nas exéquias da rainha, possibilita repensar a trajetória profissional de um músico ainda desconhecido. Todavia, essa não seria a única ocasião solene em que Mazziotti se fazia 68

RICCIARDI, op. cit. SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria Coroada. São Paulo: Unesp, 1998. p. 208 e 209. 70 ABREU, Martha. O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no RJ, 1830-1900. SP. Nova Fronteira; SP, Fapesp, 1999. p. 33. 71 SOUZA, Loc. Cit. 72 RICCIARDI, Rubens Russomano. Manuel Dias de Oliveira - um compositor brasileiro dos tempos coloniais partituras e documentos. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 2000. 69

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presente, no dia 26 de junho 1812, no trigésimo dia da morte do príncipe Pedro Carlos de Bourbon e Bragança teve lugar à missa onde foi executado um Responsório de sua autoria, junto com mais quatro de Marcos Portugal e música não especificada, de Zannetti.

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Agora,

nas exéquias do príncipe, a regência foi feita por ninguém menos que Marcos Portugal o grande nome da época. Às 7 horas e meia [do dia 25 de junho de 1812] o Excellentissimo e Reverendissimo Bispo Diocesano, Capellão Mor, começou as Matinas, responsórios forão cantados pelos Musicos da Real Camara e Capella, dirigidos pelo insigne Marcos Antonio Portugal, Mestre de S.S.A.A., o qual nesta excellente composição sustentou a grande reputação que tem adquirido, ainda nos Paizes Estrangeiros. Seguirão-se as Laudes cantadas pelos cujos Capellães cantores da Real Capella.(...) e depois das cerimonias de costume, começou a Missa [no dia 26 de junho de 1812], sendo a Musica do celebre Zannetti, dirigida pelo mesmo Portugal.(...) os Responsos erão os das Matinas [portanto, de autoria de Marcos Portugal], exepto o primeiro, cuja musica era composta por Fortunato Mazziotti. 74

Compor e reger para as exéquias de um monarca significava participar de uma série de eventos que guardavam em si, usando as palavras de Iara Lis, uma “pedagogia do poder monárquico (...) Ela implicava vozes, gestos, monumentos, danças, regras ditadas pelo Estado, mas que não se configuravam necessariamente com um único sentido.”

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Todas as

músicas compostas para esses eventos guardavam entre si diferenças, um réquiem é diferente de um responsório que por sua vez é diferente de uma matina, há na música também uma hierarquização; ter uma música ou reger a cerimônia principal era sinal de prestígio. 76 E é importante notar que Mazziotti ainda não era mestre de capela da Capela Real, sua nomeação ocorreu em 4 de julho de 1816, apesar de trabalhar na capela como cantor desde 1810.77 André Cardoso ainda diz que, mesmo não sendo o mestre de capela, Mazziotti dirigiu os dois conjuntos da Capela Real em cerimônias importantes, e cita justamente as exéquias do príncipe D. Pedro Carlos e acrescenta que, em um evento encomendado pelo Senado da Câmara, o compositor fez uma cantata para comemorar a elevação do Brasil a Reino Unido 73

ANDRADE, Ayres. A Francisco Manoel da Silva e seu tempo 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos. Rio de Janeiro: Secretaria de Educação e Cultura, 1967. v. 1 p. 33. 74 Gazeta do Rio de Janeiro, 1/07/1812 Apud RICCIARDI, op. cit. Entre colchetes são observações do autor. 75 SOUZA, p. 208 et seq. 76 Sobre a hierarquia musical na Capela Real e Imperial, ver CARDOSO, André. Música na Capela Real e imperial do Rio de Janeiro.Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2005. 77 RICCIARDI, Rubens Russomano. Manuel Dias de Oliveira - um compositor brasileiro dos tempos coloniais partituras e documentos. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 2000.

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(que ocorrera em 15 de dezembro de 1815) em 24 de janeiro de 1816, cerimônia realizada na igreja de São Francisco de Paula, em ocasião que contou com a participação de D. João e dos músicos da Casa e Capela Real. Mazziotti fazia parte, também, da comissão artística do Real Teatro São João, junto com Marcos e Simão Portugal.78 No arquivo musical do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro estão guardadas as partituras que foram compostas e executadas na Capela Real, entre as obras encontram-se 14 músicas de Fortunato Mazziotti. Foram encontradas também em Portugal algumas obras do compositor, feitas no Rio de Janeiro, e provavelmente levadas quando D. João VI retornou a Portugal.79 Infelizmente em muitas não há indicação de onde foram executadas. Contudo, observando o catálogo das obras80, está arrolado um Te Deum composto em 1818. A essa época era coroado D. João VI, houve uma missa pelo casamento de D. Pedro e D. Leopoldina (que havia ocorrido em 6 de novembro de 1817) e também uma missa em favor da alma de D. Maria, em todas essas ocasiões está registrado que a música foi de responsabilidade de Marcos Portugal, porém a composição de um Te Deum em um ano movimentado sugere que em algum momento dessas comemorações essa obra foi executada, mas não há indicação específica. Manoel de Araújo Porto Alegre em poucas palavras forneceu uma indicação importante a respeito da educação e obra de Mazziotti, e acaba mostrando que o tempo e a sociedade em que este músico estava vivendo o considerou apropriado aos cargos que exerceu. Segundo Porto Alegre “O Sr. Fortunato Maziziotti discípulo do insigne Leal, e homem de verdadeiro mérito, também se-deixou arrastar pelo empulso do tempo.”81 Em 1848, já afetado pelo tempo Mazziotti retirar-se-ia de algumas cerimônias, participando apenas das solenidades de primeira ordem e das que diziam respeito à família imperial. Em 16 de dezembro desse ano encaminha um pedido feito ao Ministério do Império em que solicita trabalhar apenas nessas solenidades, argumenta que,

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CARDOSO, 2005. Op. cit.. p. 73 e 74. Essa informação foi fornecida pelo pesquisador Rubens Ricciardi que esteve recentemente em Portugal realizando pesquisas a respeito de Mazziotti. 80 Catálogo disponível em http://www.acmerj.com.br/, índice por compositor. 81 PORTO ALEGRE, Manoel Araújo. A música sagrada. In: Iris. 15 de fevereiro 1848; anno 1, n°1. p. 47. Ao mesmo tempo em que reconhece o mérito de Mazziotti, este critica a sua forma de compor que segundo o autor estava deixando-se influencias pelas novas correntes musicais e especialmente pela presença do bel canto na música religiosa. 79

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serve como Mestre de Capela Imperial há trinta e oito annos, sempre com o maior zelo e assiduidade; hoje porem que sua avançada idade e alguns incomodos em sua saude o privão de comparecer com a mesma assiduidade; com o mais profundo respeito a V. M. Imperial que por effeitos de sua alta bondade haja por bem dispensar o supplicante, quando não puder comparecer na Capella Imperial nas festas de segunda e terceira ordem82

Ele voltaria à Capela para a cerimônia de casamento de D. Pedro II com D. Teresa Cristina onde teve uma música sua executada. 83 Não seria muito supor que a sua interferência ou a sua presença entre os que estavam levando a solicitação à Assembléia Geral, foi muito importante para dar legitimidade ao pedido do grupo de músicos. Falece no Rio de Janeiro em 3 de agosto de 1855. 84 O músico que assina o documento logo em seguida foi Francisco Manoel da Silva, nascido em 1795 no Rio de Janeiro, alvo de vastos estudos, principalmente sobre a sua atuação burocrática. Até o momento torna-se impossível pensar o cotidiano musical sem se referir à significativa presença deste personagem85. Atuou em várias instituições importantes, como a Capela Real posteriormente Imperial, como instrumentista, cantor, compositor e finalmente foi mestre-de-capela em 1842. E foi nesse coro de reconhecida qualidade que Francisco Manoel da Silva se iniciou nas funções da música profissional, exatamente em 1809 cantando no naipe de “soprano”, como aluno do Padre José Mauricio Nunes Garcia. Em 1823, pede para ser timbaleiro e posteriormente requer o lugar de 2° violoncelo (1825). Segundo consta foi o fundador da Sociedade Musical Beneficente da qual é eleito presidente em 1834. Em 1840, é nomeado compositor da Imperial Câmara, foi membro da Irmandade de Santa Cecília, foi irmão na ordem terceira de São Francisco de Paula e também na de São Francisco da Penitência. Também exerceu a partir de 1851 o cargo de diretor artístico das companhias líricas e de bailado no Teatro Provisório, em 1857 assina a ata de instalação da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional como conselheiro artístico, é condecorado com a Ordem da Rosa 82

CARDOSO, André. A Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro 1808-1889. Rio de Janeiro. Tese de Doutorado: Centro de Letras e Artes-Instituto Vila Lobos / Uni-Rio, 2001. 83 CARDOSO, 2005. Op. cit, p. 93. 84 ANDRADE, Ayres. Francisco Manoel da Silva e seu tempo 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos. Rio de Janeiro: Secretaria de Educação e Cultura, 1967, págs. 194 e 195. 85 A obra mais significativa a respeito de Francisco Manoel da Silva, é de ANDRADE, Ayres. Francisco Manoel da Silva e seu tempo 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro. Este pesquisador realizou um amplo estudo sobre a vida e o ambiente artístico da época de atuação do músico. Mas existem outros também muito importantes como: SENA, Ernesto. Rascunhos e Perfis. Brasília. Ed. Universidade de Brasília. V. 49, 1983, col. Temas Brasileiros; HAZAN, Marcelo Campos. The sacred woks of Francisco Manuel da Silva (1795-1865). Tese de Doutorado. Washington D.C. The Catholic University of America, 1999.

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grau de oficial (1857), passa a ser fiscal do governo na Ópera Nacional, dirige o evento musical quando da inauguração da estátua eqüestre de D. Pedro I (1862) e falece em 1865.86 A época do requerimento, Manoel da Silva contava com 46 anos morava na Rua do Conde nº 48 e trabalhava ativamente na cidade. Fazia parte da Irmandade de Santa Cecília, professava na Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, publicou em 1838 o compêndio de música para uso dos alunos do Colégio Pedro II, além de diversas composições musicais, e principalmente era o autor do hino nacional. Da mesma forma que Mazziotti, acreditamos que Francisco Manoel também possuía a articulação política e social necessária para legitimar a idéia de criação de um Conservatório de Música, pois eram pessoas que tinham o instrumental necessário, eram educados dentro dessa “cultura erudita” e já trabalhavam a serviço do Estado em cargo relativamente distinto, considerando a estrutura burocrática que começa a se formar. O terceiro músico que assinou o documento foi José Joaquim dos Reis, nascido na Bahia em 1796, veio para o Rio de Janeiro em 1840. Era violinista e professor, trabalhou esporadicamente na Capela Imperial, em 1843 quando da reorganização promovida por Manoel da Silva foi efetivado no cargo. Faleceu em 1876. Essas são as únicas informações levantadas por Ayres de Andrade a respeito desse músico. 87 Encontramos seu nome figurando entre os professores de música do Almanak Laemmert para o ano de 1848, contudo como professor de piano e canto, atendendo na Rua dos Inválidos nº92. No ano seguinte já figura entre os instrumentistas da Capela Imperial, e em de 1851 é membro da Sociedade Musical Beneficente ocupando o cargo de vicepresidente até 1857 quando passa a ocupar a presidência dessa sociedade. Durante todos os anos do Almanak em que se publicam os anúncios de Reis, este se apresenta como professor de piano e canto. Uma possível explicação para Andrade o ter considerado violinista é que este trabalhava na capela como instrumentista e a única opção nesse caso eram tocar violino, já que é um instrumento indispensável a qualquer orquestra88 Ainda é interessante perceber que o músico se desdobrava em pelo menos três atividades, todas ligadas à área da música.

86

ANDRADE, Ayres. Francisco Manoel da Silva e seu tempo 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro. Vol. II pág. 230-236. 87 Idem. Pág. 219-220. 88 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro. 1844-1889 E. & H.Laemmert, disponível em http://www.crl.edu/content/almanak2.htm.

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João Bartholomeo Klier, foi o quarto músico a deixar sua assinatura. Imigrante alemão, natural da Bavária. Não é possível determinar a data em que se estabelece no Brasil, um dos primeiros registros de sua presença no Rio de Janeiro se dá em janeiro de 1828 quando solicita uma audiência com o imperador, na qual informa que já havia servido por 10 anos de corneta-mor depois passou a ser o mestre de música no Real exercito da Bavária e depois de demitido foi professor de música em Wutzburgo e na Bavária, informa ainda que conhece 10 instrumentos diferentes para os quais possui os conhecimentos para composição entre eles clarineta, rabeca ou flautim, mas que se destaca mesmo na clarineta por isso solicita tocar para o imperador uma composição sua como prova de seus conhecimentos. A audiência foi solicitada para pedir uma vaga na Capela Imperial, foi concedido a chance de tocar para o imperador além de ser instruído a tocar também em um grande concerto.89 Apesar da indicação de se apresentar em público consta no Jornal do Commércio apenas um concerto em 1837, no qual participa para ajudar a Sociedade Musical Beneficente, a peça que tocou foi uma Variação para Clarinete sem ficar claro se além de intérprete também é o compositor. Ao chegar ao Rio de Janeiro, Klier passou a residir na Rua do hospício, 85 onde também montou uma loja de instrumentos e de papel de música, tornando-se ao longo do século XIX uma das principais lojas de música da cidade, em seu anúncio no Almanak Laemmert, além de se distinguir através da venda dos melhores instrumentos fabricados na Alemanha e França, anuncia ser também o fornecedor de música e instrumentos da Casa Imperial.90 O padre Manoel Alves Carneiro foi discípulo do padre José Maurício Nunes Garcia, o seu instrumento era a viola e passou a tocar na Capela Imperial quando foi nomeado em 1823. Perdeu o emprego em 1831 quando a orquestra foi reduzida e retornou em 1843 quando houve a retomada da contratação de instrumentistas. Foi tesoureiro do Conservatório de Música até o dia de sua morte em 1866.

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Foi agraciado com a Ordem de Cristo grau

cavaleiro. Diz Manoel Alves Carneiro, presbítero secular, professor de muzica, que ele suplicante se prestou sempre com prontidão todas as vezes que era chamando no tempo de D. João para todas as funções tanto na capela na ilha do governador, e 89

BN – setor de manuscrito c-7,30-36 ANDRADE, Ayres. Francisco Manoel da Silva e seu tempo 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro. Vol. II pág. 183. 91 AN - Série Educação-Cultura-Belas-Artes-Bibliotecas-Museus IE7 pacote 19. 90

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da Quinta da Boa Vista, como também na Real Câmara, isto tanto no tempo de secular, como já depois de eclesiástico, servindo umas vezes no instrumento de Rabeca, e outras vezes no de violeta como tudo mostra pelo documento junto, e porque deseja empregar-se no honroso serviço de V. M. Ele pede ser nomeado para a Imperial câmara em qualquer dos dois instrumentos em que tem servido. 28 de agosto de 182692

Em 21 de agosto de 1826, Monsenhor Fidalgo, inspetor da Capela Imperial, informa que foi aprovado o requerimento do solicitante. Francisco da Motta foi instrumentista da Capela Imperial a partir de 1822, mesmo quando a orquestra foi reduzida este músico continuou atuando como instrumentista baixo. Assim como Francisco Manoel estudou com o padre José Mauricio Nunes Garcia, foi professor de fagote, flauta e corne-inglês, membro da Sociedade Musical Beneficente desde 1834 e professor do Conservatório de Dança,

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residiu na Praça da Constituição nº 51 em

1849, no ano de 1851 passa a residir na Rua Senhor dos Passos nº 155. Francisco da Motta foi considerado como um dos virtuoses da flauta que atuaram no Rio de Janeiro no início do século XIX realizou também trabalhos de tradução como o Método de Flauta Francês, e a edição de modinhas e danças de compositores brasileiros. O último nome que consta no requerimento é o do padre Firmino Rodrigues da Silva, também com informações restritas. O que se sabe até o momento é que foi cantor e atuou na Capela Imperial de 1809 até 1843 durante 34 anos. Não consta se foi membro da Sociedade Musical Beneficente, mas foi provedor da Irmandade de Santa Cecília em 1825, residia na Praça da Constituição n º61 no ano de 1851.

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No Almanak Laemmert não aparece o nome

deste músico, já que o primeiro ano de publicação foi em 1844, um ano após sua retirada do serviço da Capela, por isso não consta que tenha dado aulas particulares na cidade. Francisco Manoel, apesar de não ser o único brasileiro entre os que assinaram o documento, era, uma das figuras que vinham se destacando até o momento da composição do requerimento, mas não nos termos colocados pela maioria dos pesquisadores em música que o considerou já em 1833 a figura central nos círculos da música no Rio de Janeiro no século XIX.95 Francisco Manoel foi um bom articulador dos interesses do grupo a que pertencia, mas é preciso perceber que foi o conjunto que conseguiu construir sua identidade profissional e 92

BN- setor de manuscrito c-896,20 Idem, pág. 200-201. 94 Idem, Ibidem. pág. 229. 95 Idem, Ibidem. pág. 8. 93

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seu campo de trabalho. Tal fato pode ser a explicação para a historiografia delegar a ele a inteira realização da concepção do Conservatório de Música. O que nos sugere também o perfil do grupo, é que se tratava de pessoas que conviveram por anos no mesmo ambiente de trabalho, proporcionando tempo suficiente para se articularem para conseguir viabilizar um projeto comum. Mas a historiografia da música brasileira sobre o período em questão vem apontando que o responsável pela criação do Conservatório de Música do Rio de Janeiro foi Francisco Manoel da Silva. Considerado como o músico mais importante do período, construiu-se uma longa história a respeito de seus feitos para o desenvolvimento da música no Império, e entre o seu legado estão as músicas e as instituições. Com isso, construíram o perfil deste músico não apenas como compositor mas também como um grande homem que criou os principais estabelecimentos musicais do império até a segunda metade do século XIX, destacando sua devoção às artes, aos colegas e ao país. Nas palavras de Amarylio de Albuquerque, Francisco Manoel da Silva depois que conseguiu criar a Sociedade Musical Beneficente: (...) vencendo as resistências teimosas do meio, com seu esforço hercúleo e devotado, imaginou Francisco Manoel outro plano, mais arrojado por certo e que necessário se fazia concretizar, a fim de proporcionar aos brasileiros meios seguros e mais fáceis de estudar música. Apesar de continuar a compor com o entusiasmo de sempre, e de ter suas obrigações, inúmeras e da maior responsabilidade, na Capela Imperial, encontrava sempre tempo para empregá-lo proveitosamente, e assim pensou na criação de um conservatório, que pudesse abrigar o maior número possível de alunos.96

A historiografia que estava se desenvolvendo no Brasil a partir da segunda metade dos oitocentos, viveu os desafios de escrever a história do país que acabara de conquistar a emancipação política. Construir a história da nação não era tarefas das mais simples, e um dos caminhos escolhidos foram as biografias, muito divulgadas no período, que ajudaram não apenas a construir a história do país, mas também a própria escrita da história. Certamente os homens mais significativos do jovem país, deveriam ser conhecidos e divulgados, o modelo a ser seguido.

96

ALBUQUERQUE, Amarylio de. “Ouviram do Ipiranga...”:vida de Francisco Manoel da Silva. Rio de Janeiro: Cia Brasileira de Artes gráficas, 1959. p. 103.

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Por isso, vejamos ainda o que diz a professora Andrely de Paola a respeito da participação desse músico na vida musical e das instituições no império: “As preocupações de Francisco Manoel da Silva com os músicos, seus colegas e contemporâneos, datavam de 16 de dezembro de 1833, ano em que fundou a Sociedade de Música, cuja finalidade principal era prestar assistência aos artistas especializados (...)”.97 Nesse trecho a autora o considera o mentor e realizador da Sociedade Musical, obra apenas de Francisco Manoel da Silva. O que se ressalta é seu espírito benevolente, devotado com os seus, que só pensava em sua música, seus colegas e seu país, símbolo do bom brasileiro, do bom patriota. Baptista Siqueira por sua vez, também diz que a primazia de organizar a instituição foi desse músico junto com “diversos músicos metropolitanos”.98 Novamente, este pesquisador dota a um elemento a responsabilidade condutora do evento, mesmo considerando a participação de outros músicos. Ayres de Andrade, que realizou um estudo sobre Francisco Manoel da Silva, é quem chama a atenção para o requerimento feito pela Sociedade de Música, onde fornece a data de 23 de Junho de 1841 para o documento ter dado entrada na Câmara dos Deputados e cita todos os músicos que assinaram o documento.99 O primeiro elemento que chama a atenção é constatar que, apesar de Andrade reconhecer as assinaturas de outros músicos e citar nominalmente um por um, também compartilha da idéia que a principal figura da época foi Francisco Manoel da Silva, o que acaba por reiterar a supremacia da figura do compositor na conjuntura que levou à concepção da escola.

1.3 A proposta de criação de um Conservatório na corte. Este requerimento nos propicia, em primeiro lugar, entender como esses músicos se colocavam na sociedade, em segundo lugar, se/e como estavam inseridos nas discussões políticas e artísticas de seu tempo. Permite ainda verificar como entendiam o papel das artes 97

DE PAOLA, Andrely Quintella e GONSALEZ, Helenita Bueno. Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro: História e Arquitetura. RJ: UFRJ, 1998, p. 17. 98 Idem, Ibidem, Pág. 5 99 ANDRADE, 1967, Op. cit. pág. 247.

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dentro da conjuntura daquela sociedade e por fim entender como esse grupo acreditava ser possível alcançar seus objetivos. O documento foi dirigido à Câmara dos Deputados, pleiteando algo que se encaixava nas aspirações da elite que dirigia o governo, nesse sentido pedir algo a alguém que também compartilha do objeto desejado é propor uma parceria. Uma sociedade que para ambos os lados seria interessante. Para conseguir serem ouvidos, antes de tudo, estes músicos souberam como se colocar antes de apresentar o que intentavam. Como já foi dito, verificando apenas as assinaturas vimos que estas não vinham desprovidas das devidas apresentações necessárias à legitimação da proposta, e foi Mazziotti que o fez (antes de seu nome se identificou como mestre de música de Suas Majestades Imperiais), talvez o nome mais importante daquele momento apesar da figura de Francisco Manoel vir ganhando espaço durante os anos da regência e início do segundo reinado. O primeiro parágrafo os identifica como um grupo, que busca, em nome da Sociedade Musical - já conhecida na capital do império como uma instituição que assistia financeiramente os músicos e que também auxiliava no progresso das artes - a criação de um Conservatório de Música. Então estes músicos se apresentam, antes de tudo, como professores de música uma das denominações possíveis - a outra era artista- ao indivíduo que vivia da música distinguindo-se da crescente participação dos amadores e amantes de música na prática musical, então assim se dirigem aos, Os abaixo assinados, professores de Muzica desta corte, e em nome da Sociedade Muzical, bem penetrados do Vosso disvelo e solicitude pelo progresso das Artes que tanto contribuem para o da civilização vem chamar a Vossa attenção sobre a instante necessidade da creação de hum Conservatorio de Muzica na Capital do Império.100

Outro fator importante e que toma boa parte da argumentação é o local em que se deve construir a escola. O local escolhido foi a capital do império, onde, como já foi dito, ambicionava-se tornar a Corte o centro cultural para o resto do país, assim como o era Paris para a França. Levando ainda em consideração que a criação de um conservatório tornaria possível atender aos novos tempos de renovação musical que surgiam no Brasil, espelhando 100

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reformulações que a elite intelectual brasileira estava vivendo, com as novas propostas de civilização. A Capital do Imperio, Senhores, terá de ver bem depressa a épocha em que para a Capella Imperial não hajão os professores precizos, e que igualmente se não possa entreter o Theatro Nacional, se um Conservatorio não for immediatamente creado a fim de abrir mais uma carreira á nossa mocidade talentosa de ambos os sexos, e promover assim a moralidade publica, hum Conservatório onde se possão aproveitar as excellentes disposições dos brazileiros, e onde se fação óptimos artistas que vão enriquecer o Theatro mesmo como Cantores, visto que estes só podem vir da Europa por immensos sacrifícios: se pois hum Conservatorio não vier como ancora das Artes no Brazil, abrilhantar o Culto, e illuminar o Theatro, qual será o nosso estado relativo à Muzica quando mais alguns annos forem passados? A Sociedade Muzical já impedio, Senhores, a ruína total da Muzica, e apezar de seus esforços não póde de maneira alguma fazella progredir sem o Vosso auxilio. 101

A esta altura, podemos perceber também que a Capela Imperial, além dos serviços de música que eram necessários às cerimônias religiosas, também servia como uma “escola” preparatória no ofício musical, ligado ainda à velha forma de regulamentação profissional, onde o aprendiz se formava durante a atuação já profissional, e foi o caso de vários signatários desse pedido, como alunos do padre José Maurício. Francisco Manoel foi iniciado por ele nos estudos musicais e logo foi incorporado aos 14 anos no coro da Capela Imperial atando junto com os outros professores de música, e não foi esse o único caso. Francisco da Luz Pinto também esteve sob a proteção de José Maurício assim como Francisco da Motta, entre outros que não assinaram esse documento, mas que caracterizam uma forma de transmissão e regulamentação do trabalho pelo qual passou a maior parte dos músicos do início do oitocentos. O papel da Capela se expande quando verificamos que os músicos tinham nessa instituição um dos poucos lugares onde ainda podiam fazer grandes trabalhos, tanto em termo de composição como também de execução, lembrando dos áureos tempos (e considerando que quem falava, o fazia com a memória) de D. João VI e dos primeiros anos do Primeiro Reinado. Quando dizem que receberam apoio até 1831, estão se referindo ao fato de que após essa data a orquestra e o coro da capela foram reduzidos, e se continuasse dessa forma chegaria à extinção, como podemos perceber logo a seguir.

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A missão de conservar está realizada, mas esta não pode durar, se a creação de nossos Artistas não vierem substituir aquelles que desaparecem para sempre. Desde meio seculo a Muzica tem sido o florão mais bello do Brazil, o seu mais brilhante ornato, e que athé mesmo o caracterizava e distinguia entre todas as Nações do nosso Mundo; já pela vocação e talento natural de seus filhos, já pela efficaz proteção que recebera sempre dos differentes governos athé 1831, e hoje caminha a passos rápidos para a decadencia, ou talvez para a sua total extincção, se a mão d’aquelles a quem foi commettido a direcção dos destinos públicos, a não suster e reanimar.

O texto foi bem escrito, bem estruturado, pois depois de relatarem os principais problemas fazem com que os leitores lembrem de que não estão tratando de qualquer assunto, mas de um elemento fundamental no projeto de construção do Estado, do sentimento de Nação e identidade de um país civilizado. A música era considerada uma das ferramentas capazes de conduzir ao aprimoramento moral, dotada da capacidade de transformar o homem rude em um ser afável e benigno, pois consegue guiar o homem a apreciar o belo, agindo dessa forma “a arte civilizadora” que se sobrepõe sobre todas as artes liberais. 102 E assim pode-se entender como a música é tratada nessa parte da sua utilização. Durante o século XIX as práticas musicais irão se expandir. Intensificam-se as apresentações nos teatros da cortes, ampliando os espaços de sociabilidade também para o ambiente privado dos salões. O processo de mudança pode ser percebido quando dizem que a utilidade da música é proporcionar “a mais innocente das distracções”; mesmo sendo uma distração ela é inocente, não pode causar problema para a ordem que se estava tentando construir, o que não deixa de ressaltar a ambigüidade do sentido destinado à música, ela aqui não é entendida como algo útil como vem sendo dito até esse momento, mas ajuda a explicar esse momento histórico em que passam as artes, tantos as plásticas quanto a música. Os abaixo assinados em nome da Sociedade Muzical, Augustos e Digníssimos Senhores, tem por necessario, recordar-vos toda a importancia da Arte da Muzica; sua influencia civilizadora, seus benefícios sobre os costumes, sua utilidade como a melhor e a mais innocente das distracções, a pompa e o lustre que ella presta às solennidades do Chistianismo, e o alto apreço que por taes motivos tem tido em todas as idades dos Governos de todas as Nações cultas; são considerações que não escapão á Vossa Sabedoria, a quem nada que do interessa o progresso, e a 102

Nos diversos compêndios de música publicados ao longo do século XIX, fica clara a idéia de que a música é um dos elementos importantes ao progresso da civilização, agindo como forma de domar o barbarismo que caracterizava os povos fora da Europa. Por exemplo: MACHADO, Rafael Coelho. ABC Musical. 6º edição, Rio de Janeiro, 1864.

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gloria do Paiz pode ser extranho, mas que reclamão com urgencia huma medida Legislativa que ponha termo à decadencia progressiva da Arte, e a faça surgir do abatimento em se vai sepultar-se.103

Logo em seguida, dizem o que querem para realizar um projeto tão importante e útil para o jovem país, que apesar de nascer a pouco possui muitos talentos a desenvolver: o auxilio pecuniário. Ressaltam ainda que não se trata apenas de um projeto individual, mas, de um desejo comum a homens ilustrados e patrióticos. E entre esses homens estão também, é claro, os músicos, que articulados com os dirigentes do país poderiam levar a civilização aos futuros jovens artistas. A concessão de duas Loterias annuaes, por espaço de oito annos, hé a graça que os abaixo assinados em nome da Sociedade Muzical vem solicitar desta Augusta Camara, como medida unica e efficaz, para a manutenção e progresso desse novo Templo das Muzas; não hé a especulação individual que move a Sociedade Muzical a emprehender esta grande tareja, mas sim o amor da Patria, e das Bellas Artes Augustos e Dignissimos Senhores Attendei á Magnitude do objecto, avaliai o ennobrecimento da Patria, concedei-nos este recurso para innaugurar-mos, e fazer-mos progredir este estabelecimento, não so de gloria para a Nação, como eterno monumento de Vossas Luzes e Patriotismo. 104

Ao final do texto é interessante perceber como os autores do documento utilizaram os dispositivos da memória para legitimar sua proposta. Tanto a nível coletivo, quando projetaram para o passado com a Capela e para o presente e futuro com o Teatro, como também individual, advertindo que serão eles, governantes, igualmente um dia lembrados. Relembrando a nota em que citamos Bourdieu, lembramo-nos também, de que se trata de um jogo. A disputa para os músicos, pela criação e manutenção de um espaço de trabalho e também de símbolos que distinguiriam sua posição social e para os governantes a guarda da memória (passado e futuro) musical nacional, inserindo-se no contexto do século XIX a busca de elementos culturais singulares locais e de um sentimento de pertencimento a uma nação civilizada. Esse documento é composto de duas partes distintas, o requerimento em si e mais duas páginas contento um organograma em que prevê as bases em que deve ser instalado o Conservatório - num total de seis artigos - em que previa desde as disciplinas, professores, 103 104

BN - Setor de Manuscritos C-0774,035. BN - Setor de Manuscritos C-0774,035. (Grifo Nosso).

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cargos administrativos, até a forma de sustento da instituição e também a formulação de um estatuto. Esse documento foi publicado em vários periódicos da cidade, incluindo o Almanak Laemmert, Jornal do Commércio, no O Brasil, na Gazeta Oficial do Império do Brasil. Apenas esse dado já nos mostra a articulação e as intenções do grupo que procurava realizar seu projeto: além de mandarem para a Câmara ainda buscavam angariar a adesão de amplos setores da sociedade tornando público o pedido e veiculando a idéia de que o Conservatório seria uma organização eficiente no ensino musical. Após o pedido dar entrada na Assembléia Legislativa, o requerimento seguiu todos os passos comuns aos pedidos feitos ao governo. Foi encaminhado para a comissão de fazenda da assembléia em sessão de 23 de junho de 1841: “Vai á terceira commissão de fazenda uma representação de vários professores de musica desta côrte, em nome da sociedade Musical, sobre a instante necessidade da creação de um conservatorio de musica na capital do império”.105 Depois de quatro meses, em dois de novembro de 1841 a Assembléia se pronuncia a respeito do pedido: A Comissão de Fazenda examinou a resolução da Câmara dos Deputados, pela qual se concedem duas loterias anuais por espaço de oito anos, segundo plano adotado, para o fim de estabelecer-se nesta corte um conservatório de música, ficando o governo autorizado a exigir as garantias que as ditas loterias não tenham outra aplicação, etc. A comissão reconhece que a cultura das belas artes, e por conseguinte da música, é da maior utilidade, porque, sem dúvida alguma, muito contribui para o desenvolvimento da civilização dos povos, e porque é evidente que nenhum outro auxilio se lhe pode prestar atualmente, que não seja esse lembrado na resolução acima, auxilio que aliás o Senado tem dado a outras artes e outros objetos, é de parecer que a mesma resolução seja aprovada. Paço do Senado, 29 de outubro de 1841. – Vasconcellos.-Barão de Monte Alegre.Alves Branco.106

Este parecer aprova o projeto para passar pelas três discussões em plenário que eram necessárias à aprovação legal. O fruto desse processo foi que, o governo diante da proposta de criação de uma escola, aprovado em todas as instâncias, sancionou o decreto criando o Conservatório de Música na capital do Império. Por isso, o governo publica em 27 de novembro de 1841, o decreto 238, 105

Diários da Câmara dos Deputados. Sessão de 23 junho de 1841 p. 654. Disponível htttp//:www2.câmara.gov.Br/legislaçao/publicações.pesquisadiariosanais.html. 106 Anais do Senado, livro seis, sessão de 2 de novembro de 1841, p. 405. Disponível http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/anais.

em em

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que cria o Conservatório de Música. Curt Lange acredita que o fato desse Conservatório ser a primeira escola de música oficial no país, colocou o Brasil junto com o México e Chile como pioneiros na América Latina em tal empreendimento, conferindo-lhe um “status” que inexistia anteriormente.

107

O fato de ter uma escola pública e oficial deu maior projeção à música

produzida no Brasil já que esta iniciativa organizava o ensino musical no país, nos modernos moldes europeus, como vimos no inicio desse trabalho. O governo cria o Conservatório nos seguintes termos: Decreto número 238 – 27 de Novembro de 1841. Concede á Sociedade Musica desta Côrte duas Loterias annuaes por espaço de oito annos, para o fim de estabelecer nesta mesma Côrte hum Conservatório de Musica. Hei por bem, Sanccionar, e Mandar que se execute a Resolução seguinte da Assembléia Geral Legislativa. Art. 1 São concedidas á Sociedade de Musica desta Côrte duas Loterias annuaes, segundo o plano adoptado, por espaço de oito annos, para o fim de estabelecer nesta mesma Côrte hum Conservatorio de Musica. Art. 2 O governo he autorisado não só para exigir as convenientes garantias, a fim de que o producto destas Loterias tenha a devida applicação, como para formar, ouvida a mencionada Sociedade, as bases para o estabelecimento do dito Conservatorio. Candido José de Araújo Vianna, do Meu Conselho, Ministro e Secretario d’Estado dos Negocios do Imperio, assim o tenha entendido, e faça executar com os despachos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro em vinte sete de Novembro de mil oitocentos e quarenta e hum, vigesimo da Independência e do Imperio.108

O governo apenas concede as loterias mediante a possibilidade de fiscalização e a garantia de que o projeto proposto seja realizado, abrindo brechas para o controle da instituição pelo Estado. Nesse momento é muito difícil caracterizar se o Conservatório que estava sendo criado no Brasil era público ou privado. Na verdade, e apesar das exigências feitas pelo governo, o decreto não cria mais uma instituição pública mas garante de certa forma que as diretrizes sejam estabelecidas pelo governo, mesmo que a administração seja feita pela Sociedade Musical Beneficente. A estrutura e funcionamento da máquina do Estado foi alvo de discussão durante todo o segundo reinado e a criação e consolidação da hierarquia administrativa centralizada na corte foi um dos pontos fundamentais nos primeiros anos do segundo reinado. A distinção 107

CURT LANGE, F. A música erudita na regência e no império. In: HOLANDA, Sérgio Buarque. (org) História Geral da Civilização Brasileira. 6º ed. SP, Bertrand Brasil, 3º vol. Tomo II, p. 389. 108 Coleção das leis do Império. Disponível em www.camara.br/internet/infodoc/conteudo/coleçoes/legislaçao. Acesso em 27-10-05.

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crescente entre a coisa pública e privada teve momentos de solavanco que embaraçou a efetivação de determinadas ações. Assim pode-se entender que a criação do Conservatório dentro do sistema e subordinado à hierarquia do governo, mas com a governança da instituição garantida a um grupo em particular, não saiu do papel, a situação esboça-se a princípio ambígua e só irá se resolver completamente a longo prazo. A pesar de aprovada a concessão das loterias, nenhuma iniciativa foi tomada no sentido de fazer funcionar a nova instituição. O projeto foi abandonado por um período de cinco anos, desde 1841 até 23 de setembro de 1846 quando a Sociedade Musical, através de seu presidente, Francisco Manoel da Silva, procura novamente o Estado com um novo pedido, desta vez direto ao Imperador D. Pedro II, em que solicita a sua aprovação para que o decreto de novembro de 1841 seja levado a efeito, e em anexo envia uma cópia do decreto que criou o Conservatório em 1841 e um novo plano de organização feito pelo diretor da Sociedade de Música apresentando as condições necessárias para a fundação da instituição. 109 O Imperador envia o documento para ser analisado pelo Conselho de Estado. Na verdade essa questão não seria avaliada pelo Conselho pleno, mas pela Sessão dos Negócios do Império do Conselho de Estado. Esta consulta ao Conselho de Estado pode ajudar melhor a situar o lugar desse tipo de projeto no final da década de 1840 e início de 1850. Era função do Conselho de Estado avaliar questões solicitadas pelo Imperador, pelo executivo e outras instancias administrativas via Ministério dos Negócios do Império, mas principalmente era a instância de consulta do poder moderador.110 Assim sendo, entende-se que a questão chegou a D. Pedro II que resolveu intervir no caso. Apesar da questão da instituição de um conservatório não ser um ponto de disputa política ou uma questão fundamental na estrutura do Estado, ou seja não ter maior importância, a questão foi discutida por uma instituição chave politicamente, entendida como a “cabeça do governo”. 111 Eram várias as questões que chegavam até os conselheiros, principalmente em primeira instância, nas diversas sessões. Os motivos das consultas geralmente diziam respeito a indefinições e omissões, sobre a necessidade de esclarecimento de funções e competências 109

AN - Fundo/Coleção: Conselho de Estado; IR: Conselho de Estado, Sessão Império, Instrução publica; Conservatório de Música; corte.. fl 6, cx. 509 pac. 3 doc. 40. 110 MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A Velha Arte de Governar: Um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889). Tese de doutorado apresentado ao programa de História Social da UFRJ/IFCS: Rio de Janeiro, 2005. 111 CARVALHO, 2003, Op. cit, p. 355-390.

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administrativas entre outros que também tinham como caraterística a organização geral das principais questões do governo e Estado.112 A forma como avaliavam cada caso é marcado por um pragmatismo geral, a preocupação era resolver a questão de forma condizente com a possibilidade real do país, contrastando com os discursos a respeito do modelo de civilização e progresso que deveria ser seguido. Estavam comprometidos, acima de tudo, com os interesses do Estado, dificultando a participação política de amplos setores da sociedade, propiciado em parte pela centralização.

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Dessa forma é que analisaram e conduziram a

questão da instalação do conservatório. Pontualmente, foram sugerindo a forma administrativa como deveria ser montada a instituição. Os pontos sugeridos pelos conselheiros Visconde de Monte-Alegre, Visconde de Olinda e Bernardo Pereira de Vasconcelos seguiram um eixo fundamental: criar condição para que o governo pudesse acompanhar a administração da instituição. Para isso a concessão das loterias e alguns pontos deveriam ser reformulados. Eles sugerem que a comissão diretora da escola fosse toda ela formada por membros da Sociedade Musical Beneficente, e que um dos membros seja escolhido pelo governo como diretor da instituição.114 O tesoureiro, segundo os conselheiros, deve ser de livre nomeação do governo que também deverá diligenciar a extração das loterias e a arrecadação e aplicação desse produto em fundos públicos e obrigado a prestar contas ao governo. O segundo ponto diz respeito à contratação dos professores. O conselho entende que assim que forem extraídas as loterias não se devem nomear os dois professores que estavam previstos logo que se instituísse o Conservatório, já que seus ordenados seriam pagos com o produto das loterias, a contratação imediata faria que não houvesse o acúmulo de renda. Assim só poderiam ser nomeados quando houvesse rendimento dos fundos aplicados no tesouro público. A terceira recomendação do Conselho dizia respeito a quais aulas deveriam ser formadas primeiro e onde deveriam funcionar. A sugestão, que já estava prevista nas bases elaboradas pela Sociedade Musical, foi criar,

112

MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A Velha Arte de Governar. O Conselho de Estado no Brasil Imperial. Revista Topoi. vol. 7 nº12. jan-jun, 2006. pp. 192. 113 CARVALHO, 2003, Op. cit, p. 380-383. 114 AN - Fundo/Coleção: Conselho de Estado; IR: Conselho de Estado, Sessão Império, Instrução publica; Conservatório de Música; corte. Parecer sobre loterias concedidas a formação de um Conservatório de Musica. nº 106 de 11 de dezembro de 1846. fl 3, cx. 509 pac. 3 doc. 40.

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Aulas que se devem crear, sejão de Música e Canto, huma para o sexo masculino, a qual pode ser posta talvez por ora, n’huma das Aulas da Academia das Belas-Artes; e outra para o sexo masculino, a qual revela que seja (para que possa produzir algum bom resultado, attentos os nossos costumes) aberta em lugar que inspirem confiança aos Paes que se quiserem aproveitar d’ella para suas filhas, e a Secção toma a liberdade de lembrar como local que tem essa condição o Collegio das Orfãs da Santa Casa.115

A primeira das três exigências do Conselho não foi seguida completamente, desde os primeiro momentos a comissão diretora do Conservatório - diretor, secretário e tesoureiro foi formada por membros da Sociedade Musical Beneficente. O segundo ponto também foi seguido parcialmente, porque quando houve a extração da primeira loteria uma das primeiras decisões foi contratar um professor para reger a aula de rudimentos de música para o sexo masculino. De qualquer forma, são estranhos os termos com que os conselheiros conduzem a questão: não se deve contratar professor mas se deve instituir as duas aulas já previstas para inicio imediato. A sugestão leva a crer que esses professores trabalhariam sem nomeação e sem ordenado até o produto das loterias começar a render. E por fim, o local das aulas, as duas indicações também não foram seguidas, a primeira aula do Conservatório só pôde funcionar em uma sala do Museu Nacional, e a aula para o sexo feminino demoraria alguns anos para ser instituída e em outro lugar. De qualquer forma, há que se prestar atenção ao cuidado que os conselheiros lembram a respeito do local das aulas para o sexo feminino, que antes de mais nada esteja atento aos costumes e seja um local que inspire confiança dos pais de famílias. De uma maneira geral, o parecer apenas ponderou sobre pontos muito específicos, não questionando sobre se deveria ou não criar a instituição. Nesse processo é que é dito que a Sociedade formulou as bases de funcionamento da instituição e que agora a apresenta para a apreciação do Imperador, é possível que algum problema tenha sido encontrado no primeiro plano elaborado em 1841 e nesse momento em que volta a discussão a respeito da construção de um Conservatório e todo o processo é refeito, utilizando outras instâncias. Então é apresentado um novo plano que guarda muitas semelhanças com o elaborado em 1841. Com certos ajustes entre o plano de 1841 e este apresentado em 1846 será adotado em 1847 um novo plano para fundar a instituição. Mas também existe uma diferença fundamental na elaboração do texto, o primeiro artigo de forma 115

AN - Fundo/Coleção: Conselho de Estado; IR: Conselho de Estado, Sessão Império, Instrução publica; Conservatório de Música; corte. Parecer sobre loterias concedidas a formação de um Conservatório de Musica. nº 106 de 11 de dezembro de 1846. fl 3, cx. 509 pac. 3 doc. 40.

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clara e sucinta diz que a instituição do Conservatório deveria ser da Sociedade Musical Beneficente e ao governo caberia apenas proteger a futura escola,116 nesse momento fica claro que não se buscava criar um Conservatório que fosse do Estado mas que apenas tivesse seu apoio e proteção, mas que logo seria deixado para trás esse caminho. A partir desse momento a questão foi resolvida rapidamente. Em dezembro a sessão dos Negócios do Império do Conselho de Estado dá seu parecer e em 21 de janeiro de 1847 o ministro Joaquim Marcelino de Brito emite o decreto nº 496 criando o Conservatório e estabelecendo as bases para o seu funcionamento imediato. No dia 13 de agosto de 1848, ocorreu a cerimônia oficial de inauguração do Conservatório. O evento foi concorrido e contou com discursos e música em um salão do Museu Nacional – onde as aulas deveriam acontecer a partir daquele momento. Dos discursos117 que inauguram oficialmente a instituição, apenas o do diretor da instituição é conhecido, o tesoureiro também pronunciou o seu discurso, em meios às diversas peças executadas, de compositores nacionais e estrangeiros. Praticamente todas as peças eram contemporâneas, com a exceção da música do padre José Maurício Nunes Garcia. O teor do discurso do diretor do Conservatório, Francisco Manoel da Silva, expõe algumas marcas muito peculiares do pensamento sobre a música, a educação musical e o seu tempo. Apesar de ser um texto escrito para ser apresentado em uma ocasião pública, formal e oficial, que contou inclusive com a presença de membros do governo, fornece meios de comparação com os discursos de inauguração de outro Conservatório – o do México118apontando os elementos comuns e as peculiaridades. Era consenso o papel da música, a esse respeito vários escritos foram produzidos para ressaltar, antes de mais nada, sua capacidade de afetar a sensibilidade do homem, o poder que a música possui de chegar ao coração do humano e modificá-lo sempre para melhor. Essa é a principal característica comum e geral, pelo menos com o que foi dito quando houve a inauguração do Conservatório do México, dentro das aspirações do romantismo. No discurso do Conservatório no Brasil a maior diferença reside no tamanho e estilo do texto e na idéia fixa do orador de que a arte musical é 116

Fundo/Coleção: Conselho de Estado Folha 8 cx. 509 pac. 3 doc. 40 Conselho de Estado, Sessão Império, Instrução publica; Conservatório de Música; corte. 117 Este discurso está transcrito na íntegra em ANDRADE, Ayres. Francisco Manoel da Silva e seu tempo 18081865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos. Rio de Janeiro: Secretaria de Educação e Cultura, 1967. 1 vol. e em DE PAOLA, Andrely Quintella e GONSALEZ, Helenita Bueno. Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro: História e Arquitetura. RJ: UFRJ, 1998. 118 CABALLERO, Agustín. Discurso inaugural del Conservatorio de Música de la Sociedad Filarmónica Mexicana. 1° de Julio de 1866. In: http://www.conservatorianos.com.mx/1documento.htm. Aceso em 10/2/2005.

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útil, mas não apenas no sentido anterior, aqui o elemento moral ganha maior destaque. O discurso do músico mexicano era consideravelmente menor e menos ornado, sem grandes momentos retóricos. O tempo gasto por Francisco Manoel foi muito maior, este relatou o percurso da escola, do momento em que o pedido foi acolhido até o dia da inauguração, e ainda, as aspirações que movimentaram o segmento social que se dedicou à música. No discurso, vemos ressurgir temas que foram comentados rapidamente no requerimento a Câmara, só que agora, trabalhados com mais vagar.

O texto foi muito bem redigido,

mostrando, que o autor possuía um arcabouço intelectual bem sedimentado. É com muita segurança que Francisco Manoel vai delineando ao longo de sua fala a obrigação que o país tinha de possuir uma escola de música, justificando essa necessidade com o argumento de que a música é imprescindível à vida do homem e, principalmente, à sociedade brasileira. O autor começa destacando que o momento é extremamente solene e que os membros da Sociedade de Música e todos os outros músicos que viviam na cidade do Rio de Janeiro estavam celebrando este grande acontecimento, ao se referir dessa forma, pode mascarar as possíveis divergências entre o grupo, mas considera, a “instalação de um estabelecimento de tanta magnitude e que tão útil se deve tornar ao País”.119 No primeiro parágrafo do discurso, o músico deixa claro que o evento foi prestigiado por todos os músicos da cidade, mostrando a crença de que um Conservatório de Música traria, para todos a marca distintiva da cultura e civilização européia, sem dizer é claro, que se criavam novas oportunidades de trabalho. Também os músicos e artistas da Corte acreditavam no poder do progresso e da civilização e realmente trabalharam para que esses elementos, que já se encontravam nas nações mais civilizadas, também fossem adotados e sentidos em seu país. A criação de um Conservatório de Música na capital do império, senhores, era uma necessidade há muito reclamada pelo progresso da nossa civilização. Foi como uma missão que os nossos antepassados nos quiseram legar a glória de desempenhar; é um dever sagrado que temos de cumprir e um serviço que a posteridade nos deve levar em conta(...)120

Como elemento de retórica a história é utilizada de duas formas, neste trecho do texto o autor se prolonga em diversas citações a respeito da experiência musical de outros países e 119 120

SILVA apud De PAOLA, 1998. p. 22. SILVA apud De PAOLA, 1998. p. 22.

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principalmente de outros tempos, argumentando que os principais povos civilizados cultivavam a música. Os músicos projetam na história sua legitimidade como agentes na construção da nova instituição, ao mesmo tempo em que a história ajuíza as suas atitudes e é também a testemunha. Ao se ligarem a um projeto modernizador, projeto civilizador desejado por amplos setores da sociedade oitocentista brasileira, existia um “espírito” público nesses homens que os faziam acreditar na noção de progresso e civilização. Dessa forma entende-se que existia uma via de “mão dupla”, que foi se estabelecendo entre a elite dirigente e os professores de música, como se identificaram para a Câmara. Pensar dessa forma implica em reconhecer que esses músicos não agiam unicamente para atender a vontade do Estado, visto nesse caso como um bloco homogêneo e completamente dominador, mas que pensavam e atuaram de acordo com a imagem que queriam para si, a representação que desejavam que fosse apropriada, a distinção que almejavam entre seus pares no Brasil e em outros países. Estamos em um momento distinto ao das crises institucionais que assolaram o país no período das regências, mas percebemos que os problemas gestados há alguns anos, articulados com as idéias a respeito de ordem e de educação, possibilitavam entender algumas referências feitas por Francisco Manoel a respeito da necessidade da escola e da música para a sociedade, quando diz: A música não é, pois, uma arte frívola, mas considerada sob o seu verdadeiro ponto de vista é uma ciência de suma importância, que, por modo mais sensível que qualquer outra, une o útil ao agradável, e bem dirigida muito pode influir na moral e nos bons costumes. Nenhuma arte, com efeito, desperta mais profundas emoções. A Bíblia rendeu homenagem ao seu poderio qualificando os cantores de profetas, e a antiguidade fabulosa proclamando que os acentos da harmonia domesticam feras e edificam cidades. 121

O texto aponta o que acreditavam ser a função da música para a sociedade brasileira oitocentista e por conseguinte as estratégias utilizadas pelo grupo, para concretizar o seu projeto, ressaltando o caráter domesticador que teria a música, reforçando os seus interesses aos do Estado. Ainda o fariam pela via religiosa, elemento fundamental da sociedade brasileira, dizendo que apesar de servir ao entretenimento esta não seria frívola, mas a música é tão útil que a bíblia lhe rendeu homenagem, ou que reconheceu seu caráter divino. 121

SILVA apud De PAOLA, 1998. p. 23.

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Continuando nessa linha diz Francisco Manoel que a música “Por que prodígio secreto, do Criador do Universo, consegue ela acalentar a dor, prestar melancólico lenitivo à tristeza, despertar coragem, dilatar as nossas faculdades, despertar enfim a humanidade de todos os vínculos terrestres e transportá-la às mais sublimes regiões?”122 Ao articular o universo laico ao religioso, o autor do texto procura legitimar suas idéias na tradição e em inovações trazidas pelas luzes. A música é o lenitivo da alma, mas também dilata as faculdades através da sua ciência, o que acaba por tornava um elemento indispensável para despertar nossa humanidade. A necessidade de ordem social é pujante, é percebida e desejada ainda nesse momento, em que estavam lutando com problemas estruturais na administração do Estado. Relembrando que o sentido de ordem nessa sociedade significava também o progresso material, que também foi trabalhado no discurso. Só que agora, nos abre uma oportunidade de compreender o que era enfim ter um Conservatório dentro do sistema de ensino do Império, e dentro da nova estrutura do ensino de música. O autor do discurso pondera que, até aquele momento, a música foi “como uma planta exótica e a sua vegetação unicamente devida á natureza dos brasileiros”, ele discorre sobre o processo pelo qual vem passando o ensino e a prática profissional do músico, argumentando como no requerimento de 1841, que após 1831 a música vem sofrendo com a decadência desencadeada pela falta de incentivo por parte do governo. Vejamos o trecho abaixo o autor explica o que é o ensino em um Conservatório: Se essa natural tendência houvesse sido cultivada, se recebesse uma educação uniforme e profissional, qual a dos Conservatórios, a que ponto teria ela remontado? Onde se remontou o padre José Mauricio García, de quem aqui vedes o busto, esse homem excepcional que, pela força do seu gênio, chegou a ombrear-se com as maiores notabilidades da Europa?123

Dessa forma entendemos enfim, em primeiro lugar que o Conservatório deveria proporcionar uma educação uniforme, o que acaba por tirar poder das Irmandades e demais instituições que porventura regulassem a prática e ensino musical, mostrando que mesmo que o sentido imediato de conservatório fosse abrir a todos indistintamente a prática e o ensino, o

122 123

SILVA apud De PAOLA, 1998. p. 23 SILVA apud De PAOLA, 1998. p. 25. grifo nosso.

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rumo que estavam querendo dar a instituição era o matiz de uma escola profissionalizante, atendendo assim antes a uma necessidade do que ao ideal desejado. Em segundo lugar, o curso tinha um caráter profissionalizante, significa mais um local de trabalho para esses músicos e a formação de profissionais que atendessem à expansão das possibilidades a sobreviver do ofício da música. Com isso, os projetos de músicos e governos se aproximam, uns querem trabalhar e outros prosperidade econômica para enfim conseguir a ordem tão desejada no Império. Rematando o pensamento, Francisco Manoel reitera o que foi dito acima: Este resumido esboço que vos apresento das disposições mais salientes das bases, dispensa-me de anotar com mais minuciosidade a sabedoria que presidiu à sua confecção, e a estabilidade que elas garantem a esta instituição, bastando dizer que o Conservatório, criado pela Sociedade de Música, acha-se nacionalizado pelo poderes supremos do Estado. 124

O que Francisco Manoel da Silva aspirava como modelo de educação musical era o que existia na França, isso quer dizer um ensino possibilitado pelo Estado em uma escola de caráter nacional, leigo e também profissionalizante, e lamenta que não tivéssemos antes um Conservatório, pois, a tendência natural do brasileiro às artes estaria muito mais evoluída. Retomando os comentários de Letícia Squeff a respeito das características dessa geração de intelectuais, o eixo de pensamento desses artistas girava em torno da construção simbólica do Estado e da identidade nacional brasileira, o conceito de civilização e progresso foi articulado ao “poder” da arte como ferramenta que poderia transformar o sonho em realidade para concretizar a missão de civilizar o Império do Brasil.

1.4 Construindo os parâmetros legais A instalação e regulamentação de mecanismos que garantissem o funcionamento do Estado brasileiro foram, muitas vezes, falhas. Fazer prevalecer o pensamento, e mesmo o já instituído por decisões oficiais, foi uma tarefa difícil em que os motivos se perdiam na teia da ineficiência, pouca vontade ou omissão. Há de se considerar, ao mesmo tempo, a sua eficiência em estruturar um modelo social que privilegiava o sentido de ordem e hierarquia do segmento abastado da sociedade e da elite que governava o país, lembrando que, para 124

SILVA apud De PAOLA, 1998. p. 28.

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acontecer tanto a omissão quanto a interferência, é necessária a legitimidade dos agentes envolvidos. Assim como a educação passou a fazer parte das preocupações do Estado,125 o processo para a regulamentação da educação artística e profissional do artista e do artesão também já vinha tomando novos contornos desde meados dos anos trinta do século XIX com a criação da Sociedade Musical Beneficente que, no início da década de 1840, defendia a idéia de criação de uma escola de música que entre seus objetivos tinha o de “abrir mais uma carreira á nossa mocidade”.126 Segundo Edmundo Campos Coelho127 situar o papel do Estado nesse processo é inútil, porque no seu entender não há uma resposta, ou apenas uma direção, mas como foi dito acima, esse estado “era forte ou fraco, patrimonial ou burocrático, laissez-fairiano, ou intervencionista.”128 De forma geral, não houve um direcionamento intervencionista para regular qualquer uma das profissões que se formaram durante o século XIX no Brasil, mesmo as três estudadas pelo autor. Também não se pode dizer que não tenha ocorrido em certos momentos uma certa ingerência, mas não houve um projeto destinado a esse fim mesmo em outros setores ocupacionais. No caso dos músicos, a trajetória não deixou de se mostrar ambígua, começando pela reformulação das bases em que se dava a formação de nova mão de obra. O Conservatório não era um local especifico para a formação de músicos mas também podia formar profissionais, dessa forma pode-se considerar que a presença do Estado, ou melhor do governo se desse através das ações que instituições educacionais vinculadas ao poder oficial que em diversos níveis procurou imprimir seus objetivos. No caso do Conservatório do Rio de Janeiro a profissionalização ganhou certo relevo. A de se notar que a Sociedade Musical Beneficente esteve por trás de todos os esforços que criaram o Conservatório, poderia se considerar que a capacidade associativa ressaltada por Edmundo Coelho de certa forma estava estabelecida entre os principais músicos profissionais da cidade, e foi essa associação que funcionou concomitantemente com as diversas instituições ao longo do século XIX.

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Assim como passou a ocorrer uma prática intervencionista tanto na medicina, na advocacia e na engenharia no que concerne a sua regulamentação da profissional. Ver. COELHO. 1999 Op. cit. 126 BN - Setor de Manuscritos C-0774,035. 127 COELHO. 1999, Op. cit.p. 33. 128 COELHO. 1999, Op. cit.p. 33

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Nosso objetivo, neste momento, é ressaltar as diferenças entre as bases de 1841 e 1847, apontando as discrepâncias, até sutis, que subjazem os textos. Nos dois documentos foram fixadas as normas em que deveria funcionar a instituição, mas, o decreto de 1847 detalha com mais cuidado os passos que irão guiar o estabelecimento e o desenvolvimento da escola, ainda em vias de se tornar realidade. O texto que propôs a criação do Conservatório de Música trouxe em anexo um plano que aponta como e quando a escola deve se desenvolver. Essa é a primeira diferença entre os dois momentos e mostra a forma como o governo passa a interferir na construção da instituição, a dificuldade de efetivar o que havia sido estabelecido em 1841 pode explicar o maior detalhamento no plano de bases adotado em 1847, e a expansão da ação pública burocratizando cada vez mais certos setores que recorriam ao governo solicitando proteção. O artigo 1º do decreto de 1847 definia os dois objetivos principais que o conservatório deveria alcançar: o primeiro era a instrução na arte da música para pessoas de ambos os sexos e o segundo formar artistas “que possão satisfazer ás exigencias do Culto, e do Theatro”.129 Assim a instituição deveria atender a dois públicos distintos – amantes da música e músicos profissionais - mas que estavam simetricamente ligados, vê-se nesse ponto a matriz do conceito de Conservatório, a de fornecer acesso à música a quem a ela quisesse se dedicar, por isso a instrução na arte da música para pessoas de ambos os sexos parece estar destinada aos amadores ou mesmo os diletantes, que não tinham pretensões profissionais nessa arte e acolhia principalmente mulheres, que utilizavam o conhecimento musical em saraus e festas privadas. O segundo grupo propunha claramente a formação de profissionais atendendo a um mercado interno que crescia e no qual existia um déficit de profissionais da música que vinha ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro desde pelo menos a década de 1830, com suas atividades voltadas principalmente para suprir as necessidades da Capela Imperial e dos teatros da cidade.130 Em 1841, o primeiro artigo previa a criação do Conservatório para atrair pessoas de ambos os sexos que tivessem disposição e talento para formar artistas para “satisfazer as

129

Decreto 496, idem. P. 11 Agradeço as observações do Prof. Dr. André Cardoso na qualificação deste trabalho, no qual chamou a atenção para a falta de profissionais para atuar especificamente na Capela Imperial quando esta foi reorganizada em 1842. 130

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exigencias do Culto, e as necessidades de Theatro e aos encantos da cena Italiana”131. Na formulação do texto nesse momento, não havia distinção explicita entre grupos a serem atendidos pela escola, os objetivos estavam mais assentados para a formação de um grupo profissional da música do que atender a um público que o faça pelo gosto das belas artes. Havia também uma ênfase na cena italiana o que mostra que, no início da década de 40, a ópera italiana ainda predominava. 132 De 1814 até 1824 houve na cidade do Rio de Janeiro cerca de 39 apresentações de óperas

133

. Das obras apresentadas, 33 eram de compositores italianos. Entre as outras estava Il

Segreto do compositor alemão Johannes Simon Mayer que estudou em Veneza, estabelecendo-se como um dos principais nomes da ópera italiana,

134

L’oro nom compra

amores e La Vestale do português Marcos Portugal, que compunha sob a influência direta da ópera italiana, e Mozart, que também conhecia bem e empregava alguns elementos do estilo italiano, que teve encenado nesse momento a ópera Don Giovanni. A partir do ano de 1824 a representação de ópera completa cessa, passando a haver apenas algumas apresentações de trechos de óperas nos intervalos das cenas dramáticas.135 Mesmo com o esvaziamento da representação de óperas, a sua influência continua forte. Em meados da década de 30, Araújo Porto Alegre publica na revista Nitheroy um artigo que mostrava a situação da música no Brasil. Em certa altura o autor pondera que: O caráter da Música Fluminense participa do Mineiro e do Italiano. Um Teatro de canto, e dos mais belos que se podem ver; uma Capela Real, cheia dos melhores cantores da Itália, como Fasciottis, Tanis, Majoraninis e outros que reproduzem as mais belas composições da Europa tanto no santuário como no teatro, não podia deixar de influir uma grande abalada no gosto musical.136 131

BN -Setor de Manuscritos C-0774,035. Baptista Siqueira e Andrely de Paola citam esse documento sem a parte referente à cena italiana, substituída por cena dramática. Não utilizam o documento enviado a Assembléia Geral Legislativa, contudo o que foi publicado no Jornal do Commércio do dia 30 de junho de 1841 apesar de ter sido levado à público na íntegra os autores dos dois trabalhos sobre o Conservatório subtraem ou mudam todos os artigos por palavras que parecem sinônimos mas não são, o outro exemplo ainda no primeiro artigo, houve a troca de “as necessidades do Theatro” por “necessidades de tocar”. No Almanak Laemmert também foram publicadas as bases com texto completo no de 1848 p. 11. 132 A ópera foi um gênero italiano que conseguiu durante os séculos XVIII e XIX no mundo ocidental um sucesso ímpar, foi sinônimo do que existia de melhor. CARDOSO, 2006. Op. cit, p. 141. 133 Número estabelecido a partir das referências coletadas por Ayres de Andrade, op. Cit. 134 SADIE, Stanley (org). Dicionário Grove de Música: edição concisa. Tradução Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed. 1994. p. 587. 135 ANDRADE, 1967. Op. cit, v. 1, p.125. 136 PORTO ALEGRE, Manoel de Araújo. Idéias sobre a música. Niteroy. Paris, 1836. Apud GIRON, Luis Antônio. Minoridade Critica: a ópera e o teatro nos folhetins da corte 1826-1861.São Paulo: editora da USP; Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 242.

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Doze anos mais tarde, Porto Alegre, que se dedicou a pensar sobre o caráter da música em vários momentos de sua trajetória, publicou no periódico Íris, outro artigo em que pretende avaliar a penetração da música profana na religiosa. Segundo o autor “Tínhamos nas grandes festas missa do Barbeiro, da Pega ladra, de Areliano, da Cenerentola, e da Italiana em Argel: vieram solos profanos, os concertos de variações, todos os delírios de uma estulta reforma, até que a música chegou ao extremo de confusão: o templo era o theatro, e o theatro era o templo”137 Por isso não é de se estranhar que, em 1841, tenham especificado que um dos objetivos do Conservatório seria de prover a cidade de músicos para a cena italiana, ainda tão cara. Em 1847, o momento era diferente e o texto do decreto reeditado acompanha a temporalidade. Verifica-se nesse período a ampliação e diversificação do mercado editorial de partituras, que permitiu o acesso às músicas por um público amador e aumentou a necessidade de pessoas que conhecessem a escrita musical para realizar as edições e a impressão de música tanto erudita quanto popular. Os elementos propulsores podem ter sido a liberdade de imprensa e o capital financeiro disponível para os fornecedores de música, que puderam investir em gráficas e matérias-primas.

138

Somente na cidade do Rio de Janeiro podemos

encontrar, em 1844, cerca de sete professores de música e seis lojas de instrumentos de musica139. Em 1845 aumenta para dez o número de lojas de instrumentos de música. Mesmo que a década de 1840 aponte para uma queda nos investimentos do governo com Educação e Cultura,

140

ainda assim foram criadas algumas instituições importantes

mantenedoras da ordem política e social que acabariam por propiciar “estabilidade”. A década começa com o golpe da maioridade e a sagração do novo Imperador, o início do segundo reinado, e a volta do Conselho de Estado em 1841. Em 1848 inicia a fase dos conservadores

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PORTO-ALEGRE, Manoel de Araújo. A Música Sagrada. In: Periódico Íris, RJ, ano 1, n. 1, p. 47, fev/1848. LEME, Mônica. Mercado editorial e música impressa no Rio de Janeiro (século XIX) – modinhas e lundus para “iaiás”e trovadores de esquina”. In: I Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial. 8 - 11 de novembro de 2004, Rio de Janeiro. FCRB; UFF/PPGCOM; UFF/LIHED. 139 Uma delas é o estabelecimento de F. Schmidt, que se anuncia da seguinte forma: Cômicas Schmidt, tem grande sortimento de pianos de diversas qualidades, instrumentos para bandas militares e para a orchestra, cordas, musica moderna e todos os mais artigos pertencentes a esta arte; também aluga, concerta e afina pianos, rua dos Ourives, 43. Almanak Laemmert, ano 1844. p. 232. 140 CARVALHO, 2003. Op. cit, p. 432. 138

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no governo o que garante certa tranqüilidade para a concretização de vários projetos que teimavam em não acontecer. 141 O entendimento para a reedição do decreto em conseqüência da sua não efetivação em 1841 passa por dificuldades que vão além da ação de um grupo ou indivíduo. Como disse José Murilo de Carvalho “Tanto as idéias e valores que predominavam entre a elite, como as instituições implantadas por esta mesma elite mantinham relação tensa de ajuste com a realidade social do país (...)”142 por isso há de se considerar os objetivos da instituição, seu momento de elaboração e posteriormente as condições para a sua concretização. A segunda diferença entre os dois documentos diz respeito ao lugar que a Sociedade Musical Beneficente ocupará na estruturação da nova instituição. Ainda no primeiro artigo das bases de 1841, se estabelece que é a dita sociedade quem deve fundar o Conservatório, criar um estatuto para a instituição, dar auxilio, às custas do Conservatório, a pessoas que tenham talento para a música inclusive “viajar aquelles de seus alunnos que mais se distinguirem, e derem esperanças de satisfazer os fins do Estabelecimento”143, e, por fim, indicar os professores. No último item, a Sociedade reconhece que poderá ser necessário nomear professores estrangeiros, até mesmo importando mestres da Europa. É grande o papel da Sociedade Musical, por vezes fica difícil saber se o Conservatório deverá ser administrado por ela ou pelo governo, o que ficou estabelecido foi que membros da Sociedade, exclusivamente associados, deveriam compor o quadro administrativo da nova instituição, o que difere pouco da própria associação ser a responsável pela administração, a rigor a nomeação pelo ministério do império transformaria esse membro da Sociedade em membro do governo. A composição das bases que foram apresentadas em 1841 norteou-se pela ênfase na administração. São objetivos que se manteriam em parte em 1847 porque o foco ficou apenas no culto e no teatro afastando-se a necessidade de formar artistas para atuar em óperas italianas. No plano de base de 1847 o papel da Sociedade Musical continua sendo o de fundar a escola, indicar professores, mas, desta vez dependendo da aprovação do governo para serem posteriormente nomeados pelo Ministro e Secretário dos Negócios do Império. A Sociedade deveria também indicar os vencimentos dos professores, do diretor, tesoureiro e o secretário, 141

IGLESIAS, Francisco. Vida Política: 1848-1868. In: HOLANDA, Sergio Buarque. (org) O Brasil Monárquico: reações e transações. 5º edição.São Paulo; Difel. Tomo II, 3º vol., 1985. 142 CARVALHO, 2003. Op. cit, p. 417. 143 Jornal do Commércio, 23/06/1841.

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de novo para serem aprovados pelo governo. Assim, esse plano permite uma margem de manobra importante por parte dos membros da Sociedade Musical, na medida em podem indicar o quadro docente e administrativo, indicar honorários e criar os estatutos que iram dar o tom dos trabalhos da instituição, mesmo que financeiramente dependam totalmente do governo. A escolha da linha pedagógica, também é de inteira responsabilidade dos membros da Sociedade Musical Beneficente. No segundo artigo do decreto de 1847 foram estipuladas as aulas que deveriam compor o quadro da escola. A primeira seria a de Rudimentos, Preparatórios e Solfejos; a segunda a de Canto para o sexo masculino; a terceira de rudimentos e canto para o sexo feminino; a quarta de instrumentos de corda, a quinta de instrumentos de sopro e a sexta e última a de harmonia e composição.144 O modelo curricular de 1847 se baseava na indicação das matérias do curso e não na indicação de professores, como havia sido proposto em 1841. A elaboração da grade curricular estava de acordo com a função e objetivo que o Conservatório deveria exercer. A escolha por separar a teoria da prática no instrumento mostra que existe uma nova orientação na educação da música. Foi estabelecida uma cadeira para o ensino específico de teoria musical, ao contrário da prática antiga onde o ensino era conjunto ou de “caráter mais prático que especulativo”.145. A idéia de instituir aulas e não indicar professores sugere um distanciamento da antiga prática onde o aprendiz estava ligado diretamente a um mestre e não a uma instituição onde haveria um professor para cada disciplina e com isso um programa de ensino comum a todos os alunos. Entre outros elementos, ocorre o esfacelamento do laço que ligava cada aluno a seu mestre.146 Esse processo está intrinsecamente ligado a uma sistematização do conhecimento ocorrido na Europa moderna com o estabelecimento ou a reorganização de antigas instituições que se tornaram detentoras do monopólio da educação superior, colocando “a invenção e estabelecimento de novas disciplinas (...) como parte de uma reclassificação posterior do conhecimento”.147

144

Decreto 496, idem. P. 11. BINDER, F. CASTAGNA, P. Teoria Musical no Brasil: 1734-1854. Revista eletrônica de musicologia. Dez de 1996 vol. 1.2/ . Disponível http://www.humanas.ufpr.br/rem/remv1.2/vol1.2/teoria.html. 146 Segundo Laura Rónai, no século XVIII, “a maneira de estudar, propriamente dita, pertence exatamente à seara do mestre”. RÓNAI, Laura. Em busca de um mundo perdido: métodos de flauta do Barroco ao século XX. Tese de Doutorado em Música/ Centro de Letras e Artes/Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. p. 60 147 BURKE, Peter. Uma História Social do Conhecimento: de Gutenberg a Diderot. tra. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 40. 145

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Ficou estabelecido no artigo quinto do decreto de 1847, que a primeira aula a ser criada deveria ser a de Rudimentos, Preparatórios e Solfejo devendo o professor que fosse nomeado para essa função acumular também a cadeira de canto para o sexo masculino, enquanto não houvesse outro para preencher a função. Mesmo que esse professor devesse prover as duas disciplinas, elas foram concebidas para serem ensinadas em separado. Rudimentos, Preparatório e Solfejo são áreas dentro do ensino musical eminentemente teóricas. Assim como harmonia e composição, não há a prática de nenhum instrumento. Aliás, as disciplinas escolhidas para compor a base do ensino de música do Conservatório mostra que o ensino estava circunscrito apenas ao treinamento técnico, fundamentado apenas na técnica musical em si, declinando de disciplinas de caráter mais humanista, essa característica pode ser considerada ainda a continuação de uma tradição em que baseava-se a transmissão do conhecimento musical, voltado mais para a prática do que para a especulação e disciplinas que não habilitavam o indivíduo no seu instrumento nem foram pensadas no Conservatório. Aumentado o foco de observação e estabelecendo uma comparação com o Conservatório de Música de Lisboa, é possível verificar uma semelhança na forma de conceber a formação do músico, porém com uma diferença: a estrutura pensada para o Conservatório de Lisboa era maior e mais diversificada. Entre as disciplinas a serem ministradas quando esta instituição foi inaugurada encontramos as de Preparatórios e Rudimentos; Instrumentos de Latão; Instrumentos de Palheta; Instrumentos de Arco; Orquestra e Canto.148 No caso específico do Conservatório de Música de Lisboa, aconteceu algo parecido com o do Brasil, foi feito um plano para a construção de um Conservatório, mas tardou a sair do papel. Contudo, no plano elaborado por João Domingos Bomtempo havia ainda a previsão de começar a escola com um “diretor, dois professores de Rudimentos, Solfejo e Acompanhamento de Órgão e Piano-forte, um professor de Piano-forte, dois de canto, dois de Violino, um de Violeta, um de Rabecão Pequeno e um de Rabecão Grande, um de Oboé, um de Clarinete, um de Flauta, um de Fagote, um de Trompa, um de Língua Italiana e um de Língua Latina, um professor de declamação além de um secretário, um afinador, uma regente para acompanhamento das lições das alunas, um porteiro e um moço”.149 Inaugurada com as disciplinas básicas acima descritas, contudo o que nos interessa verificar é que o plano 148

FUENTE, Maria José de la. João Domingos Bomtempo e o Conservatório de Lisboa. In: ALVARENGA, João Pedro (org) João Domingos Bomtempo – 1775-1842. Lisboa: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 1993. p. 17. 149 Idem, Ibidem, p. 16.

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elaborado pelo músico português continha uma preocupação maior em formar um instrumentista ou cantor que fosse além do ensino técnico que caracterizou a estrutura de ensino do modelo conservatório no Brasil. Como o Conservatório do Rio de Janeiro um dos objetivos do Conservatório de Lisboa era formar músicos para “o culto divino mas também para o entretenimento dos teatros”150 o ensino da língua italiana atendia a uma necessidade básica, pois era a ópera italiana a grande vedete do século XIX, fazendo escola em vários países incluindo Alemanha e França; e o estudo do latim supria a necessidade do texto nas composições sacras, ainda muito importante no século XIX. No caso do México também encontramos uma ampliação das disciplinas ministradas quando esta começou suas atividades, agora com ênfase maior na formação humanista do aluno, tornando o futuro profissional da música em um indivíduo que não apenas fosse um técnico em seu instrumento. Al momento de comenzar sus actividades académicas, el Conservatorio contaba con una planta docente integrada por catorce maestros, a cuyo cargo estaba la enseñanza de instrumentos diversos como piano, cordófonos de arco y algunos aerófonos, canto, además de materias básicas como solfeo, armonía, composición, estética, historia del arte, historia de la música, acústica, anatomía e idiomas.151

Assim como o Conservatório de Lisboa, mesmo que não tenha conseguido contratar todos os profissionais imediatamente, a escola de México contava com quatorze profissionais que atendiam as diversas disciplinas, o contrário do que foi pensado inicialmente para o Conservatório do Brasil, que entre professores e funcionários contava com apenas nove, sendo que o professor de Rudimentos também acumulou a cadeira de canto para o sexo feminino. Talvez por isso, o Conservatório de México tenha recebido em três anos de funcionamento cerca de 800 alunos nas mais diversas disciplinas152 considerando que esta instituição pode ser a que mais se aproximou do que foi instituído pelo Conservatório de Paris que contava entre as disciplinas teóricas como: composição (orquestração e estudos sobre forma); contraponto e fuga; harmonia; acompanhamento; improvisação (órgão); solfejo 150

Idem, Ibidem p. 15. FABILA, Betty Luisa Zanolli. El Conservatorio Nacional de Música de México. In: Conseratorianos, México, Enero-Febrero, 2000. Disponível em http://www.conservatorianos.com.mx/1zanolli.htm. Acessado em 15/01/2006. p. 2. 152 Idem, Ibidem. p. 2

151

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(teoria e ditado)”; e em disciplinas de caráter prático o canto; conjunto vocal; declamação dramática; declamação lírica; ópera e ópera cômica; piano; órgão; harpa; todos os instrumentos da orquestra clássica; trombone, corneta e pistão. Ainda tinham disciplinas que podemos considerar como “auxiliares” como “História da música; história e literatura dramática; música de câmara e prática de orquestra; postura cênica, dança e esgrima e para terminar direito teatral.” 153 Fenômeno que o Conservatório de Rio de Janeiro demorará muito a ver, tanto em número de alunos quando de variedade de aulas. Portanto, dos três casos descritos encontramos: “En términos generales, la capacitación básica ofrecida por los conservatorios hasta la actualidad incluyen: el solfeo (leido y entonado), en distintas claves, tonalidades, ritmos, etc, e la comprensión de los sigonos e indicaciones escritas referidas a materiales, articulaciones, etc. (...)”154

Apesar da flagrante falta de apoio governamental para o Conservatório, da possível falta de capacitação que fosse além da formação técnica básica na elaboração da grade curricular e principalmente dos poucos professores na instituição, cada um com uma família inteira de instrumentos, esse fato não pode ser entendido apenas como sendo o sintoma da precariedade do sistema que se estava tentando montar. Há também a continuidade de elementos da prática musical antiga, que ainda permaneciam tanto em Portugal como no Brasil. Quando escolheram um professor para ensinar vários instrumentos, como foi dito nas bases entregues à Assembléia Legislativa, demonstram também que, como nas antigas práticas no ensino da música, ainda não havia sido enraizada a idéia de especialização por instrumento. A simples idéia de que um professor possa ensinar vários instrumentos, já na metade do século XIX, indica que a esperada ruptura das antigas formas associativas e pedagógicas teve que conviver com permanências. Mesmo considerando que o que foi previsto o foi por uma questão de contingência, pela falta de profissionais ou pela falta de recursos financeiros, não elimina a evidência de que ainda prevalecia e, mais ainda, que não havia problema, que uma pessoa soubesse vários instrumentos. Retornando ao que já foi indicado, é nesse momento que vemos desaparecer o que Laura Rónai chamou de “o músico

153

GAINZA, Violeta Hemsy. La Educación Musical Superior en Latinoamérica y Europa latina durante el siglo XX: realidad y perspectivas. Apud LAVIGNAC, Albert. La educación musical. Buenos Aires: Ricordi Americana, 1950. 154 Idem, Ibidem.

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barroco – aquele artista que tocava flauta, e também oboé, fagote ou flauta doce, que quase sempre compunha com razoável habilidade, vai dando lugar ao especialista”.155 Ao longo ao século XIX essa especialização leva de forma inexorável a uma hierarquização dentro do mundo da música, ao cabo desse século e início do novecentos “o compositor apenas compõe156, o regente rege, e o intérprete157 deve ser um virtuose de seu instrumento e dificilmente irá dominar qualquer outro instrumento”.158 Essas considerações nos lembram a literatura produzida a respeito de Francisco Manuel da Silva. Quando este ocupou a vaga de timbaleiro na Capela Imperial em 1823159 Ayres de Andrade entendeu que “Embora o lugar de timbaleiro não recomendasse de modo especial o seu ocupante, pois na hierarquia da orquestra representava o mais baixo escalão”.160 Sacramento Blake aponta que a troca de um instrumento para outro no presente caso, se deu, por responsabilidade de Marcos Portugal que era o diretor de música da Real Câmara e “que já lhe conhecia o talento e no intuito de molesta-lo e não deixar-lhe tempo para compor, o passou de violoncelo, que era, para o violino, ameaçando-o de por na rua se não estudasse assiduamente!”161 Parece que o autor não considerou a hipótese de que um músico deveria estar apto a tocar em qualquer lugar que lhe fosse destinado. Francisco Manoel ainda atuou na Capela Imperial como cantor, segundo violoncelista, violinista e timbaleiro. 162 O terceiro, quarto e o quinto artigos diziam respeito às despesas e como a instituição deveria ser mantida e desenvolvida. Foi previsto que a manutenção da escola deveria ser realizada por meio de loterias. O terceiro artigo diz que além das aulas mencionadas no artigo anterior, à medida que se for extraindo as loterias, elas devem ser aplicadas imediatamente em 155

RÓNAI, 2003. Op. cit, p 65. É claro que temos raras exceções, um deles é Franz Liszt, Igor Stravinsky que também era intérprete, Sergey Rachmaninov. No Brasil Villa Lobos compunha e regia, além de se dedicar a um projeto de educação musical o curso de Canto orfeônico empreendido na década de 1930. 157 A respeito de intérprete Igor Stravinsky faz uma distinção entre o intérprete e o executante. Para o autor um interprete é um executante mas não é verdadeiro o inverso, executar significa que o instrumentista deve realizar um “desejo explicito” no caso do compositor, simplesmente executar determinada música. Já para ser interprete é exigido “além da perfeição de sua transposição sonora, um amoroso cuidado” que está além do que está estritamente escrito. STRAVINSKY, Igor. Poética Musical. (em 6 lições). Tra. Luiz Paulo Horta; RJ: Jorge Zahar, 1996. p. 112-113.Ainda temos o interprete que é especialista em determinado compositor ou período, e o auge é quando o compositor interpreta sua própria música, o muitas vezes é considerado a versão verdadeira da peça. 158 RÓNAI, 2003. Op. cit, p 65. 159 Foi um cargo solicitado pelo músico, que ocupava desde a chegada da família real, o lugar de “soprano” em 1832. BN-Setor de Manuscritos C-728 documento 7. 160 ANDRADE, 1967. Op. cit, vol. 1 p. 58. 161 BLAKE, Sacramento. Dicionário Bibliográfico Brazileiro. 3º v. 1895. pg. 37-38. 162 BN-Setor de Manuscritos pasta C-728 156

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apólices da divida pública que com os juros é que se deve pagar todas as despesas do estabelecimento. No quinto artigo fica estabelecido que a primeira cadeira a ser criada, logo após a extração da primeira loteria, é a de Rudimentos, Preparatórios e Solfejos que deverá ser ministrada pelo professor que também acumular a cadeira de canto para o sexo masculino enquanto não for extraída a segunda loteria que deverá subvencionar um professor para rudimentos e canto para o sexo feminino. A escolha sobre a forma de subvenção do Conservatório de Música por meio de loteria foi do governo, que ao receber a solicitação da Sociedade Musical de loteria ou subvenção equivalente

163

, optou pelo primeiro meio

164

. A concessão de loteria é de inteira

responsabilidade de órgãos oficiais, sob o comando do ministério da fazenda foi criada a tesouraria das loterias em 1840, que executava a extração das loterias que eram concedidas pelo poder legislativo do império mas foi extinta após quatro meses

165

. Após um pedido

formal, tinha necessariamente que passar pela Assembléia Geral Legislativa, primeiro Câmara dos Deputados que envia para a sua comissão de fazenda e aprova a proposta para entrar em discussão a resolução, passa para o Senado e então vai para a sanção do imperador. Segundo artigo, com um tom oficial, do Jornal do Commercio do ano de 1841166 a administração do jogo sai das mãos de particulares para a ingerência direta do governo que segundo juízo do autor “garantia aos particulares aquillo que hum particular não podia fazer”.167 A natureza da discussão estava centrada, neste momento, sobre a legitimidade da administração e extração das loterias pelo governo, considerando que, caso não houvesse a venda de todos os bilhetes, a conta ficaria para a administração pública. A concessão de loterias foi prática administrativa muito utilizada, tanto na construção quanto manutenção de várias instituições pública, mas também empresas privadas durante todo o império. No mesmo dia em que se discutia no Senado a concessão de loterias à Sociedade Musical para a construção do Conservatório corria concomitantemente a da

163

Jornal do Commércio, 23/06/1841. Anais do Senado, livro seis, sessão de 2 de novembro de 1841, p. 405. Disponível em http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/anais. Acesso em 21-10-05. Transcrito no primeiro capítulo. 165 Jornal do Commércio, 3/4/1841. É publicado na primeira página o decreto nº 71 de 31 de março de 1841 que extingue a tesouraria das loterias criada em por decreto número 57 de 28 de novembro de 1840. 166 Este artigo veio claramente em resposta a um outro publicado no mesmo periódico em que “denunciava” que nem todos os bilhetes postos à venda em beneficio do Theatro de S. Pedro de Alcântara foram vendidos, fato que ocasionaria um prejuízo aos cofres públicos já que o governo é que deveria arcar com parte do prêmio. Jornal do Commércio, 31 de março de 1841. 167 Jornal do Commércio, 1/04//1841. p. 2. 164

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Irmandade de Nossa Senhora da Ajuda na Ilha do Governador.168 Eram extraídas loterias para a construção e reforma de igrejas, em benefícios dos vários teatros na cidade do Rio de Janeiro, para hospitais, empresas particulares. As loterias apesar de construir uma pequena parcela das rendas do governo

169

era a

forma de sustentação de uma parcela grande de instituições no Império, públicas ou particulares. Ao Conservatório de Música foi destinado esse tipo de subvenção que podia oscilar no montante final, já que dependia da venda de bilhetes, dos atrasos constantes em sua extração, devida principalmente à quantidade de loterias concedidas a diversas instituições da Corte e inclusive das províncias do Império que eram extraídas no município neutro. O que não se dava sem as necessárias manobras dos parlamentares que indicavam e acompanhavam nas várias instâncias a permissão para se conceder e extrair a subvenção, o que se pode perceber é que a concessão de loterias tornou-se uma importante moeda de troca política. Em 1847 houve no Senado170 discussões sobre concessões, como e onde as loterias deveriam se dar. Entre emendas a artigos, os senadores discutiam nesse momento, já em terceira discussão, a concessão de loterias a várias igrejas, ao Hospital de caridade do Recife e à Sociedade Amante da Instrução que estava localizada na corte. O Sr. Saturnino171 mandava à mesa uma emenda para ser instaurado artigo “1º da resolução sobre as loterias”. Começa a discussão pelo local em que devem ser corridas cada uma delas, e por sugestão do senador Sr. R. Torres

172

as loterias deveriam correr nas capitais das províncias, e também que até o fim

da extração das loterias que naquele momento estavam ainda em vigor não fosse concedida nenhuma outra. Essas sugestões estavam sujeitas a aprovação do artigo primeiro da resolução das loterias que estava tramitando no senado; toma a palavra o Sr. Senador Alencar173 e pede que se conceda uma loteria para o reparo da igreja matriz de Silveira. Volta a palavra para 168

Anais do Senado, livro seis, sessão de 2 de novembro de 1841, p. 405. Disponível em http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/anais/regra/edita.asp?Periodo=4&Ano=1841&Livro=6&Tipo=9&.p. 427 168 Decreto 496, idem. P. 12 169 As rendas governamentais provenham de três maneiras distintas, classificadas em “externas, internas e extraordinárias” esta última é onde estavam incluso as loterias, receitas eventuais, depósitos e etc. CARVALHO, 2003. O. cit. p.288 nota 11. 170 Anais do Senado, vol. 1, 1847, págs. 58-59. Disponível em http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/anais. Acesso em 21-10-05. 171 Saturnino de Souza e Oliveira Coutinho (1803-1848). 172 Joaquim José Rodrigues Torres, ministro no período regencial, senador durante o segundo reinado, nasceu no Rio de Janeiro, estudou em Coimbra e era professor. In: José Murilo, tese de doutorado. p. 526 173 José Martiniano de Alencar. Ministro no segundo reinado, nasceu no Ceará, estudou direito em São Paulo. José Murilo. Tese de doutorado. p. 529.

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Rodrigues Torres que diz que deseja instaurar uma emenda por sugestão do Sr. Vasconcellos “que tem por fim conceder duas loterias a um fabricante de sabão” volta Rodrigues Torres e pede para, se passar o art. 1º, conceda também duas loterias a Manoel José Valladares, denominado apenas como “um fabricante”, para que este aperfeiçoe a sua fábrica, dessa vez volta o senador Alencar e pede mais uma loteria, só que agora para outra igreja, a matriz do Engenho-Velho. O senador Clemente Pereira nesse momento faz um comentário interessante: Visto que estamos em tão bela ocasião para conceder loterias, vou também oferecer à consideração do Senado uma pretensão que me foi dirigida para eu a apresentar, e que eu ofereço no caso de ser aprovada a disposição do art. 1º Proponho que se concedam quatro loterias para a continuação da obra da freguesia de S. Clemente...174

Apesar de considerado um momento propício para a concessão de loterias, um dos parlamentares lembra que existiam obras que haviam sido iniciadas com o beneficio dessas loterias, mas que tiveram de ser interrompidas por falta de extração, mesmo assim o mesmo parlamentar pede na mesma ocasião a concessão de outra loteria. Para terminar, vejamos as considerações do Sr. Visconde de Abrantes, com relação à questão: “Bom será que saiam estas emendas impressas no jornal da casa, para se fazer idéia de todas essas loterias”.175 Essa discussão propicia verificar que o governo estava em 1847 distribuindo loterias a quem pudesse contar com uma “sugestão” de algum senador. Mesmo que não seja o único caminho para se conseguir o subsídio, porque temos no caso do Conservatório uma outra porta de entrada, o primeiro era muito eficiente. Outro fator de discussão e que acaba por determinar o sucesso de qualquer empreendimento que dependesse da extração da loteria, é se depois de concedido o subsídio este seria realmente extraído. A pista é dada pelos senhores senadores, dizem que apesar da quantidade176 grande de loterias concedidas cada vez o beneficio era concedido, mesmo que não houvesse garantias da extração dessas, como o caso relatado pelo senador Clemente 174

Anais do Senado, vol. 2, 1847, págs. 58-59. Disponível em http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/anais. Acesso em 21-10-05. 175 Anais do Senado, vol. 2, 1847, págs. 59. Disponível em http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/anais. Acesso em 21-10-05. 176 Não houve pesquisa específica para as loterias, por isso as conclusões estão ancoradas no artigo do Jornal do Commércio do ano de 1841 e nos anais do Senado para o ano de 1847. Então não temos o número exato de loterias concedidas e extraídas durantes esses dois anos em particular, o indicativo é que nesse período houve um crescimento, mas baseada na fala dos senadores.

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Pereira para continuação da obra da freguesia de S. Clemente porque, e novamente utilizo-me das palavras do Sr. Vasconcelos, “sendo apadrinhadas por pessoas influentes, o ministro manda-as extrair em primeiro lugar (...)”. 177. Seria então uma explicação para o fato de que as loterias concedidas ao Conservatório de Música em 1841 não terem sido extraídas até esse momento? O projeto dos músicos, ao que tudo indica, não tinha um padrinho influente como parecia ser necessário para que houvesse a ordem do ministro para extrair a loteria que lhe cabia, ficando então entregue as pressões que deveriam vir de fora do governo, e nesse caso a falta de articulação política é um indicativo importante. É possível encontrar no Almanak Laemmert a relação das loterias que foram extraídas anualmente na cidade do Rio de Janeiro, e com isso verificar a diversidade de estabelecimentos que foram agraciados com esse tipo de subsídio. Também foi possível constatar que eram concedidas loterias a estabelecimentos de todos os lugares do império, como foi o caso do hospital do Recife e os parlamentares sabiam que seria impossível extrair todas as loterias concedidas, chegando a dizer o senador Vasconcelos que a loteria concedida para a freguesia da Glória, no município do Rio de Janeiro, seria inutilizada. 178 Mesmo assim, continuavam aprovando o subsídio, era uma boa estratégia política e econômica. Além de não comprometer verbas do tesouro nacional, o governo ainda arrecadava, o que veio a se tornar uma forma de imposto, pois do total extraído uma parte ia para os cofres públicos. A concessão de loterias é uma subvenção do governo a qualquer estabelecimento, seja público ou privado. O Conservatório não se tornou uma escola pública por causa dessa subvenção, se sistema de Conservatórios também se caracteriza por estabelecimentos gratuitos e sustentados pelo governo, no caso do Brasil essa particularidade demoraria a acontecer. A Sociedade de Música em seu requerimento em 1841 ao governo não diz que quer tornar a escola parte do governo, apesar de ressaltar o seu caráter de utilidade pública o que não caracteriza um bem público, somente há um pedido de dinheiro para se construir um estabelecimento para formar profissionais da música e quem mais se quisesse. O decreto de 1847 na forma em que foi construído é que traz para o âmbito governamental o ensino musical.

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Anais do Senado, vol. 1, 1847, pág. 453. Disponível em http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/anais. Acesso em 21-10-05. 178 Anais do Senado, vol. 1, 1847, págs. 453. Disponível em http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/anais. Acesso em 21-10-05.

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O sexto artigo estabelece a forma de admissão dos professores, provisoriamente os dois primeiros, rudimentos e canto para sexo masculino e feminino, serão nomeados pelo Ministro e Secretário do estado dos Negócios do Império sob proposta da Sociedade Beneficente Musical sendo que os outros professores também serão nomeados pelo ministro, mas depois de passarem por oposição e por concurso como for indicado nos estatutos. Se não era uma escola pública por causa do tipo de provimento, o é por causa dos termos em que é promulgado o decreto que a cria, apesar de estar sob a administração direta da Sociedade Musical Beneficente, as decisões deverão necessariamente passar pelo governo que as confirma ou rejeita, como é o caso da contratação de professores. O sétimo artigo trata sobre os vencimentos dos professores e demais funcionários, vencimentos estes que serão determinados pelo Ministro do Império depois de ouvida a Sociedade Musical Beneficente.

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O nono artigo é o que aponta a composição da diretoria e

a forma de nomeação. Sobre suas obrigações e o tempo de permanência no cargo deve ser fixado nos estatutos que será elaborada por uma comissão enquanto os estatutos não entram em vigor a instituição será gerida por uma comissão com três membros que também proviessem da Sociedade de Música. O décimo e décimo primeiro artigos explicitam quais são os cargos e as obrigações que terão a comissão diretora. O primeiro é o diretor que além de presidir a comissão dará todas as ordens relativas a ao funcionamento da escola, assinando toda a correspondência oficial exceto quando esta for dirigida ao governo onde deve constar a assinatura de todos os membros da comissão. A arrecadação, guarda e toda a despesa do Conservatório ficará sob total responsabilidade do tesoureiro que deverá prestar conta a comissão diretora e por fim o secretário que cuidará de toda a escrituração do estabelecimento. A obrigação da comissão como um todo, detalhada no décimo primeiro artigo, será a de tomar providência para que as loterias concedidas pelo governo sejam extraídas e emprega-las em fundos públicos; fiscalizar as despesas do estabelecimento, ordenando com previa autorização do governo, as que forem indispensáveis; verificar se os professores desempenham os seus deveres; propor pela secretaria do estado dos negócios do império (aqui fica estabelecido a quem a escola esta subordinada e a quem ela deve se reportar) todas as providências que forem necessárias para

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Decreto 496, idem. P. 12.

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regular o andamento do estabelecimento e remeter a mesma secretaria de estado de três em três meses as contas da administração. 180 O décimo segundo e último artigo diz respeito aos estatutos que devem reger a escola, segundo o texto, logo que estejam em exercício os dois professores, a comissão diretora deve elaborar e submeter à aprovação do governo. O artigo detalha o que deve conter obrigatoriamente no documento. Da administração da escola e das rendas a policia das aulas, o método de ensino, da admissão dos alunos e os exames que estes devem prestar, bem como a oposição e concurso para o provimento das cadeiras foram os pontos trabalhados. Dos objetivos que a instituição deve alcançar até os exames que os alunos devem prestar vêm no documento, o governo apenas traça um plano de desenvolvimento para a escola que deve ser levado adiante pela Sociedade de Música. Andrely de Paola ressalta que a ligação do Conservatório de Música com a Sociedade Musical Beneficente pode ser comprovada através do discurso realizado quando da inauguração da instituição181. A autora considera que a instituição possuía uma característica de organização híbrida, uma mistura de associação particular e instituição oficial, principalmente a partir de sua anexação à Academia Imperial das Belas Artes. O que decreto torna explicito é que o papel da Sociedade no processo de institucionalização do ensino musical no Brasil foi fundamental, agindo como uma agência reguladora do exercício profissional do músico, indo além da sua ação como entidade de beneficência. Pois o que foi estabelecido no decreto não foi apenas à criação de um Conservatório, mas também o reconhecimento de que esse grupo profissional já possuía um mecanismo auto-regulador e que este era o responsável, entre outras, de indicar profissionais e estipular a remuneração pelo serviço musical como também deveria ser a responsável pelo desenvolvimento da instituição.

180 181

Decreto 496, idem. P. 12. DE PAOLA, 1998, Op. cit. p. 28 e 30.

80

2. Um Meio de Instrução: a instalação do Conservatório Com exceção da música, as outras artes não eram ainda apreciadas de maneira alguma no Brasil (...) Adèle Toussaint-Samson 1

2.1 Introdução Baptista Siqueira considera que o período de 1849 a 1854 foi consolidação do Conservatório. Segundo o autor foi nesse momento que houve a “preparação do ambiente a fim de possibilitar a integração do Conservatório na esfera governamental, afastando-o por completo da Sociedade de Música que lhe deu estrutura e projeção”. 2 Esse processo ocorreu no período de 1841 a 1847, mesmo que não tenha funcionado. Há uma distância entre o que foi elaborado no primeiro momento e o decreto de 1847 onde a instituição ficou sob a guarda do Ministério do Império. Contudo, o autor tem razão quando diz que foi a Sociedade que o estruturou e o fez aparecer. Na Europa as “associações voluntárias” buscavam “à troca de informações e idéias, muitas vezes a serviço da reforma”.

3

A presença de associações leigas, mutualistas e

corporativas, que se organizaram no Brasil ao longo do século XIX tiveram um papel importante na construção de um espaço público que ainda era incipiente no início do século XIX. A Sociedade Musical Beneficente – de cunho artístico e filantrópico – pode ser entendida também como sendo um elemento chave na transformação do espaço público, assim como as variadas associações criadas nesse momento.

4

Já no segundo reinado, essa

mesma Sociedade recorre ao governo em busca de subvenção para a construção de uma escola de música o que a torna um importante componente intermediador entre o governo e os

1

TOUSSAINT-SAMSON, Adèle. Uma parisiense no Brasil. Tra. Maria Lucia Machado. pref. Maria Inês Turazzi: Rio de Janeiro; ed. Capivara, 2003. 2 SIQUEIRA, Baptista. Do conservatório à Escola de Música: ensaio histórico. RJ: UFRJ, Cidade Universitária. 1972. p.35. 3 BURKE, Peter. Uma História Social do Conhecimento: de Gutenberg a Diderot. tra. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 50. 4 MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial. SP: Hucitec, 2005. p. 261-326.

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músicos. Segundo Marco Morel, “ainda que solicitando apoio governamental, também parecem existir graças a seus integrantes. Eram, em alguns casos, iniciativas mistas entre o Estado e o privado (...)”.5 Este parece ser o caso do Conservatório, iniciativa da Sociedade Musical e do governo, não apenas no Brasil como em alguns países da Europa, incluindo Portugal, Inglaterra e alguns conservatórios da Itália.6 O caráter de instituição híbrida, ressaltado por Andrely de Paola para um momento posterior - quando esta é anexada a Academia Imperial de Belas Artes em 18557, possui neste momento específico a sua razão de ser, pois encontramos uma instituição criada pelo poder público, que concede a subvenção pleiteada para o seu funcionamento, determina a fundação por via de um decreto, sanciona diretrizes para o seu funcionamento, mas não cuida. A sua construção e administração ficam então a cargo exclusivo da Sociedade de Música, que neste caso caracteriza uma administração particular da coisa pública. A partir de 1848, a instituição ficou sob a guarda do Ministério dos Negócios do Império, que tinha como atribuições: “o trato dos assuntos internos do país: serviços administrativos gerais; Casa imperial, mercês, ordem, títulos honoríficos, intercâmbio entre o Executivo e o Legislativo, assuntos das províncias, serviço eleitoral, naturalizações; educação e saúde; assuntos eclesiásticos; assuntos financeiros e contábeis do Ministério”.8 Segundo Letícia Squeff, a diversidade crescente que caracterizava a pasta do Império dava cada dia mais importância a esse ministério.9 Mas é preciso se considerar em contraponto a esse controle dos principais temas do Império, que alguns pontos pudessem ser muitas vezes olvidados devido à quantidade de assuntos administrados pelo Ministro desta pasta, sendo este um dos possíveis motivos para a morosidade do aparato administrativo. Com a perspectiva de funcionamento em um salão do Museu Nacional10, gentilmente cedido pela Sociedade Auxiliadora da Indústria, e após a extração da primeira loteria em 5

Idem, ibidem, p. 295. CERNICCHIARO, Vincenzo. Storia della Musica nel Brasile. Milão, Fratelli Riccioni, 1926. Especificamente o capítulo sobre os conservatórios. 7 DE PAOLA, Andrely Quintella e GONSALEZ, Helenita Bueno. Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro: História e Arquitetura. RJ: UFRJ, 1998. p. 30. 8 TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. História Administrativa do Brasil. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional/DASP/Centro de Documentação e Informática, 1974. Vol. VII. P. 62. 9 SQUEFF, Letícia. O Brasil nas Letras de um Pintor: Manoel de Araújo Porto Alegre (1806-1879). Campinas, SP: editora da UNICAMP, 2004. 10 O ministro do Império antes de solicitar a sala ao Museu Nacional, tentou junto ao Ministro da Guerra a concessão de uma sala no que é hoje o prédio do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

6

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setembro de 1847, no dia 29 de maio de 1848, em sessão da Sociedade Musical, foi indicado para o cargo de professor de rudimentos, preparatórios e solfejo Francisco da Luz Pinto. Nesta ocasião também se deliberou que os vencimentos de um professor de Conservatório deveriam ser de 600$000 anuais.

11

O valor sugerido era extremamente baixo; o diretor da Escola de

Medicina recebia por ano 6:000$000; um membro da Inspetoria Geral de Higiene tinha uma salário anual de 3:600$00012; um professor da Academia Imperial das Belas-Artes recebia no mesmo período “um mesquinho ordenado de 800$000 anuais”13. Segundo Leticia Squeff, um professor da Academia possuía um salário anual equivalente a artesãos e trabalhadores urbanos, que era de 721 mil réis. Esse valor só ficava abaixo da remuneração dos trabalhadores rurais, principalmente lavradores, que em média recebiam 200 mil réis anuais. É importante notar ainda que não houve por parte da Sociedade de Música uma diferenciação entre o ordenado do professor e o de diretor, a única sugestão foi de 600 mil réis. Na Capela Imperial havia uma diferenciação entre o salário do mestre-de-capela, e o de instrumentista – que ainda comportava diferenças entre instrumentos - e o cantor. No plano de reorganização da orquestra da Capela Imperial, proposto por Francisco Manoel da Silva e Fortunato Mazziotti em 1843, foi solicitada uma orquestra permanente em que o primeiro violino regente14 deveria receber 240$000 – o maior salário; o regente dos segundos violinos 220$000, já o violino acompanhante receberia 200$000 e assim para todos os instrumentos que faziam segunda voz exceto para o fagote, clarim, trombão e tímpano que recebiam o mesmo que os instrumentos de segunda voz.

15

O plano foi aceito e a orquestra foi

reorganizada em 1843. A primeira cerimônia de maior vulto foi o casamento de D. Pedro II com D. Teresa Cristina com música de Fortunato Mazziotti.

16

No ano de 1875, quando

ocorreu uma nova reforma na orquestra e coro da Capela Imperial os salários propostos e 11

AN - Série Educação-Cultura-Belas-Artes-Bibliotecas-Museus IE7 pacote 9. Documento elaborado para ser enviado ao Ministro e Secretário dos Negócios do Império 3 de julho de 1848. 12 Esses valores correspondem ao salário pago em 1886 na corte do Rio de Janeiro, a diferença entre as décadas comparadas não possuiu um efeito drástico, porque o salário anual requisitado pelos músicos permaneceu até pelo menos o final da década de 1880. COELHO. Edmundo Campos. As Profissões Imperiais: medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro 1822-1930. Rio de Janeiro: ed. Record, 1999. p. 74-75. 13 Manoel de Araújo Porto Alegre. Apontamentos Biográficos. Revista da Academia Brasileira de Letras, ano 22,nº120, vol. 32, dez, 1931. pp. 416-43. p. 430. Apud SQUEFF, p. 79. 14 Segundo Raphael Coelho Machado, violino também era a designação para regente ou profissional da música, que tem como obrigação “como chefe de toda a orchestra guia os executores por meio do seu instrumento ou pelo gesto quando precisar advertir algum dos professores que se descuida”. MACHADO, Raphael Coelho. Diccionario Musical. Typ. Francesa: Rio de Janeiro, 1842.p. 265. 15 CARDOSO, André. A Música na Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2005. p. 92-93. 16 Idem, Ibidem. p. 93.

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aceitos foram os seguintes para o coro: o tenor solista teria um ordenado de 700$000; o tenor I 500$000; já o tenor II solista 600$000; segue a mesma ordem para as outras vozes o solista receberia um pouco mais. Na orquestra o naipe de cordas receberiam 200$000 exceto o contrabaixo com um ordenado de 500$000; sopros de metais e madeiras e percussão os mesmos duzentos mil réis.17 Comparando com o ordenado de outros trabalhadores urbanos o ordenado solicitado para pagamento dos professores do Conservatório de Música era muito pouco, mas muito bom se considerar o que recebiam como músicos na Capela Imperial. Quase trinta anos depois é que o salário da Capela Imperial se equipararia com o do Conservatório., Dessa forma, um emprego no Conservatório representaria uma elevação no nível salarial muito grande, propiciando uma melhora substancial na qualidade de vida. A comissão diretora era composta por Francisco Manoel da Silva como diretor, Francisco da Mota como secretário e o padre Manoel Alves Carneiro. Dos músicos que assinaram o requerimento pedindo a concessão de loterias para a criação de um Conservatório, apenas Francisco Manoel, padre Alves Carneiro e Francisco da Mota compunham o quadro administrativo ou docente da instituição. O primeiro atualmente é o mais conhecido entre os que se dedicam ao estudo da música no império. A sua carreira toma um novo impulso quando este se torna o diretor do primeiro Conservatório de Música do Brasil. A partir de 1844 como membro do Conservatório Dramático Brasileiro era responsável pela censura das músicas que faziam parte das cenas dos teatros. Condecorado com a Ordem da Rosa18, grau cavaleiro no mesmo ano que o governo determina o imediato funcionamento do Conservatório de Música em 1847. Entre as suas obras musicais encontramos seis hinos, entre eles o que foi feito para comemorar a abdicação de D. Pedro I em 1831 e que se tornou o hino nacional. Foi o mestre de música responsável pelo serviço musical na coroação de Pedro II sendo de sua autoria o hino para a ocasião. Às peças sacras Francisco Manuel dedicou maior atenção; entre missas, matinas, requiens, aleluias, ladainhas etc contamos 35 peças; para canto e piano, nove peças, entre elas o famoso lundu da marrequinha, uma composição

17

Idem, Ibidem. p. 133-134. Essa condecoração foi criada por D. Pedro I por decreto de 17 de outubro de 1829. O imperador é o GrãoMestre. 18

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em parceria com o jornalista Paula Brito e por fim duas música para salão, a primeira chamava-se A Beneficência e 1839 e a segunda O primeiro beijo de 1847, ambas valsas.19 No Diário do Rio de Janeiro de 16 de agosto de 1848, portanto mais de um ano após a publicação do decreto que manda instalar o Conservatório, sai uma nota do secretário da instituição aos matriculados na aula de rudimentos, informando que a primeira aula do conservatório teria lugar em uma sala do Museu Nacional no dia 16 de agosto.20 Ayres de Andrade informa que a procura foi grande fazendo encerrar o período de matrícula mais cedo que o estabelecido.21 O relatório do ministério do Império é que fornece o número: 72 indivíduos inscritos para freqüentar as primeiras aulas da instituição, matriculados apenas para a aula de rudimentos, o que realmente é um número elevado.22 Nos relatórios anuais que os ministros faziam à Assembléia Geral Legislativa, o Conservatório aparece mencionado pela primeira vez em 1849, na seção de “Instrução Pública e Estabelecimentos scientificos e Litterarios”23 , mas de forma resumida. Esses relatórios fornecem informações relevantes sobre a estrutura burocrática da instituição, seu funcionamento, e características da direção dada ao ensino artístico no Brasil. O primeiro relatório dá conta do estado geral da instituição: O conservatório de música, que como vos disse só esperava para dar começo aos seus trabalhos que se concluíssem os reparos de huma das salas do pavimento térreo do edifício do Museo Nacional, foi definitivamente installado no dia 13 de agosto de 1848, e no dia 16 teve lugar a abertura da Aula de rudimentos, preparatórios e solfejos, na qual se matricularão 72 alumnos, muito dos quais tem mostrado talento e disposição para a arte. Sente o governo que o grande numero de loterias concedidas a outros estabelecimentos não tenha ainda permitido a extracção ao menos da segunda das concedidas ao Conservatorio de Musica, o que embaraça a creação de outras Aulas estabelecidas no plano annexo ao Decreto nº496 de 21 de Janeiro de 1847, e entorpece a marcha progressiva desta útil instituição.24

19

ANDRADE, Ayres. Francisco Manoel da Silva e seu tempo 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos. Rio de Janeiro: Secretaria de Educação e Cultura, 1967. pág. 235. 20 Diário do Rio de Janeiro, 16/08/1848, p. 3, Seção Declarações. 21 ANDRADE, 1967, Op. cit.. pág. 252. 22 AN - Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 9. Neste doc. Francisco Manoel da Silva ainda pede a extração da segunda loteria. 23 CARVALHO, José da Costa. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1848. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. 24 Idem, Ibidem, p.24.

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Em 23 de janeiro de 1849 o ministro do império solicita, através de um ofício ao diretor da comissão diretora que dirige o Conservatório, informações a respeito do estado da instituição, os trabalhos no ano que findou e quais providências serão necessárias para o desenvolvimento do CM. Em 1º de fevereiro de 1849 o diretor da sociedade musical e da comissão diretora do CM responde que: Tenho a honra de informar que o Conservatório de Música começou os seus trabalhos no dia 16 de Agosto do anno passado, installando a primeira aula de rudimentos e solfejos, segundo ordenão as bases dadas pelo Governo Imperial; o numero de alunnos que se subscreverão para esta aula foi de setenta e dous, muitos dos quaes tem mostrado disposição e talento para a arte ( ...)25

A providência que é informada ao ministro é a necessidade de extração regular das duas loterias - a primeira havia sido extraída em setembro de 1847 - concedidas pelo governo tanto para os alunos que já freqüentam a aula de rudimento como também para instalar a mesma cadeira para o sexo feminino.26 A partir de 1850 o ministro José da Costa Carvalho informa que o Conservatório permanece no mesmo estado em que foi descrito no relatório anterior, e não teve como abrir novas cadeiras, subsistindo apenas as de rudimentos, preparatórios e solfejos que continuam a ser freqüentadas. Mas quando nos deparamos com o silêncio parece que temos que correr para o que não foi dito. Os primeiros anos de funcionamento do Conservatório de Música mereceram por parte dos ministros, ao prestar contas as Câmaras, um discurso lacônico. Contudo ao mesmo tempo em que é vazio demonstra toda a dificuldade do governo em fazer funcionar a estrutura que se propôs a construir. O silêncio é o sinal de que apesar dos discursos inflamados em favor da instrução pública do progresso e da civilização a palavra ainda não era o suficiente para tornar realidade. É por isso que se encontra apenas um “subsiste” até pelo menos 1852 quando foi criada a segunda cadeira da instituição, a de cadeira de rudimentos e canto para o sexo feminino. No relatório a Assembléia geral Legislativa o ministro informa; O Conservatório de Musica marcha lentamente, por circunstancias inteiramente estranhas ao zelo e bons desejos da sua Commissão Directora; apenas agora se passa a installar a Cadeira de rudimentos e canto para o sexo feminino, subsistindo no estado em que a descrevo o Relatório anterior a de rudimentos, preparatórios, e 25 26

AN- Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 8. Idem – doc. 8.

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solfejo para o sexo masculino. Tendo elle de estabeecer-se com o producto das 16 loterias concedidas pelo Decreto N.º 238 de 27 de novembro de 1841, dispoz o plano de sua fundação, mandado executar pelo Decreto N.º 496 de 21 de janeiro de 1847, que cada huma das seis cadeiras, que formão o Conservatório, se fosse installando á medida que o rendimento das Apolises, em que se deve ir convertendo o producto das Loterias, for para isso sufficiente. Assim, se fundou em 1848, apenas se extrahio a primeira Loteria, a aula que desde então funcciona; e só agora, que pode ter lugar a extracção da segunda, se vai installar a segunda Cadeira: esta morosidade tem, como he natural, desanimado os alumnos; e reclamão os Directores alguma providencia que accelere a marcha do Estabelecimento, o que he de esperar se consigna com a mais prompta extracção das Loterias: só na impossibilidade não prevista de fazel-as extrahir com brevidade convirá adoptar outras medidas.27

Nesse ano a instituição já é apresentada separada de Instrução Pública, agora junto com Theatro. No ano de 1853, o ministro e Secretário do Ministério do Império Luiz Pedreira do Couto Ferraz apresenta à Câmara a situação em que se acha o Conservatório de Música após cinco anos de funcionamento do estabelecimento. Em seu relatório o ministro pondera que: Foi estabelecida, em novembro do anno passado, a escola de rudimentos e canto para o sexo feminino, e é freqüentada por 41 alumnas. A escola da mesma naturesa para o sexo masculino, creada em 1848, teve no ultimo anno 49 discipulos. As outras quatro cadeiras, que foram tambem creadas, não tem podido ser estabelecidas por deficiência de meios, visto como ainda não teve logar a extracção das ultimas loterias, cujo producto é destinado á sustentação dellas. Este estabelecimento não tem, por esta rasão, progredido, e mal pode corresponder aos fins de sua instituição. 28

O período de 1847 até 1854 foi entendido por Baptista Siqueira com sendo o momento em que houve a consolidação da instituição. Segundo o autor, os anos que precederam a anexação do Conservatório à Academia Imperial das Belas Artes representaram a “integração do Conservatório na esfera governamental”.

29

A discussão

sobre o caráter de a instituição ser pública ou privada não vai ser esquecida até pelo menos 1866 quando aparece no Jornal do Commercio, um artigo de um membro da Sociedade de Música reclamando o direito da dita sociedade sobre a escola. Os autores que estudaram a 27

MARTINS. Francisco Gonçalves. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1852. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p. 18. Publicado em 1853. 28 FERRAZ, Luiz Pedreira do Coutto. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1852. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p. 62. Publicado em 1854. 29 SIQUEIRA, 1972. Op. cit. p.35.

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história da escola também marcaram a ambigüidade institucional, sobretudo quando houve uma reorganização do Conservatório de Música em 1855.

2.2. A Reforma Pedreira A reforma no sistema educacional das belas artes teve três momentos. O decreto nº805 de 23 de setembro de 1854 determina a reforma da Academia Imperial das Belas-Artes, uma reorganização no sistema educacional das belas artes no Brasil. Nesse momento o Conservatório de Música (CM) foi anexado à Academia Imperial das Belas Artes (AIBA). Em 23 de janeiro de 1855 o ministro Luiz Pedreira do Coutto Ferraz baixa um decreto “atendendo a conveniência de dar-se maior desenvolvimento ao Conservatório de Música”, para que se observe um plano que altera o estabelecido em 1847. A novidade deste plano é que manda criar imediatamente e independente da extração das loterias as disciplinas que já estavam em funcionamento e mais regras de acompanhar e de órgão; duas de instrumentos de sopro e duas de cordas, as demais aulas que estavam previstas dependeriam dos recursos e a partir desse momento qualquer aula que se quisesse criar deveria ser feito por decreto do ministro sobre proposta do diretor e ouvidos os professores. O ministro estipula ainda um prazo de quatro anos para a construção ou salas apropriadas, cria o cargo de continuo que servirá como também como porteiro, detalha as obrigações do diretor, do secretário, do tesoureiro e da junta de professores, e baixa as normas para o envio de bolsistas à Europa.30 Em 14 de Maio de 1855 o decreto nº 1.603 estabelecia um novo estatuto para a AIBA e consolida a junção do Conservatório com a Academia das Belas Artes. Conhecida como Reforma Pedreira ou Porto Alegre, a proposta era mudar os parâmetros no ensino artístico, sendo o foco principal a Academia Imperial das Belas Artes, mas o momento apontava para o aperfeiçoamento de várias instituições na cidade do Rio de Janeiro. O histórico do ensino das belas artes no Brasil foi marcado por crises institucionais tanto endógenas quanto exógenas graves, por isso acabou englobando não apenas a AIBA. Nesse sentido, Baptista Siqueira argumenta que a crise pela qual passava o conservatório fez com que o imperador interferisse fazendo prevalecer à idéia de anexar o Conservatório de Música à Academia Imperial das Belas-Artes. 31 30

Decreto nº 1.342 de 23 de janeiro de 1855. Coleção das Leis do Império do Brasil de 1855. tomo XVIII, parte II pp. 55-57. 31 SIQUEIRA, 1972. Op. cit. p. 39.

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Segundo Sérgio Buarque de Holanda, em meados do século XIX e, sobretudo, o período 1851 a 1855 viveu um intenso período de reformas, mesmo depois do início do período republicano nunca em tão pouco tempo havia ocorrido algo semelhante.32 Em 1851 há a constituição de sociedades anônimas e a re-fundação do Banco do Brasil; é inaugurada na corte a primeira linha telegráfica em 1852; foi criado o Banco Rural e Hipotecário em 1853; em 1854 inicia-se as atividades da primeira estrada de ferro do país e a segunda no ano seguinte. Articuladas a essas iniciativas há maior circulação de informações com incremento dos negócios de caráter particular, e uma modernização dos meios de transporte. 33 O impulso a urbanização fez crescer uma camada média urbana que tornava-se apreciadora de música e que também consumia seus produtos, freqüentando os teatros da cidade ou comprando partituras para serem tocadas no recinto doméstico. O Brasil tornou-se o maior editor de música da América Latina, com lojas principalmente na Rua do Ouvidor, entre elas encontramos Arthur Napoleão e Cia.; José Amat; Buschmann & Guimarães; Manoel José Cardoso; Coelho e Cardoso; Pierre Laforge; Heaton & Rensburg, Ludwig & Briggs; Arvelos & Cia; Filipone & Cia; Isidoro Bevilacqua; V. Sydow & Cia e etc.34 O cenário favorável do gabinete de conciliação, sob o comando do Marquês de Paraná, fez possível superar crises internas ao governo e nos próprios partidos. Carneiro Leão – o Marquês de Paraná - foi um político muito influente, sendo considerado o mais forte do país naquele momento. O seu gabinete foi constituído para implantar um programa que pudesse conciliar liberais e conservadores, criando um centro para discussões que levasse ao consenso sobre questões fundamentais de ordem política, econômica e social, sobretudo quanto a temas como a agricultura, a indústria e a instrução pública. 35 Esse gabinete teve em 6 de setembro de 1853 e durou até 4 de maio de 1857. Assim que assumiu o gabinete, Paraná escolheu para a pasta do Império Luiz Pedreira do Couto Ferraz futuro visconde do Bom Retiro. Com uma biografia digna dos filhos da elite, nasceu no Rio de Janeiro formou e lecionou na Faculdade de Direito de São Paulo, foi membro do Conselho de Estado e conselho do Imperador, senador pela província do Rio de Janeiro, 32

HOLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. 23º ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991. p. 42. Idem, ibidem, p. 42. 34 LEME, Mônica. Mercado editorial e música impressa no Rio de Janeiro (século XIX) – modinhas e lundus para “iaiás”e trovadores de esquina”. In: I Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial. RJ., Rio de Janeiro. FCRB; UFF/PPGCOM; UFF/LIHED; Casa de Rui Barbosa. nov. de 2004. p. 10. 35 IGLESIAS, Francisco. Vida Política, 1848-1868. In: HOLANDA, Sergio Buarque. (org) O Brasil Monárquico: reações e transações. 5º edição. São Paulo; Difel. Tomo II, 3º vol., 1985. p. 41. 33

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comissário do Instituto dos Meninos Cegos - criado durante a reforma Pedreira em 185636-, presidiu o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, foi vice-presidente da Associação Protetora da Infância Desvalida, oficial de várias ordens como a de Cristo, da Rosa e do Cruzeiro. Blake ao terminar sua resumida biografia diz que “o Imperador, que lhe era sinceramente afeiçoado, foi visitá-lo no seu leito de agonia, demorando junto a ele quatro horas, e ao retirar-se disse cm lágrimas: é a consciência mais pura que tenho conhecido”.37 Em sua trajetória Couto Ferraz realizou, em 1851, a reforma do ensino primário e secundário na Corte, criando o cargo de inspetor geral da instrução primária e secundária e ainda cargos de inspetores de distritos e delegados de paróquias.38 Esta reforma está diretamente ligada à que ocorrerá em 1855, considerada como uma ampliação das ações tomada quatro anos antes, isso quer dizer que o ministro estendeu as ações realizadas quando presidente de província só que englobando mais instituições.

39

As despesas com o setor

social, que incluíam educação, saúde e artes, teve evolução diversa de uma área para outra. Os investimentos em educação tiveram uma elevação constante mesmo que irregular de 1850 até 1889, saúde pública teve um aumento vertiginoso a partir de 1850 e logo depois uma queda brusca, não sem motivos esse foi o ano das grandes epidemias de febre amarela e cólera que assolaram a cidade do Rio de Janeiro, contudo os gastos habituais eram com saneamento e assistência á saúde na corte e portos.40 Para Paulino José Soares de Souza a questão da educação estava na seguinte ordem: “É preciso, portanto, juntar à instrução primária a educação, e educar o povo, inspirando-lhe sentimentos de religião e moral, melhorando-lhe assim pouco a pouco os costumes”.

41

José

Murilo de Carvalho nos diz que a partir do momento que o Estado conseguiu completar a

36

PINTO, Fernanda Bouth. A Educação dos Surdos no Brasil Oitocentistas: a criação do um Instituto. In: Anais do XXIII Encontro da ANPUH: Londrina, PR: jul 2005. Disponível em http://www.anpuh.uepg.br/XXIIsimposio/anais/textos. 37 BLAKE, A. V. A. Sacramento. Diccionario Bibliographico Brasileira. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional: Conselho Federal de Cultura, 1970. 4º vol. 38 MARTINEZ, Alessandra Frota. Educar e Instruir: A educação popular no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Historia Social da UFF, 1997. p. 13. Nesse momento é bom lembrar o que disse o ministro e secretário Antônio Pinto Chichorro da Gama a respeito do sistema administrativo herdado dos portugueses que em seu juízo era deficitário. 39 MATTOS, Ilmar Rohloff. O Tempo Saquarema. 5º ed. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 267 Apud. SQUEFF, 2004, Op. cit. p. 175. 40 CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem: A elite política imperial; Teatro de Sombras: A política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 273-282. 41 Paulino José Soares de Souza, 1839. Apud MATTOS, 2004, p. 277.

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tarefa de consolidar-se politicamente, este se lançou em uma política desenvolvimentista, econômica sobretudo.42 Ainda há de se considerar uma particularidade importante no início desta década. O Imperador passa a interferir mais sistematicamente na administração pública, dispondo-se a governar, como disse Iglesias. Isso significa que começou a dar instruções sobre a condução dos negócios públicos aos ministros. Traça ai programa político e programa administrativo: fixa as relações entre a Coroa e o gabinete, quer conhecer os negócios do todas as pastas; valoriza o Conselho de Estado, com certa limitação do poder dos ministros; recomenda o aproveitamento de homens de partido para lugares políticos, enquanto para as outras nomeações se faça aproveitando de todos; enumera muitas tarefas a serem executadas no plano de obras públicas, de reformas da instrução, eleição direta e por círculos, lei judiciária, clero, tráfico. D. Pedro II afirma-se, nesse documento que redigiu para o exercício do gabinete, reinando, governando, administrando, ciente de todos os negócios do Estado. 43

Em 1853 Manuel de Araújo Porto Alegre, atendendo ao pedido feito por D. Pedro II, elabora um estudo sobre os meios práticos de desenvolver o gosto e a necessidade das belas artes no Rio de Janeiro.

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A qualidade de ensino parece ter sido questionada várias vezes,

além da improbidade na administração de Taunay, que estava focada nas distribuições dos prêmios e com falta de disciplinas que pudessem formar artistas. Estes foram também os pontos que, segundo Porto Alegre, deveriam ser revistos. O pintor elabora um plano de reestruturação do ensino artístico da Academia, que contava com a colaboração do Ministro do Império e do próprio imperador. Esse documento nos interessa não apenas por apresentar uma apreciação do estado em que se encontrava a AIBA naquele momento. Porto Alegre reflete acerca do significado e lugar da arte na sociedade brasileira do século XIX e principalmente faz um comentário, que não era novidade à época, sobre a música e o Conservatório de Música. Seu autor, Manuel de Araújo Porto Alegre o futuro barão de Santo Ângelo, mantinha estreita relação com o campo

42

CARVALHO, 2003, Op. cit. p. 275. IGLESIAS, 1985. Op. cit. 42. 44 IHGB – Apontamentos sobre os meios práticos de desenvolver o gosto e a necessidade das Belas Artes no Rio de Janeiro, feitos por ordem de S. M. o Sr. Pedro II, 1853. lata 43 – doc. 13. 43

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musical desde pelo menos a década de 1830, quando encontramos vestígios de que a música fazia parte das suas preocupações intelectuais. 45 Segundo Porto Alegre “a musica está em decadencia porque não tem raizes nacionais: o Conservatorio vive e em breve desaparecerá”.

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Apesar de breve, é preciso o seu

diagnóstico. Como se pode constatar, em cinco anos, apenas duas cadeiras foram criadas e analisando o caráter dessas duas disciplinas chega-se a conclusão que o Conservatório estava formando cantores quando muito. É importante verificar que o conservatório estava ensinando música mas não formando instrumentistas, eram músicos que sabiam ler e escrever música só que não tocavam nada, dessa forma o fim desejado para qualquer escola de música que era formar instrumentistas, não estava sendo alcançado e iria mesmo desaparecer. A razão dada para a decadência da música – a falta de raízes nacionais - é uma afirmação que entra em contradição com o que Porto Alegre vem afirmando a tempos. Nos dois artigos citados, afirma que temos “artistas de primeira ordem” que teriam a qualidade de representar bem a ancestralidade da música brasileira. Segundo Letícia Squeff, Araújo Porto Alegre assim como outros homens de seu tempo, foi um intelectual marcado pela ilustração Dedicou-se a diplomacia, escreveu diversos libretos de ópera, foi também arquiteto e caricaturista, poeta e pintor oficial em momentos importantes na construção simbólica no Estado e da monarquia. Como homem de teatro, que também era, projetou cenários – para duas peças de Gonçalves de Magalhães - fez a decoração de dois teatros da cidade e pintou o pano de boca do Teatro São Pedro de Alcântara, e por fim, foi membro do Conservatório Dramático, junto com Januário da Cunha Barbosa e Francisco Manoel da Silva.

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Porto Alegre ficou na

direção da AIBA de 22 de abril de 1854 até 03 de outubro de 1857, devido à interferência do Imperador que garantiu a sua nomeação para o cargo de diretor. 48 Tomou posse na Academia 45

Foram dois os principais artigos escritos sobre música por Porto Alegre. O primeiro foi escrito para a Revista Niteroy em 1836, intitulado Idéias Sobre a Música, onde o autor faz um balanço histórico do desenvolvimento musical na Europa e no Brasil. O segundo artigo versa a respeito da música sacra no Brasil, em especial nas igrejas da cidade do Rio de Janeiro intitulado A Música Sagrada foi publicado no periódico Íris em fevereiro de 1848, neste momento Porto Alegre faz uma defesa do antigo modo de compor dos compositores préindependência, sobretudo José Mauricio Nunes Garcia e o Padre Rosa que faziam música sem as influências, nefastas em seu juízo, da música profana na música para o culto. 46 IHGB - Apontamentos sobre os meios práticos de desenvolver o gosto e a necessidade das Belas Artes no Rio de Janeiro, feitos por ordem de S. M. o Sr. Pedro II, 1853. Lata 43 – doc. 13. 47 SQUEFF, Letícia. O Brasil nas Letras de um Pintor: Manoel de Araújo Porto Alegre (1806-1879). Campinas, SP: editora da UNICAMP, 2004. p. 96. 48 Idem, ibidem, p. 78.

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sob a proteção do senador Paula e Souza e por indicação de Jean Baptiste Debret do qual havido sido aluno de pintura histórica. 49 O seu engajamento na construção da história nacional se deu, sobretudo, como membro ativo do IHGB onde não somente Porto Alegre, mas também outros literatos “reafirmavam constantemente o papel fundamental que as artes e a literatura tinha para a sociedade”50. Na revista Niteroy, onde publicava junto a Gonçalves de Magalhães, Torres Homem e Joaquim Manoel de Macedo, foram publicados textos que faziam alusão a história da arte em suas várias vertentes, onde os autores trabalharam a trajetória dessas artes no Brasil, diferenciando a experiência de outros países e a de Portugal para definir a individualidade da arte brasileira mas também para mostrar que já desde os tempos coloniais havia uma cultura brasileira. A música ficou a cargo de Porto Alegre, a história da literatura do Brasil por Gonçalves de Magalhães.51 Um dos “homens da revista Niteroy”, nos dizeres de Squeff, Joaquim Manuel de Macedo, foi também um dos vários literatos que se dedicaram a defender projeto de instituição do ensino musical no Brasil. Publicou em 1850, na revista Guanabara52, um periódico que vinha em seu subtítulo como sendo artística, cientifica e literária, um artigo sobre a história do Conservatório e acaba por defender a necessidade de funcionamento de tal instituição, argumentando que até aquele momento o que ocorrera fora a indiferença da época, caracterizada como de “pasmosa esterilidade”, e do governo que deixou os artistas, pintores, poetas, músicos, a mercê da própria sorte. 53 Mesmo a Academia Imperial das Belas-Artes, que a princípio pareça merecer por parte do governo maior atenção, passou por dificuldades importantes. As brigas internas e a verba destinada à instituição eram insuficientes e não contou com sorte melhor que o Conservatório. A própria verba destinada a pasta dos Negócios do Império não estava infensa aos problemas que assolavam as instituições do governo.

49

FERNANDEZ, Cybele Neto. Os caminhos da Arte: o ensino artístico na Academia Imperial das Belas-Artes 1850-1890. RJ; Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ, 2001. pág. 73 50 SQUEFF, 2004, Op. cit, p.61. 51 Idem. Ibidem, p. 67. 52 Além da Revista Niteroy, a Guanabara e Minerva Brasilense também pertenciam a mesmo grupo de intelectuais que acreditavam, sobretudo no desenvolvimento técnico e cientifico afim de construir uma nação brasileira pautada no ideal de uma cultura civilizada. 53 MACEDO, Joaquim Manuel. Conservatório de Música. In: Guanabara. Rio de Janeiro, 1850. pp. 166-170. Reproduzido em GIRON, Luis Antônio. Minoridade Critica: a ópera e o teatro nos folhetins da corte 18261861.São Paulo: editora da USP; Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. pp. 303-306.

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Financeiramente a AIBA contava com uma quantia irrisória, tendo que disputar o orçamento do ministério do império com a família Imperial, tutor e regente, as secretarias de estado; presidentes de províncias e ajudas de custo; câmara dos deputados e senadores e suas respectivas secretarias; faculdades de direito e medicina e cursos jurídicos; museu, correios, pontes estradas e canais, saúde dos portos e despesas eventuais. Ao final, a verba destinada à Academia Imperial das Belas Artes, no ano de 1840, era de 9:421$000 e só era superior à do Museu que era de 4:024$000.54 As discussões a respeito da Academia Imperial das Belas Artes giravam em torno de sua utilidade. Como foi apontado, a crítica estava pautada na defasagem técnica em relação ao que estava vigorando na Europa e não estaria formando artistas capazes de atender ao incipiente mercado interno, acrescido o desafio de superar a indiferença, o que acabava por ocasionar ausência de oportunidades de trabalhos no país para os futuros profissionais das Belas Artes. No seu texto, Porto Alegre sugere medidas para sanar esses problemas elaborando um novo currículo que continha história da arte, desenhos e ornatos, desenho geométrico e matemática aplicada. Segundo Letícia Squeff o acréscimo do ensino industrial foi uma condição do governo para que se realizasse a reforma, já que o que foi priorizado por Araújo Porto Alegre foi a prática sobre a teoria. Foi o ministro do império que recomendou a introdução da educação industrial, para atender dessa forma dois segmentos, o artista e o artífice.55 Essa recomendação foi feita atendendo a uma necessidade de provar a utilidade da instituição, pois nesse momento duas possibilidades estavam sendo discutidas: reformar a instituição ou simplesmente fechá-la. 56 Novamente Letícia Squeff aponta que a reforma foi aprovada por dois motivos principais: devido ao prestigio de Coutto Ferraz e ao gabinete de conciliação que conseguiu amenizar os ânimos exaltados. 57 Sem dúvida a ação de Coutto Ferraz foi fundamental, pois dispunha de um bom trânsito com políticos ainda importantes no governo: antes de cada discussão o ministro em carta ao Marquês de Olinda apela para este importante aliado na tarefa de realizar a reforma na Academia das Belas Artes, argumentando que a Academia 54

TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. História Administrativa do Brasil. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional/DASP/Centro de Documentação e Informática, 1974. vol. VII. P. 67. 55 SQUEFF, 2004, Op. cit. p. 184. 56 Idem, ibidem, p.173. 57 Idem, ibidem, p. 174.

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como se acha não apresenta utilidade alguma; creadas porêm as novas cadeiras, que constam do projecto, é d’esperar ao menos assim o affirmam pessoas entendidas, que ella produsa algum resultado. O acrecimo da despesa é apenas de cinco contos, e com este acrecimo poder-se-hão crear algumas escolas, que promovam a educação industrial de muitos de nossos artistas, que se dão á industria manufactureira. Conto merecer este obsequio da bondade de N. Ex. ª, pelo que lhe ficarei ainda mais obrigado do que já sou. 58

Em outra correspondência Pedreira reconhece o quanto o Marquês de Olinda tem sido eficaz em auxiliar sua administração, e pede novamente a sua proteção ao projeto que neste momento iria para a segunda discussão na Câmara. 59 Segundo Vidal, Porto Alegre teve uma atuação importante e duradoura na AIBA. Como autor da reforma de 1855 e responsável pelas diretrizes do ensino nessa conjuntura conseguiu imprimir algumas normas que em sua essência não se alteraram até o final do período imperial.60

A reforma Pedreira viria substituir a reforma feita por Lino Coutinho

em dezembro de 1831 e passou a orientar o ensino da Academia até a queda do Império.61 Os estatutos procuraram retomar a idéia do projeto inicial da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, datado de 1816 e de autoria de Le Breton, principalmente no que tange à valorização da preparação da mão-de-obra para os ofícios necessários às diversas áreas de produção artística. Quando Porto Alegre assumiu a direção da Academia, um anteprojeto já tramitava na Câmara, mas o texto final do Decreto resultou de suas idéias, já conhecidas e aprovadas pelo Imperador. 62 Os planos de Porto Alegre, que são explicados por Cybele Vidal, foram separar a Escola da Academia, pois a uma cabia ensinar e a outra fomentar o progresso do país, isto dentro do pensamento progressista visando formar profissionais voltados não apenas para as belas artes, mas também para servir a indústria.

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Com a música de certa forma também

existe essa possibilidade de interpretação, o duplo objetivo de formar profissionais tanto para 58

IHGB – Cartas de Luiz Pedreira do Coutto Ferraz ao Marquês de Olinda pedindo empenhar-se para conseguir a reforma da AIBA e dando noticias do andamento de várias pretensões apoiadas pelo Marquês. S/D e S/L, 2 cartas. Lata 213 doc. 66. Col. Marquês de Olinda. 59 IHGB – Cartas de Luiz Pedreira do Coutto Ferraz ao Marquês de Olinda pedindo empenhar-se para conseguir a reforma da AIBA e dando notícias do andamento de várias pretensões apoiadas pelo Marquês. 27 de agosto, S/L, 2 cartas. Lata 213 doc. 66. Col. Marquês de Olinda. 60 FERNANDES, 2001, Op. cit. p. 314. 61 Idem, ibidem, p.94 62 Idem, ibidem p. 119. 63 Idem, ibidem. p. 92

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o teatro quanto para o culto exige duas formas de abordagens metodológicas no ensino da música. O aluno das artes, segundo Porto Alegre, “deve ser como o servo russo, que se submete ás armas, é uma escravidão mais regular e mais severa, para obter uma alforria, que o torna cidadão na sociedade que o desprezava”.

64

Em ata da sessão pública de distribuição de

prêmios, Porto Alegre resume a tríade social que conduzia as atividades da AIBA a partir da Reforma Pedreira: o cidadão, o artífice e por último o artista a fim de conseguir viver honradamente do pouco que aprendeu na Academia. Diz que “o moço que estudar aqui por dois anos com aproveitamento as matemáticas aplicadas e o desenho geométrico, já tem um meio de vida honroso”65 continua dizendo que o artista que é assim educado é útil em toda parte e cita principalmente o trabalho que pode ser feito junto a um engenheiro. Essa reunião, que antecedeu a distribuição dos exames da Academia contou com a participação do imperador. A anexação do Conservatório e a criação de novas cadeiras propiciaram a crença de que se estava instaurando um novo sistema e que este era eficaz. É importante salientar que a solução encontrada para sanar os diversos problemas que impediam o pleno desenvolvimento da Academia Imperial das Belas Artes e do Conservatório de Música não era inédito: Na França, desde a primeira organização do Institut de France (25/10/1795) as Belas Artes foram reunidas à Música, na sua Terceira Classe e mesmo após outras três reformas (23/01/1803 e 27/01/1815 e 21/03/1816) essa organização foi mantida. Transferia-se para o Brasil, também nesse aspecto, o modelo de organização da escola francesa, na verdade sugerido pela primeira vez por Le Breton, ao redigir o já projeto para o estabelecimento da Escola das Belas Artes no Rio de Janeiro. 66

Segundo Cybele Vidal, a junção da Academia e do Conservatório serviu à uma formação mais completa e representação das belas artes em geral. Eram dois centros que deveriam ser reunidos em ocasiões em que houvesse representação oficial às autoridades do

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IHGB – lata 653 – pasta 21. Discursos e alocuções pronunciados por Manoel de Araújo Porto Alegre. Sessão solene na Academia Imperial das Belas Artes em 2 de junho de 1855,por ocasião do estabelecimento das aulas de matemáticas, estética e etc. 65 MDJ - Pasta 602 - Caderno com cópias de atas de reunião da Academia, de artigos de jornais e relatório das atividades de Porto Alegre enquanto diretor e de sua vida particular e profissional. Ata da 3º sessão da AIBA em 6 de dezembro de 1855. pg. 3 verso 66 FERNADEZ, 2001, Op. cit. p. 128.

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governo e sempre que fosse necessário discutir assuntos de interesse comum.

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A autora

ainda destaca que os professores do Conservatório de Música deveriam participar das sessões da congregação e das sessões publicas da AIBA, ocasião solene à qual a Música se adequava muito bem e para a qual foi composto o Hino às Artes, com música de Francisco Manoel da Silva, presidente do Conservatório e letra de Porto Alegre.

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Nos apontamentos sobre a Academia das Belas-Artes do Rio de Janeiro e sobre a criação de um Teatro Nacional de Ópera elaborado posteriormente a reforma, Porto Alegre nos diz que quando foi chamado para reformar os estatutos em 1853, fiz com que ela se unisse o Conservatório de Música, formando mais uma sessão para engrandecel-a, e com a ideia de mais tarde addiccionar-lhe um pequeno Conservatório Dramatico. Nos projetos que fiz, nos que desenhei para o ensino da Musica, (...) no pavimento supperior uma sala para concertos e ensaios dramaticos, porque a minha ideia fixa era a creação de uma nova (riscado) escola em que se ensinasse com a Música a grammatica, a orthoepia, a leitura, declamação, a mimica, a gymnastica, a dança e o jogo das armas 69

A anexação do Conservatório à Academia segundo o seu idealizador era o início da concretização de um desejo de criar na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império, um centro artístico quer pudesse atender ao desenvolvimento das belas artes no Brasil, atendendo a um objetivo que para o poeta estava claro, a criação de um teatro nacional lírico: Quando acceitei a Missão de reformar o ensino das Bellas Artes, e não o logar de Director, fiz a juncção do Conservatorio á Academia com intenções de ir longe, e de fundar de novo a Opera Nacional, estragada pela dissipação de um, pela inveja de outro, e pela pouca seriedade de alguns. Na planta do novo edificio para o Conservatorio, tracei uma sala para concertos e representações musicaes dos alumnos. Desejava principiar por algumas tragedias com córos, para depois passar ás Operas de canto. Tudo isto se faria como exercicios, até que um dia se podesse convidar a sociedade illustrada para assitir e proteger aquella nova escola. Tinha em mente dar uma ideia da tragedia e da comedia antiga, e de pôr assim em concurso os nossos maestros na grave composição dos córos, cujo estudo os preparava para a grande música. Os córos da Opera Nacional me deram a perfeita esperança de alcançar quanto desejava, e de fundar desta vez uma escola séria e duravel, dando assim pão a muita gente. 67

FERNANDES, 2001, Op. cit.p. 95. Idem, ibidem, p. 127-128. 69 IHGB – lata 654 – pasta 8. PORTO ALEGRE, Manoel de Araújo. Apontamentos sobre a Academia das BelasArtes do Rio de Janeiro e sobre a criação de um Teatro Nacional de Ópera. 68

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Neste texto, Porto Alegre está tratando não apenas da Academia das Belas Artes e do Conservatório de Música, mas também do Conservatório Dramático e da situação do teatro na cidade do Rio de Janeiro. Apesar de dizer que não visava a direção da AIBA a aceitou por indicação do imperador e foi seu diretor por três anos. Porto Alegre possuía um projeto claro de valorização da arte brasileira, seja para a música, as artes plásticas e cênicas e a literatura. A junção de todos esses elementos resultaria na elaboração da grande música, a arte mais completa no século XIX: a ópera. Porto Alegre tinha conhecimento das necessidades mais imediatas da instituição e da cidade, e ainda contava com boas relações com a elite cultural. Suas atividades eram divididas entre a academia e o IHGB, e a critica de arte.

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Na academia com Porto Alegre a frente

procurava-se pensar em temas e discussões que refletissem sobre as formas de desenvolvimento e progresso das artes no Brasil visando a busca de um caminho próprio, um estilo e uma feição para a arte do Brasil.71 Nesse ponto há uma divergência com a quinta sessão da Academia, não existe indicação de que era ambicionada uma música brasileira, a adoção do estilo romântico italiano era o desejado e praticado desde o principio do século XIX, contudo foram feitos investimentos em uma música “brasileira” só que paralelamente às atividades no conservatório com a criação da Ópera Lírica Nacional e Italiana, que será tratada mais adiante. Pela reforma, a sessão de música ficara regida por instruções especiais, não estando sob os regulamentos da Academia, senão nas disposições comuns às artes em geral. Na época, o tema em discussão foi debatido pelos professores das duas áreas, sendo a de Música representada por Francisco Manoel da Silva e Dionísio Vega, e uma proposta foi enviada ao Imperador. A reapresentação do tema por Porto Alegre, levantando diferentes aspectos da questão um ano após essa primeira discussão, demonstra que o assunto ainda merecia muito debate na Academia. Na verdade a implantação da Reforma havia introduzido questões que impunham novas sistemáticas de ensino, de relações inter-pessoais, de utilização de meios e

70 71

FERNANDES, 2001, Op. cit.p. 96 Idem, ibidem. p. 98.

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recursos de apoio às aulas, questões que muito lentamente iriam se impor na rotina da Academia. 72 A partir desse momento o Conservatório perde o seu estatuto de instituição autônoma e passa a ser uma sessão de outra instituição. Segundo Guilherme de Melo o Conservatório deu um passo atrás.73 Baptista Siqueira argumenta que o Conservatório já era uma instituição híbrida, pois pertencia a Sociedade de Música e recebia subvenção do governo e que a anexação a Academia possibilitou o seu desenvolvimento.74 Contudo o que Mello está ressaltando é que o Conservatório perdeu o estatuto de instituição autônoma e não há dúvida que a partir da junção a concretização do que era desejado tornou-se possível, inclusive o estabelecimento de estatutos, que até aquele momento ainda não haviam sido criados. Como quinta sessão da Academia, perdeu a autonomia, devendo qualquer demanda passar antes pelo diretor da AIBA, contudo permaneceu o diretor, tesoureiro e secretário do Conservatório. A seção XV é a que define a sessão de música, de acordo com os estatutos: Art. 51 O diretor e Professores do Conservatório de Música formarão a seção ou comissão de música. Reger-se-ão todavia por suas instruções especiais, não ficando sujeitos aos regimentos da Academia senão nas disposições gerais a todas as artes. Art. 52 O ensino e os concursos em Música se farão no edifício do Conservatório, onde serão dirigidos e julgados pelos respectivos Professores. Art. 53 As outras comissões ou seções não terão voto nas matérias desta seção, assim como os Professores do Conservatório não terão os objetos do ensino artístico da Academia. Excetuam-se somente os casos em que o corpo Acadêmico representar as Belas Artes em geral, e como tal tiver de dirigir-se aos altos poderes do Estado. Excetua-se também a colação dos prêmios, que será feita na Academia em sessão publica, formando o Conservatório a seção de Música. Art. 54 Para que tenha lugar a colação dos prêmios, o Diretor do Conservatório, depois do julgamento dos premiados, oficiará ao Diretor da Academia para que mande aprontar as medalhas, e se designe o dia para a distribuição dos prêmios. Art. 55 as composições originais, que tiverem dado lugar a estes prêmios, ou os autógrafos dos mesmos, ficarão em depósito na Biblioteca da Academia. 75

Pelos estatutos, foi preservada a autonomia do Conservatório no que concerne a suas questões específicas e o seu corpo administrativo, mas acabou criando uma instituição com

72

Idem, ibidem. p. 106. MELLO, Guilherme. A Música no Brasil. Imprensa Nacional: RJ, 1947. P. 222. 74 SIQUEIRA, 1972. Op. cit. p. 39-40 75 Estatutos da Academia Imperial das Belas-Artes. Decreto nº1603 de 14 de maio de 1855, Título XV, arts. 5155. In: Revista Crítica de Arte. Rio de Janeiro, nº 4, dezembro de 1981, pp. 34-53. 73

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dois diretores, dois tesoureiros e dois secretários, com formas distintas de provimento material e pedagógico. O que temos então é uma instituição, com regulamentos específicos dentro de outra que também tem seu espaço específico de atuação. A partir desse momento é possível verificar quais eram as questões que foram comuns às duas instituições e quais foram às específicas de cada uma. Nota-se que a questão dos prêmios viagem foi um tema compartilhado por ambas as instituições, assim como a delimitação do campo artístico que estava sendo construído durante o século XIX, e que vai desembocar na diferenciação entre artista e artesão. Mesmo assim, o que a princípio possa parecer uma desqualificação, ajudou e fez parte de um processo maior, onde música, artes plásticas e literatura estavam envolvidas. A forma de classificação construída no século XIX denota muito bem esse pensamento, ainda eram as belas artes que se diferenciavam não entre si, mas dos outros ramos do saber e mesmo assim o oitocentos tratou de articulá-las, por isso há de se considerar também que o Conservatório como quinta sessão, acabou sendo beneficiada com uma estrutura, que apesar das dificuldades, vigorava desde a década de 1830, como por exemplo, a concessão do título de imperial que a Academia já possuía e o Conservatório como uma das sessões da AIBA passou a ter o direito de utilizá-lo, assim como a biblioteca e uma pinacoteca; o fortalecimento do patronato do imperador D. Pedro II e o pensionato na Europa.

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Comecemos pela Ópera

Lírica Nacional.

2.3. Ópera Lírica Nacional “Padre Nosso Lyrico” Abençoado povo que estas aqui, santificado seja o vosso nome, venhão a nós a loterias, seja feita a vossa vontade, no theatro como fóra delle. O escândalo de cada dia nos daí hoje; perdoai, artistas, as nossas dividas, assim como nós a negamos aos nossos próprios credores. Amem!!!!! A sombra de Bibi. Jornal do Commércio, 24/08/1863

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FERNANDES, Cybele Vidal Neto. Considerações sobre a “Reforma Pedreira” ou “Reforma Porto Alegre” na Academia Imperial de Belas Artes. In: ANPAP – Anais. Brasília. 1996. Disponível www.arte.unb.br

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Pode-se entender a criação de uma Imperial Academia de Música e Ópera Nacional em 1857 através de duas formas distintas, atendendo a duas aspirações que marcaram os artistas e intelectuais da primeira metade do século XIX. Em primeiro lugar, a escolha por uma companhia de ópera oferece a oportunidade ou possibilidade de reunir um grande número de pessoas para a montagem de uma obra. A produção de uma ópera exige a participação de músicos (instrumentistas e cantores), libretistas, cenógrafos, um administrador, um empresário, atores e figurinistas.

Essa

instituição vinculava-se claramente a um projeto maior, elaborado por Manoel de Araújo Porto Alegre, explicitado nos “Apontamentos sobre os meios práticos de desenvolver o gosto e a necessidade das belas-artes no Rio de Janeiro”77, que como o próprio nome indica, tinha entre seus objetivos criar a necessidade e consequentemente postos de trabalhos para os artistas nacionais e principalmente para o alunos e profissionais que sairiam dos quadros da Academia Imperial das Belas-Artes, que, como vimos, além do ensino de escultura e pintura, já reunia o ensino de música através do Conservatório. O ministro do Império menciona que o pessoal da Ópera Nacional se compunha de “três damas primeiras partes, cinco coristas, dois cantores primeiras partes, três segunda e 26 coristas, de 1 mestre da companhia e outro dos coros, 1 ensaiador, e mais empregados subalternos”. O Marquês de Olinda ainda destaca que a instituição serve de subsistência a várias famílias e que abre proveitosa carreira à mocidade predisposta a arte da música, e que deve animar os literatos nacionais.

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Com isso, a Ópera Nacional pode ser entendida como

uma das ferramentas nesse esforço pela ampliação dos postos de trabalho nas belas artes da Corte. Em segundo lugar, esse projeto também veio atender a um desejo antigo de um grupo de intelectuais – dentre os quais Porto Alegre - que procurou promover a arte nacional, ou melhor, nacionalizar a arte que se fazia em solo brasileiro como enfatizava o marquês de Olinda. A frase de Porto Alegre em que ele diz que tinha a “idéia fixa” de criar uma Ópera

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Além dos apontamentos, os escritos de Porto Alegre, principalmente os que foram feitos a pedido do Imperador em 1853 apresentam propostas nesse sentido. Ver: FERNANDEZ, Cybele Neto. Os Caminhos da Arte: o ensino artístico na Academia Imperial das Belas-Artes 1850-1890. Rio de Janeiro; Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ, 2001; SQUEFF, Letícia. O Brasil nas Letras de um Pintor: Manoel de Araújo Porto Alegre (1806-1879). Campinas, SP: editora da UNICAMP, 2004. 78 LIMA, Pedro de Araújo. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1857. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p.13-14.

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Nacional é emblemática, porque consegue traduzir as ambições de construção de um teatro nacional. Com o ambiente artístico e urbano se dilatando entre 1840 e 1860,

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a ocasião era

propícia a um investimento desse tipo “no início dos anos 50 do século XIX, as instituições artísticas já se encontravam criadas: conservatório, sociedade filarmônicas, publicações, casas de ópera, jornais com cobertura dos espetáculos”80 Antônio Giron sublinha que era “natural” nessa fase que se criasse uma empresa do tipo, que começou “nas entrelinhas dos folhetins”, para posteriormente se tornar realidade81. Na verdade, o movimento não foi assim tão tímido como sugeriu o autor; não apenas Porto Alegre já tinha escrito sobre o tema nas revistas Guanabara, Minerva Brasiliense e Niteroy como escritores como Joaquim Manoel de Macedo e Domingos José Gonçalves de Magalhães também se dedicaram a construir uma escola nacional. A eles vieram juntar-se ainda Joana Paula Manso de Noronha, Joaquim Norberto de Souza e Silva, José de Alencar, Quintino Bocaiúva e Machado de Assis comprometidos em “empreendem a campanha pela valorização do artista nacional”82 e, claro, da arte produzida no Brasil. Lilia Schwarcz considera que o romantismo “aparecia como o caminho favorável à expressão própria da nação recém-fundada, pois fornecia concepções que permitiam afirmar a universalidade mas também o particularismo, e portanto a identidade, com contraste com a metrópole, mais associada nesse contexto à tradição clássica.” 83 Com isso, foi criada a Ópera Nacional na Biblioteca da Academia Imperial das BelasArtes, sob a direção de Manuel de Araújo Porto Alegre, da qual foi secretário e um dos diretores.84 Segundo Porto Alegre, Havia os elementos precisos para a creação e progresso da Opera Nacional, [...] e tanta era a minha fé, que escrevi logo o Sebastianista para ser composto pelo senhor Stokmeir; a Noite de São João, pelo saudoso Gianini, e o Prestigio da Lei, pelo incansavel benemerito Francisco Manoel da Silva. Todos começaram suas partituras, e todos as suspenderam por falta de confiança na nova direção. 79

Em 1865, havia mais professores de piano e de canto do que dentistas e engenheiros: 74 contra 19 e 27, respectivamente, e 24 afinadores e consertadores de piano. Almanak Laemmert, 1865. Apud COELHO, 1999, Op. cit. p. 72. 80 GIRON, Luis Antônio. Minoridade Critica: a ópera e o teatro nos folhetins da corte 1826-1861.São Paulo: editora da USP; Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 158. 81 Idem, ibidem, p. 159. 82 Idem, ibidem, p. 159. 83 SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II um Monarca nos trópicos. SP: Companhia das letras, 1998. p. 128. 84 IHGB – lata 654 – pasta 8. PORTO ALEGRE, Manoel de Araújo. Apontamentos sobre a Academia das BelasArtes do Rio de Janeiro e sobre a criação de um Teatro Nacional de Ópera. Folha 2 a.

102

A meu exemplo e boa vontade accudiram logo dous poetas, o senhor José de Alencar, e o senhor Quintino Bocayuva com duas notaveis composições que foram mais tarde musicadas. 85

A empresa da Ópera Nacional era composta de dois conselhos, um artístico e outro deliberativo. Do primeiro faziam parte o próprio Porto Alegre, Manuel Antônio de Almeida, e outros literatos, além dos músicos Francisco Manuel da Silva, Gioacchino Giannini, DionísioVega, Isidoro Bevilacqua e Stockmeyer. No conselho deliberativo encontravam-se Miguel Calmon du Pin e Almeida então Marquês de Abrantes, Paulino José Soares de Souza o visconde do Uruguai e o José Pedro da Mota Saião o Barão do Pilar.86 Os dois primeiros eram grandes representantes de uma época cara a história da consolidação política brasileira. Abrantes proveniente da Bahia teve formação superior de direito em Coimbra foi ministro da fazenda de D. Pedro I, durante a Regência e no segundo reinado, dignitário da Ordem do Cruzeiro e com a Grã-dignitária da ordem da Rosa, deputado pela Bahia, e senador pela província do Ceará. Foi presidente da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, da Mesa do Recolhimento de Santa Teresa para asilo da infância desvalida, comissário do governo no Instituto dos Meninos Cegos; presidente da Comissão Promotora do Instituto dos SurdosMudos; provedor da Santa Casa da Misericórdia e presidente da Imperial Academia de Música Nacional. Paulino José Soares de Souza formava com Rodrigues Torres e Eusébio de Queirós a famosa trindade saquarema, político eminente que, circulou por todas as esferas de poder – foi deputado e presidente de província do Rio de Janeiro, ministro da Justiça, ministro dos Negócios Estrangeiros, senador e membro do Conselho de Estado (...) integrava a “geração de 1800-1833”, que sucedeu à geração dos fundadores do Império do Brasil e foi a responsável pela consolidação deste por meio do fortalecimento da instituição monárquica, da conservação da ordem escravocrata e da unidade territorial.87

Portanto, o grupo que estava envolvido com o projeto de construção de uma Ópera Nacional pertencia à elite do império, política, literária e musical. Estes homens se dedicaram

85

Idem, Ibidem. ANDRADE, 1967, Op. cit. 2º vol. p. 91. 87 MÄDER, Maria Elisa Noronha de Sá. Ordem e Civilização: a idéia de nação nos textos do Visconde do Uruguai. In: BICALHO, Maria Fernanda, GOUVEA, Maria de Fátima e SOIHET, Rachel. (org) Culturas Políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005, pág. 180. 86

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à tarefa de consolidar a Opera Nacional, produzindo inúmeros documentos sobre os problemas desta organização. Para o governo, a nova instituição era justificada como, agradável, útil, e até mesmo necessária ao País em seu presente estado de civilização (...) destinada a propagar e desenvolver o gosto pelo canto em língua pátria, e criar um Teatro Lyrico Nacional em que possa ser cultivado o natural talento e reconhecida vocação de tantos Brasileiros. 88

Em especial, a questão do uso da língua pátria não estava circunscrita apenas ao mundo da música ou das artes, era antes de tudo a articulação com um projeto de difusão e uniformização - superando as diferenças regionais - da língua nacional no ensino público primário que deveria mais do que ensinar a ler e escrever.89 Curt Lange sublinha que os objetivos que nortearam a criação da Ópera Nacional se sobrepuseram aos objetivos do Conservatório que deveria como instituição oficial preparar os cantores.90 O autor provavelmente está se referindo ao fato de que o novo conselho formado em 1858 propôs que a Academia fosse convertida em conservatório de música, no qual se tratasse de preparar artistas para formarem uma nova companhia. A justificava baseava-se no reconhecimento de que era impossível sustentar a Ópera Nacional só com as loterias e récitas o que resultava em um déficit mensal de 3:007$000 e por isso seria necessária a sua suspensão. Esta proposta acabou sendo aproveitada na sua reorganização em 27 de outubro de 1858 através do decreto de nº 2.294. Este decreto estipulou novos objetivos para a Ópera Lírica Nacional. Em primeiro lugar ficou estabelecido que a Academia deveria formar artistas nacionais, mantendo-se para isso as aulas necessárias e, em segundo lugar, dar concertos e representações de canto em língua nacional, quando houvesse teatro próprio. O Relatório do ministro conclui informando que apenas o primeiro objetivo estava sendo cumprido.91 Mesmo que entre os objetivos

88

Programma da Academia de Ópera Nacional. Anexo do Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na 1ª Sessão da 10ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1857 apud AUGUSTO, Antônio José. Os Teatros do Império. Trabalho conclusão do curso: Rituais cívicos e monumentos: Representações do poder, do Estado e da Nação, 2005. P. 29. Texto cedido gentilmente pelo autor que comporá parte de sua tese de doutorado, ainda em fase de elaboração. 89 MATTOS, 2004, Op. cit. p. 276 90 LANGE, Francisco Curt. A Música Erudita na Regência e no Império. In: HOLANDA, Sérgio Buarque. (org.) História Geral da Civilização Brasileira. 6º ed., SP, Bertrand Brasil, 3º vol. Tomo II, pág. 369-406, 1985. p. 396. 91 MACEDO, Sérgio Teixeira de. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1858. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p.19-20.

104

houvesse aulas, e essas fossem restritas ao canto e à declamação, que não existia no Conservatório, o mesmo ministro considerou o seguinte: Devo declarar-vos que, existindo um já um conservatorio de musica, no qual são mantidas diversas aulas com o auxilio das loterias que lhe têm sido concedidas, e com os rendimentos do seu patrimonio, me parece uma inutilidade a sustentação da Academia de Música, como estabelecimento de identica natureza; e por isso, tendo ouvido o parecer de pessoas competentes, tenciono reunir ambas as instituições em um só estabelecimento, dando-lhe maior desenvolvimento. Por este modo, melhorando o ensino de música em suas diversas applicações pela uniformidade e maior extensão do plano de estudos que se organizar, conseguir-sehá ao mesmo tempo notavel economia das despesas.92

Essa proposta não se concretizou, o Conservatório permaneceu como uma sessão da Academia Imperial das Belas Artes e foi extinta a Imperial Academia de Música e Ópera Lírica Nacional.93 José de Alencar entende de outra forma a relação do Conservatório com a Academia de Opera Nacional, que corrobora as idéias de Porto Alegre e que parece que prevaleceu na criação desta Academia. Em 17 de dezembro de 1854, José de Alencar se referiu à situação do Teatro Lírico, que estava naquele momento na ordem do dia, como estando em desordem. Momentaneamente, o remédio seria interromper pelo menos por um mês os espetáculos para que os cantores inválidos pudessem se restabelecer. Além disso, os caprichos que até aquele momento eram privilégio das primas-donas que poderiam se estender também para as “comprimárias” e não demorariam a passar para as coristas e comparsas. Ademais, o regulamento de teatro até que possuia algumas disposições acertadas, porém, não estava sendo cumprido em sua totalidade, segundo Alencar a diretoria deveria fazer cumprir o regulamento e não permitir as faltas dos cantores, manter a noção de ordem. Alencar aponta que a questão do teatro lírico foi uma questão de gabinete, mas diante dessa situação, o escritor sugere que o governo pode encontrar o remédio para o mal do teatro lírico no Conservatório de Música “dirigido pelo hábil professor o Sr. Francisco Manuel da Silva”. Segundo Alencar, as alunas, que possuem o gosto e a aptidão necessária para se fazerem coristas e comprimárias, podem suprir as empresas, possibilitando assim a contratação na Europa das primas-donas, apesar de todas as dificuldades financeiras que 92

Idem, Ibidem. FILHO, João Almeida Pereira. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1858. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p. 54. 93

105

acompanhavam a escola, pois segundo Alencar as loterias eram insuficientes para sustentar a instituição. 94 As dificuldades financeiras transparecem desde o primeiro relatório do ministro do império, segundo o marquês de Olinda mensalmente os gastos com funcionários excedia 6:000$, com o produto e receita das quatro loterias concedidas pela assembléia Geral e mais duas da assembléia provincial, “mal poderia ela ter ocorrido a toda a despesa, se não fosse socorrida por alguns amigos desta patriótica instituição. Estes recursos extraordinários não poderão ocorrer por longo tempo.”95 Em 1859, o governo celebrou com José Amat um novo contrato para a manutenção de uma Ópera Lírica Nacional, diz o ministro que depois de extinta, tratou o governo de estabelecer as condições para a concessão dos favores concedidos pela Assembléia Geral legislativa para a manutenção de uma Ópera Lírica Nacional através do decreto 2.611 “cujas estipulações acautelarão convenientemente os interesses da fazenda publica, estabelecendo as seguranças necessárias para que tenhão a devida applicação os auxílios concedidos pelo thesouro.”96 É marcante que a historiografia caracterizou as suas ações sempre de forma negativa, sempre apontando que Amat não agia de forma correta com os artistas, esquivandose do comprimento de suas obrigações como empresário da instituição.97 Posteriormente o ministro do império irá dizer que “Por amor da justiça cumpre reconhecer que o empresario tem-se esmerado em cumprir exatamente todas as obrigações do contrato”.98 Superada a crise, o que importa é o que o Jornal do Commercio publicou em nota a sua opinião a respeito da instituição da Academia na cidade, segundo o periódico a “ópera nacional é uma carreira nova que se abre aos nossos artistas e um campo ameno e fértil que se deve desveladamente cultivado pelos literatos e compositores do País”. 99

94

ALENCAR, José de. O Teatro Lírico – O Conservatório de Música – Uma nova cidade – Nova loja na Rua do Ouvidor – Sessão magna no Instituto Histórico. (17 de dezembro de 1854). In: A correr da Pena. São Paulo: Martins Fontes, 2004. pp. 146-155. 95 LIMA, Pedro de Araújo. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1857. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p.13-14. 96 SARAIVA, José Antônio. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1860. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p.41-42. 97 Essa polêmica foi trabalhada por ANDRADE, Ayres. Francisco Manoel da Silva e seu tempo 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos. Rio de Janeiro: Secretaria de Educação e Cultura, 1967. 2º vol. P. 83-109. 98 SARAIVA, José Antônio. Relatório da repartição dos negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1860. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p.41-42 99 Jornal do Commércio. Apud ANDRADE, 1967. Op. cit. 2º p. 190.

106

No contrato do governo imperial com a Academia, era sua obrigação realizar apresentação de “cantatas e idílios, de óperas italianas, francesas e espanholas, sempre no idioma nacional, e a montar, uma vez por ano, uma ópera nova de compositor brasileiro”. 100 O que acabou por promover o Conservatório através da apresentação de obras de seus professores e alunos, a articulação das duas instituições propiciou uma ampliação da participação e visibilidade dos membros do Conservatório, pois a escola de música cabia formar o artista brasileiro e a Academia apresentar suas obras, o que foi garantido pelo regulamento

da

Academia,

tornando

uma

obrigação

do

conservatório

auxiliar

permanentemente. Assim, a Ópera Nacional nasceu para criar uma ópera brasileira e acabou por auxiliar o Conservatório de Música de duas formas distintas. Ao governo cabia viabilizar um local para o funcionamento da Academia, e o local escolhido foi o Teatro Lírico Fluminense, através da concessão do monopólio durante 8 anos: nenhum teatro subvencionado pelo Governo Imperial faria apresentações de óperas líricas em língua nacional.101 Dessa forma estava garantido aos alunos do Conservatório o meio material necessário para mostrarem suas obras, garantido o direito de prioridade. Antônio José de Araújo e Joaquim Norberto de Souza eram os empresários

102

a administração da empresa foi

delegada a José Zapata y Amat, a fiscalização pela parte lírica ficou a cargo do diretor do Conservatório Francisco Manuel da Silva103, que é claro daria prioridade aos seus alunos apresentação de obras, meio inclusive de promover a escola, não a toa que é possível verificar que as peças, instrumentistas e coristas, apresentadas durante o funcionamento da Academia eram do Conservatório. Desde a inauguração da Ópera Nacional é possível verificar a presença dos alunos do conservatório trabalhando nessa empresa, em 1856 o então ministro do Império já aventava a criação da Academia, dizia ele que a aula de canto estaria “destinada a crear a opera lyrica nacional, trato de dar-lhe animação e o possivel desenvolvimento”.104 Em 1857 o marquês de Olinda destaca a atuação profissional dos alunos do Conservatório

100

ANDRADE, 1967. Op. cit. 2º vol. p. 91. Idem, Ibidem. p. 91-92. 102 AN- Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 36 – folha 43. 103 AN- Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 36 – folha 14. 104 FERRAZ, Luiz Pedreira do Coutto. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1856. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p. 78-79. 101

107

segundo o ministro “tem alunos exercendo a profissão, não só nos magistérios em colégios, e casas particulares, mas também no serviço da capela imperial e no teatro lírico.”105 Em 1861 foi registrado pelo ministro José Ildefonso de Souza Ramos que o Conservatório de Música Este estabelecimento, que tão efficazmente deve concorrer para o progresso da arte musical, vai apresentando satisfactorio desenvolvimento [...] Muitos d’elles forão contemplados na distribuição dos premios da academia das bellas artes e outros achão-se empregados na opera lyrica nacional. Entre estes ultimos merecem especial mensão os artistas Antonio Carlos Gomes, autor da opera – Noite do Castello – já representada com applauso n’esta côrte, e Domingos José Ferreira, que acaba de concluir uma composição semelhante. Esses honrosos exemplos vão sendo seguidos por outros

Ademais o secretário da Academia era Porto Alegre, mesmo que por pouco tempo, e procurou promover a imagem da Academia Imperial das Belas Artes em uma instituição útil, política institucional que ao que tudo indica estava sendo bem sucedida. Ainda é possível verificar na documentação referente à Academia de Ópera Nacional que se encontra junto com a documentação da Academia Imperial das Belas Artes e do Conservatório de Música depositadas no Arquivo Nacional - o que sugere que as questões referentes a empresa lírica passavam necessariamente pelas duas instituições educacionais -, que Francisco Manuel da Silva subtraiu boa parte das obrigações delegadas a Amat, era o músico que fiscalizava não apenas a parte lírica mas também a gerência da nova instituição, reclamando as loterias atrasadas junto ao governo, providenciando todo a papelada necessária para o funcionamento. Se nos assuntos do Conservatório o seu diretor tinha necessariamente que discutir tudo com o diretor da Academia das Belas Artes, já que o primeiro está subordinado ao segundo, nos assuntos da Ópera Lírica este se reportava diretamente ao Ministro do Império, pasta responsável pela empresa lírica. Mesmo com a desativação da Academia de Música e Ópera Lírica em 12 de maio de 1860, um mês depois o governo faz um novo contrato, agora com uma empresa que tinha nome diferente mas da qual ainda participavam praticamente as mesmas pessoas. Era mais uma continuação e reforma do que o fim da Academia, agora denominada de Companhia da Ópera Nacional e Italiana. Essa reformulação se deu pela improbidade administrativa de José Amat.

105

LIMA, Pedro de Araújo. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1860. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p. 12.

108

O que nos leva a segunda forma de promoção do Conservatório com a criação da Academia de Ópera Nacional que era o “sustento e educação de quatro a oito alunos de ambos os sexos, por conta da Academia”106 esses alunos obviamente não seriam formados pela Academia já que esta não era obrigada a dar educação musical a ninguém, essa função cabia ao Conservatório, que acabou ganhando mais uma forma de financiamento. Para a Ópera Nacional foi criada uma forma de subvenção em que sócios e acionistas cooperavam com 500$000 (pouco menos que o salário anual dos professores do CM) a ser paga em duas vezes, contudo o que nos interessa no momento que além dessa subvenção o governo autorizou a extração de loterias e parte do montante estava reservado para sustentar os alunos do Conservatório em bolsas de estudos na Europa. A ligação entre as duas instituições foi importante tanto para uma quanto para a outra, elas se promoviam mutuamente sem concorrência, mas existiam as diferenças que no final foram preponderantes para a extinção de uma delas. A empresa chegou até 1864, mas para o governo naquele momento não era mais interessante manter investimentos e esforços na manutenção desse tipo de empresa, a guerra do Paraguai acabou deslocando as atenções dos dirigentes imperiais e o patriotismo deveria a partir de agora se manifestar de outras formas, e entre uma e outra a manutenção do Conservatório foi preservada exatamente por ser uma instituição mais estrutural no ambiente musical do Rio de Janeiro que uma companhia de ópera.

2.4. O Prêmio Viagem A Academia Imperial das Belas Artes instituiu o prêmio de viagem à Europa em 1845, na gestão de Felix Taunay. Em 1849, Porto Alegre escreveu para a revista Guanabara uma dura crítica à Academia das Belas Artes, às premiações dos salões e ao prêmio viagem, apontando as irregularidades no concurso para o prêmio viagem, sobretudo, no caso do pintor Pallière. Araújo Porto Alegre colocou em dúvida a seriedade da instituição e de seu corpo de professores. 107 Mesmo assim, Fernandez considera que foi Taunay foi que empreendeu,

106

ANDRADE, 1967. Op. cit. 2º vol. p. 91. Sobre o caso de Pallièrre ver FERNANDEZ, Cybele Neto. Os caminhos da Arte: o ensino artístico na Academia Imperial das Belas-Artes 1850-1890. RJ; Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ, 2001. 85-87. e GALVÃO, Alfredo. Subsídios para a história da Academia Imperial e das Escola Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Belas Artes, 1954. 107

109

as medidas necessárias para que a instituição realmente desenvolvesse o seu papel, como promotora do ensino da arte nos moldes acadêmicos [...] Para tanto, Taunay tomou medidas definitivas para que a Academia se fortalecesse e exercesse um papel ativo e relevante nos meios culturais do país. 108

Das medidas tomadas, uma foi transformar a exposição de final de ano em Exposição geral e outra transformar a academia em órgão de consulta do Governo. A primeira atuaria como um local privilegiado para a apresentação dos trabalhos de membros da Academia assim como os demais artistas nacionais e estrangeiros. A segunda promoveria o trabalho na instituição, tornando-a “responsável pela supervisão e orientação das obras de arte e do urbanismo desenvolvidas no território nacional”.109 Segundo a autora, Taunay conseguiu junto ao governo, justificar a academia como um mecanismo capaz de exercer atividades específicas, que só a ela cabiam. Nesse sentido, contribuindo para regulamentar as atividades artísticas quanto à adequada formação profissional e às possibilidades de aplicação de conhecimentos que só ao artista estava designado exercer,110 o que foi reforçado posteriormente com a administração de Manoel de Araújo Porto Alegre. Segundo Letícia Squeff, o prêmio viagem fazia parte da rotina da escola, porém faltavam regras claras para a concessão do prêmio assim como dos próprios objetivos de tal recompensa. O que veio a permitir “alguns abusos” como no caso do neto de Grandjean de Montigny.111 Por isso, após a Reforma Pedreira, a questão do prêmio viagem torna-se motivo de desavenças internas, a escolha para onde ir foi um ponto de dissensão dentro da Academia em suas várias sessões. Essas divergências estavam basicamente divididas em três opções de para onde se deveria mandar os alunos estudar. A primeira era a do professor de escultura e ornatos que dizia que a Itália seria a melhor opção, pois oferecia mais oportunidade de estudo, a segunda opção era defendida por Porto Alegre que acreditava na superioridade da França em matéria de método de ensino sobre todas as outras nações modernas, e a terceira opção era defendida por João Maximiliano

108

FERNANDEZ, 2001. Op. cit. p.75. Idem, Ibidem, p. 75. 109 Idem, ibidem. p. 75. 110 Idem, Ibidem, p. 76. 111 SQUEFF, 2004. Op. cit. p. 180. 109

110

Mafra professor e secretario da AIBA que argumentava que se o pensionista fosse pintor deveria partir para Roma, mas depois da reforma que daria base para o aluno.112 No Conservatório de Música apenas após a anexação à Academia Imperial das Belas Artes é que se começa a tomar providências para que alunos da seção de música também pudessem usufruir dessa benesse. É importante ressaltar que diferentemente do que havia sido aventado em 1841, o sentido do pensionato na Europa funciona nesse momento como um prêmio ou recompensa ao bom desempenho do aluno. Em 1841 quando se estabeleceu mandar artistas e alunos à Europa, nas bases enviadas à Assembléia Geral Legislativa foi estipulado no quarto artigo que atendia mais a uma necessidade de formação de mão-de-obra qualificada do que um prêmio, pessoas que posteriormente pudessem inclusive compor o quadro de profissionais do próprio Conservatório. Esse objetivo não foi abandonado, porém foi acrescido de outros valores na viagem de estudo à Europa. Esse prêmio foi entendido, sobretudo por Porto Alegre, como sendo a oportunidade de animar os alunos para o estudo com a possibilidade de um período na Europa, custeados pelo Estado, para o aperfeiçoamento do que já estava sendo estudado na AIBA. O prêmio deveria funcionar, antes, como incentivo a outros que porventura pudessem também desfrutar do prêmio, denominado nos estatutos de 1855 como “concursos de emulação”, por isso iam os que tivessem obtiveram um bom rendimento durante o ano. Squeff esclarece que havia contradições no regulamento sobre o prêmio, não há um princípio claro de como obter a concessão, na música os que foram para a Europa, haviam sido premiados antes nos exames realizados no CM. Oficialmente o que foi estabelecido está contido Estatutos da Academia Imperial das Belas Artes em 1855, especificamente nos títulos VI, e VIII que respectivamente previa: Dos Prêmios, art. 70 os prêmios conferidos pela Academia serão de 1º, 2º e 3º ordem. O de primeira-ordem será dado ao aluno brasileiro mais distinto da Academia, e constará de uma Pensão anual na Europa pelo tempo que lhe for designado na conformidade do art. 76 Os de segunda-ordem são os conferidos aos artistas que mais se distinguirem nas Exposições públicas, ou aqueles a quem a Academia julgar dignos destas distinções por seus trabalhos artísticos. Nestes trabalhos se compreendem monumentos, decorações de edifícios, estátuas nas praças públicas, medalhas, cenários, e enfim

112

FERNANDEZ, 2001, Op. cit. p. 103.

111

qualquer objeto de arte, que não podendo ser exposto na Academia deva não obstante ser premiado por seu merecimento transcendente. Os de terceira-ordem serão distribuídos pelos alunos durante o ano escolar nos Concursos de emulação, e nas exposições finais. Art. 71 O aluno que dentro de um ano se não utilizar do Prêmio de primeira ordem sem motivo justificado, perderá o direito à Pensão do Estado, e não poderá obtê-la segunda vez na mesma arte. Art. 72 Os prêmios de segunda ordem poderão ser conferidos por muitas vezes ao mesmo individuo, e constarão de medalhas especiais ou distintivos que o Corpo Acadêmico Solicitará do Governo Imperial. Art. 73 O de terceira ordem constarão de medalhas de ouro e prata semelhantes as que até agora têm sido conferidas. Art. 74 O aluno que obtiver a primeira medalha em uma classe de estudos, ou matéria de concurso, não poderá ter a segunda vez pelo mesmo motivo.

Dos pensionistas do Estado. Art. 75 Os Concursos para o prêmio de primeira Ordem sé se farão depois da Exposição anual, de que trata o artigo 64 e depois de fechada a Academia. Esta disposição só terá vigorar enquanto não houver no edifício os cômodos próprios para esta sorte de concursos. Art. 76 De três em três anos partirá um Pensionista, o qual ficará seis anos na Europa se for Pinto, Escultor, ou Arquiteto, e quatro se for Gravador ou Paisagista. Art 77 Os pensionistas seguirão as instruções que lhes forem expedidas pelo Corpo Acadêmico, depois de aprovadas pelo Ministro de estado dos Negócios do Império, e as recomendações do mesmo Corpo, e deverão corresponder-se com o Diretor freqüentemente sobre o estado de seus trabalhos, e a maneira por que forem desempenhando as ditas instruções.113

Mesmo que nos estatutos elaborados na Reforma Pedreira não se cite especificamente regras para os alunos de música, as normas eram para a instituição, e como o Conservatório era uma sessão da Academia então valia para seus alunos, já que a questão não é artística ou estilística, mas, burocrática e foi esse regulamento que parece ter sido o guia na regulamentação dos pensionistas. Nesse caso vale lembrar o artigo 51, que prevê que o diretor e professores formarão a sessão ou comissão de música, porém estes “reger-se-ão por instruções especiais, não ficando sujeitos aos Regulamentos da Academia senão nas disposições gerais a todas as artes”.

114

É a oportunidade de conhecer o que são essas

instruções especiais. No Conservatório a escolha de onde mandar o aluno poderia ser era um pouco mais simples, já que não há documentos referentes a esse tipo de discussão. É de se 113

Estatutos da Academia Imperial das Belas-Artes. Decreto nº1603 de 14 de maio de 1855, Título XV, arts. 5155. In: Revista Crítica de Arte. Rio de Janeiro, nº 4, dezembro de 1981, pp. 34-53. 114 Titulo V – seção XV – Da Música. Estatutos da Academia Imperial das Belas-Artes. Decreto nº1603 de 14 de maio de 1855, Título XV, arts. 51-55. In: Revista Crítica de Arte. Rio de Janeiro, nº 4, dezembro de 1981, pp. 34-53.

112

supor que a Itália era o caminho lógico para o estudante de música, devido ao predomínio no campo da música da estética italiana, principalmente pela soberania do gênero maior do século XIX, a ópera. Na ata da sessão de 20 de março de 1857, é apresentada a proposta da 5º sessão da Academia indicando o aluno de contraponto e composição Henrique Alves de Mesquita para ir estudar na Europa como pensionista do Estado, premiado o ano anterior com a grande medalha de ouro. A sua indicação foi aprovada por unanimidade. Mas o diretor traz a questão de para qual cidade se deve mandar o pensionista, se para Paris ou para Bolonha. Por indicação do diretor da Academia ficou decidida Paris, se por acaso o aluno não se der bem de saúde irão manda-lo para Bolonha ou quando a academia decidir.115 A escolha por mandar o pensionista de música para a França foi de Manoel de Araújo Porto Alegre, em concordância com o que acreditava ser o melhor no ensino artístico naquele momento. A França como berço da civilização poderia oferecer um bom método de ensino116 na música, “a França também constituía uma outra tendência, sensível ao colorido harmônico e orquestral e de contagiante vivacidade, especialmente na música teatral, a ópera cômica e a opereta”117, o conservatório de Paris representava ainda, segundo Volpe, uma escola conservadora por estar “centrada

na composição teatral”.118 O professor de harmonia da

instituição francesa, com quem Mesquita teve suas lições, também é tido como conservador, sua obra estava centrada ainda na opéra comique. Há um detalhe importante nesta indicação, apesar de Henrique Alves de Mesquita não ter iniciado seus estudos no Conservatório, pois estudou no Liceu Musical de propriedade de dois professores do Conservatório Gioacchino Giannini e Dionísio Vega, foi indicado ainda assim como se fosse aluno formado pelo Conservatório. Talvez por isso explique-se a nota que saiu no O Brasil Musical afirmando que Mesquita não era aluno do Conservatório como andam dizendo pela cidade.119 Mesquita já era musicista com uma certa formação. Em 1854 publicava uma modinha de nome O Retrato; em janeiro de 1857 o periódico dedicado à música A Abelha Musical

115

MDJ – pasta 6152 – Ata de sessão de 20 de março de 1857. FERNANDEZ, 2001. Op. cit. p. 103. 117 VOLPE. Maria Alice. Compositores Românticos Brasileiros: Estudos na Europa. In: Revista Brasileira de Música. Rio de Janeiro, 21: 51-76, 1994-95. p. 53. 118 Idem, Ibidem. p. 53. 119 O Brasil Musical. 1857. 116

113

publica uma ária para soprano e o romance da ópera Noivado em Paquetá.120 Mas terminou o curso de contraponto no Conservatório do Rio de Janeiro em 1856 conseguindo a grande medalha de ouro na premiação que a escola realizava anualmente.121 Ainda assim lhe foi concedido o prêmio. Essa era uma questão importante, premiar alunos que não tivessem feito seus estudos na Academia havia sido o motivo de críticas por parte de Porto Alegre à administração de Felix Taunay e à premiação de Pallière. Mas ao que tudo indica esse detalhe desaparece em sua administração, pois o dito aluno foi para a Europa e lá permaneceu às expensas inicialmente do Estado e posteriormente da Ópera Nacional. Mas ocorreu um problema: mesmo os estatutos deixando claro que o Conservatório estaria regido por suas normas, a concessão do prêmio viagem era para os alunos da Academia e o Conservatório como 5º sessão também estaria sujeito aos regulamentos da instituição. O processo de concessão do prêmio ao primeiro aluno da escola de música, porém, sofreu um embaraço. No dia 20 de março de 1857, ao que tudo indica, o diretor da Academia deveria ter ido com o aluno para apresentá-lo ao ministério do Império como o novo pensionista da AIBA, na ocasião Porto Alegre escreve um pequeno texto em que explica que não pode se ausentar do prédio da Academia. Manoel de Araújo Porto Alegre diz que não sendo possível ir pessoalmente apresentar o Sr. Mesquita por estar em reunião da Academia e também por estar concluindo os planos do Conservatório manda por escrito a apresentação.

122

Parece que para

o diretor da Academia o assunto já estava resolvido com a escolha da congregação da instituição quando indicou o novo pensionista, pois manda o aluno sozinho com uma carta de apresentação. Mas parece que a resposta foi negativa, por isso o diretor novamente escreve uma carta informando que: Em resposta á obsequiosa carta V.EX. tenho a honra de declarar o seguinte: O pensionista Henrique Alves de mesquita deve ficar 4 annos na Europa. Deve ir para o Conservatório de Pariz, e no caso de encontrar no clima da França um inimigo de sua saúde, partirá para a Itália afim de estudar no Conservatório de Bolonha, um dos mais antigos e afamados. Pelo tudo está de accordo com o Sr. Francisco Manoel da Silva123 120

SIQUEIRA, Baptista. Três vultos Históricos da Música Brasileira: Mesquita-Callado-Anacleto. D. Araújo, 1969. p. 46-47. 121 ANDRADE, 1967. Op. cit. 2º vol. P. 198. 122 AN- Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 17 – folha 155. 123 Ibidem – folha 154.

114

Foram sem efeito as explicações de Porto Alegre porque, seis dias depois, ele escreve duas cartas, a primeira foi destinada ao Ministro do Império onde expõe a situação: Desejando a Academia das Bellas-Artes estudar à Europa o alunno do Conservatório de Música, Henrique Alves de Mesquita; mas não estando autorizada a fazel-o porque nos Estatutos só se concede este favor aos discípulos das artes do desenho, resolveo levar á Augusta Presença de Sua Magestade o Imperador a petição que tenho a honra de passar a V.EX. ª para aquele fim, rogando a V.EX. ª que se digne proteger esta resolução da Academia. 124

Segundo o texto, eram os estatutos que estavam embaraçando o aluno de música receber o seu prêmio, muito provavelmente a interpretação dos estatutos por parte de um funcionário do ministério do Império. Talvez por isso o diretor da Academia escreve diretamente para o então ministro Pedro de Araújo Lima o Marquês de Olinda. A segunda missiva parece ter sido enviada ao imperador, onde o diretor suplica o beneficio em favor da arte musical. A Academia das Bellas Artes em sessão no dia 20 do corrente [por] proposta da quinta secção resolveo supplicar a Vossa Magestade Imperial a graça especial de mandar estudar á Europa o alumno do Conservatório de Musica, Henrique Alves de Mesquita, premiado com a medalha de ouro no anno passado por [ter] talento como contrapontista. Especificando o artigo 76 dos Estatutos [...] a quantidade dos pensionistas, e desejando a academia e se aproveite opportunamente o talento d’este jovem compositor [...] com todo o respeito e acatamento [...] requerer mais este favor, em beneficio da arte de Jose Mauricio, do padre [...] e de Marcos Portugal. Academia Imperial das Bellas Artes, em 26 de março de 1857. Manoel de Araújo Porto Alegre, Director. 125

Nessa carta o problema já parece ser outro, a quantidade de pensionistas que já estavam na Europa, que no caso se tratava de Vitor Meireles, pensionista pelo período de 1853-1857 e 1858-1861.126 Realmente os estatutos não esclarecem a quantidade de pensionistas que devem seguir viagem, nem no total nem por sessões, apenas o que foi determinado no art. 76 e nesse período Meireles era o único a estar na Europa. Talvez ocasionado por esse problema é que em 25 de abril de 1857 é feito um documento dando instruções de como o pensionista deveria proceder na Europa. O documento 124

Ibidem – folha 153. 26 de março de 1857. Ibidem – folha 156. 126 FERNANDEZ, 2001. Op. cit. Quadro 6 e 8. p. 343 e 349. 125

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composto de 17 artigos não esclarece como o aluno do Conservatório irá obter a bolsa, apenas que será uma escolha do corpo acadêmico das Belas Artes. Dentre as obrigações é fundamental entender quem deveria ir, o programa de bolsas não estava destinado a qualquer aluno da sessão de música mas a formar compositores, que deveriam ir à Europa para aperfeiçoar o estudo da música e do contraponto, quer dizer em última instância se aperfeiçoar na arte de compor. 127 Por isso as instruções determinam que o pensionista empregue o maior esforço em freqüentar concertos e reuniões em que se executem a música clássica, deve semestralmente enviar, além das lições e exercícios mais prosaicos, também logo que compuzer ou escrever alguma obra, que mereça a approvação do Conservatorio em que tiver estudando, ou de algum professor de nomeada, envial-a ao Director do Conservatorio de Música do Rio de Janeiro”, assim como, “remetter ao Conservatório do Rio de Janeiro copias dos regulamentos e methodos adoptados no Conservatorio de Paris, e nos outros que frequentar, e bem assim as obras classicas e noticias, cujo conhecimento possão interessar ao estudo e progresso da música no Brasil.

O que é repetido no 15º artigo “dar noticia ao Director do Conservatorio de Música do Rio de Janeiro da existencia que quaesquer obras classicas, que possão ser uteis ao referido estabelecimento”128 O que nos chama a atenção é a ênfase no tipo de música a que o aluno deve estar atento. O repertório que estava sendo executado nas cidades européias e a organização administrativa dos conservatórios do velho mundo. Uma busca por equiparação do Brasil à cultura musical vigente na Europa e, como já foi dito, inserir o país no circuito musical civilizado, tornando o pensionista um emissário das boas novas musicais. Superados os desencontros, e regido por instruções especiais, parte em julho de 1857 Henrique Alves de Mesquita para Paris, onde se matriculou no Conservatório desta cidade na classe de harmonia de François Emmanuel–Joseph Bazin. 129 127

Contraponto “é parte integrante do estudo de composição musical, ao lado de acordes”. SINZIG, Frei Pedro. Dicionário Musical. 2º edição. Rio de Janeiro: Kosmos, 1959. P. 177-178. 128 Correspondentemente aos artigos 4º; 5º; 7º; 14º e 15º. FERRAZ, Luiz Pedreira do Coutto. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1856. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. Especificamente o anexo O p. 2-4, foi mandado executar a partir de 25 de abril de 1857, provavelmente em resposta a dificuldade de concretizar a escolha da AIBA por mandar o aluno Henrique Alves de Mesquita um mês antes da publicação dessas instruções. 129 ANDRADE, 1967. Op. cit. vº 2. p. 198.

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Como pensionista do governo, o aluno deve cumprir algumas obrigações, além de mandar o material de estudo e uma peça, este deveria, assim que chegar a cidade, em quinze dias, se apresentar ao ministro brasileiro. Nessa instrução é importante dizer que a maioria não procurava o representante brasileiro com a freqüência desejada; nos ofícios do cônsul consta a dificuldade de se saber a quantidade de brasileiros residentes na capital francesa, exceto alguns pensionistas do governo brasileiro de que se tinha notícia.130 Ao chegar em Paris o aluno não procura nem o consulado e nem embaixada brasileira. A partir de agosto desse mesmo ano a Academia começa a solicitar que o ministério do Império entre em contato com o ministro brasileiro em Paris afim de se ter noticias do pensionista que até aquele momento estava desaparecido. Em 10 de agosto o então diretor da Academia das Belas Artes, Thomaz Gomes dos Santos, solicita ao ministro do império que entre em contato com a legação do Brasil para que procure notícias do procedimento do pensionista que até aquele momento não tinha escrito, esquecendo de suas obrigações escolares e de seus deveres como pensionista do governo.131 Em 6 de novembro de 1858 o diretor da AIBA, reitera o pedido de informações ao ministro do império para entrar em contato com Paris afim de se ter noticias do pensionista.

132

A

resposta veio da segunda seção do ministério do Império dizendo ter enviado um aviso em 11 de setembro ao ministro brasileiro em Paris pedindo informações a respeito do procedimento de Henrique Alves de Mesquita.

133

Em 3 de dezembro o mesmo funcionário do ministério

envia um ofício ao diretor da AIBA em que informa o diplomata ter recebido os despachos dos dias 11, 14, 29 e 30 de setembro e 5 de outubro e sua resposta, onde passa uma representação de Henrique Alves de Mesquita em que o aluno explica a sua falta e pede desculpas por não ter dado noticias até aquele momento. 134 O professor de Henrique Alves de Mesquita envia um documento em 20 de julho de 1858 em que diz “Je me fais um plaisir de certifier que jusqu’a ce jour Mr. Henrique Mesquita, qui suit mon cours d’harmoni, traivaille avec assiduité. Je constate aussi, qu’il a 130

Itamaraty – ofícios entre o consulado brasileiro em Paris e o ministério do império. AN - Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 17 – folha 317. 132 Ibidem, – folha 353. 133 MDJ - pasta 2123. Documentos relativos ao pensionista Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris, 10 de novembro de 1858. Doc. 2. 134 MDJ - pasta 2123. Documentos relativos ao pensionista Henrique Alves de Mesquita, baseado em Paris. Extrato do ofício do Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil em Paris de 3 de dezembro de 1858, a que se refere o aviso desta data. Doc. 3. 131

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obtenu de trés heureux resultats dans ses estudes”, reconhecido pelo Cônsul do Brasil em Paris em 2 de dezembro de 1858. 135 Enquanto Mesquita permaneceu em Paris, a partir desse momento, cumpriu com todas as suas obrigações como pensionista do governo brasileiro. Entre as obras que produziu enquanto estava na Europa estão “Ouverture L’etoile du Brésil, a quadrilha Noites Brasileiras e outros trabalhos menores”136 esses últimos provavelmente eram os exercícios de composição que o aluno tinha que fazer quotidianamente. A primeira peça enviada por Mesquita foi executada em 1861, na distribuição dos prêmios que ocorria no Conservatório. Desse período é também uma Missa que foi executada na Igreja da Cruz dos Militares em 26 de agosto, e por fim uma ópera, O Vagabundo, que foi um sucesso no Rio de Janeiro, tendo sua estréia em 24 de outubro 1861 no Teatro Lírico Fluminense. 137 Ayres de Andrade ainda destaca que existe um bom número de obras sacras compostas na primeira fase de sua carreira, talvez por orientação do diretor do Conservatório que prezava o repertório sagrado. Maria Alice Volpe considera Mesquita como o primeiro compositor romântico brasileiro que foi estudar na França. Mesmo tendo se desligado do Conservatório de Paris, Mesquita “assimilou a música que predominou entre o grande público francês até 1870, compondo operetas, óperas, e música para piano popular (tango, valsa, polca, quadrilha)”.138 No relatório do ministro José Ildefonso de Souza Ramos em 1861 o aluno Henrique Alves de Mesquita mereceu os melhores elogios. Diz o ministro que Mesquita já remeteu parte de uma ópera e revela um aproveitamento notável por isso o governo decidiu prorrogar por mais 18 meses o prazo de quatro anos para este pensionista, cessando, porém, a pensão de 3,000 francos que lhe era fornecida por conta do Estado, e que ficou substituída desde abril de 1857, pela de 150$000 reis mensais, com que é subsidiado pela empresa de ópera lírica como reza o contrato.139 O pensionista foi para a Europa inicialmente subsidiado pelo Estado, entrou na folha de pagamento da Academia das Belas Artes, como é possível verificar em documento enviado 135

MDJ – pasta 2132 – Cópia de atestado de freqüência escola de Henrique Mesquita passado por François Bazin, professor do curso de harmonia do Conservatório de Paris. 136 SIQUEIRA, 1969. Op. cit. p. 46. 137 ANDRADE, 1967. Op. cit. vº 2. p. 198-199. 138 VOLPE, 1994-95. Op. cit. p. 58. 139 RAMOS, José Ildefonso de Souza. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1861. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p. 41-42.

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ao ministro do império pelo diretor da AIBA solicitando o pagamento de despesas feitas pela Academia que não estava prevista na lei de orçamento daquele ano. São despesas diversas, entre pagamentos a fornecedores e gratificações a professores e ao diretor da instituição e entre elas está o pagamento de pensionistas na Europa. Não houve separação de quanto cada um recebia ou quanto era destinado a cada pensionista, o total para os dois alunos era de 1:500$000, nesse ano havia apenas um pensionista da 3º sessão, pintura, e outro da 5º, música, portanto quem pagou os primeiros anos do aluno de música foi a AIBA140. Para o ano financeiro de 1858-59 da AIBA o gasto com dois pensionistas somava 1:066$668. 141 Depois de alguns pedidos do diretor do Conservatório para uma verba extra para trazer de volta o pensionista, um mês antes de terminar o prazo final de retorno, o governo através do Marquês de Olinda determina que o ministro do Brasil em Paris efetue no paquete francês do mês de agosto o regresso ao Brasil, por conta de dois meses da subvenção dada pela ópera lírica nacional. 142 O segundo pensionista da quinta sessão que foi à Europa as expensas da Ópera Lírica é um nome já muito conhecido, Antônio Carlos Gomes. A respeito da figura de Carlos Gomes é necessário advertir que este será tratado neste trabalho de forma abreviada, devido à amplitude de sua carreira e da existência de muitos estudos a seu respeito. Por isso, será privilegiado o período que compreende a sua ida para Europa e seu retorno quando este deixa de ser aluno do Conservatório e sua ligação oficial com a instituição acaba. Carlos Gomes matriculou-se no Conservatório do Rio de Janeiro em 1859, ano em que chegou ao Rio de Janeiro, como relata o próprio compositor “principiei a estudar o contraponto neste método e debaixo da direção do maestro Jianini (sic) no dia 24 de agôsto no Conservatório do Rio de Janeiro, 1859.”143 Neste mesmo ano é premiado com menção honrosa de 1º classe na aula de contraponto. A medalha de ouro foi concedida ao aluno Domingos José Ferreira e o aluno João Rodrigues Côrtes recebeu a menção honrosa de 2º grau, na cadeira dada por Giannini.144 No ano seguinte, 1860, Carlos Gomes é o único aluno a 140

AN- Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 17. Folha 382. 10 de fevereiro de 1859. 141 Ibidem, - Folha 383. 10 de fevereiro de 1859. 142 MDJ – 2265 – Oficio da 4º sessão do Ministério do Império e do Diretor do Conservatório de Música ao diretor da AIBA, relativos a prorrogação do prazo do pensionista Henrique Alves de Mesquita. 01/05/1861 – 07/07/1862. 143 Carlos Gomes. Apud ANDRADE, 1967. Op. cit. 2º vol. p. 175. 144 MDJ – pasta 82 – listagem com premiações dos alunos da AIBA e do CM aprovados em sessão da congregação de professores, 11 documentos. 16 de dezembro de 1859.

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receber a medalha de ouro na aula de contraponto,145 merecendo por parte do diretor do Conservatório de Música um pedido para que a Academia Imperial das Belas Artes levasse ao governo imperial a solicitação para conceder-lhe uma condecoração pelo incansável estudo nas aulas de contraponto, pela composição de uma cantata dedicada à Imperatriz executada na festa no conservatório, por compor um Oratório executado na Igreja de Santa Cruz dos Militares para a festa de Nossa Senhora da Piedade, e, finalmente, pela composição da ópera A Noite do Castelo.146 Esta ópera mereceu comentários do ministro do império em seu relatório anual. Segundo o ministro, muitos alunos têm sido contemplados com prêmios e empregados na Ópera Nacional: “Entre estes ultimos merecem especial mensão os artistas Antonio Carlos Gomes, autor da opera – Noite do Castelo – já representada com applauso n’esta côrte (...)”147 A Noite do Castelo, sua primeira ópera, teve sua estréia no Theatro Lyrico Fluminense em 4 de setembro de 1861 promovida pela Academia de Música e Ópera Nacional e obteve uma boa recepção por parte do público e dos periódicos da cidade. O Jornal do Commercio se referiu a obra como sendo “a música dos trópicos, a harmonia de nossa terra brasileira, que o Sr. Gomes, inspiração potente, mágica, apanhou na sua grande imaginação de artista, de poeta, de Brasileiro”.148 Antonio Carlos Gomes foi escolhido como pensionista em sessão da congregação do Conservatório149 em 13 de novembro de 1863. Francisco Manoel da Silva, o diretor do Conservatório, usando de suas atribuições, comunicou à congregação da Academia das Belas Artes que o aluno escolhido para continuar a estudar, só que agora na Europa, seria Antonio Carlos Gomes, autor das óperas: A Noite no Castelo e Joana de Flandres, que deveria ir, às expensas da Empresa de Ópera Lírica Nacional, para qualquer dos Conservatórios da Itália.150

145

Ibidem - frente 2 de janeiro de 1861 no verso 3 de fevereiro de 1861. MDJ – pasta 2263 – ofício do diretor do Conservatório de Música solicitando que este obtenha do governo imperial uma condecoração para o aluno Antônio Carlos Gomes. 22 de setembro de 1861. 147 RAMOS, José Ildefonso de Souza. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1861. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p. 41-42. 148 Jornal do Commercio, 7 de setembro de 1861. Apud AZEVEDO, Luiz Heitor Correia. As Primeiras Óperas. In: Revista Brasileira de Música. edição comemorativa do centenário de Carlos Gomes. Rio de Janeiro, 1936 p. 203-204. 149 Não foi encontrada nenhuma das atas de reuniões do Conservatório, mas pelas atas da Academia Imperial das Belas Artes entende-se que a quinta sessão possuía suas reuniões independentes do resto da Academia e tendo sua própria ata dessas reuniões. 150 MDJ – pasta 6152. Ata de reunião da congregação da AIBA. 13 de novembro de 1863. 146

120

A escolha por Carlos Gomes estava amparada na trajetória do aluno do Conservatório até aquele momento. A sua primeira ópera estava marcada para ser apresentada ao público fluminense exatamente no dia em que se comemorava o aniversário de casamento do Imperador, 4 de setembro. No dia 24 de agosto, o aluno do Conservatório procura autorização do monarca para dedicar-lhe a obra. A resposta não tarda, em 31 de agosto, Paulo Barbosa da Silva, o mordomo da Casa Imperial, informa a Gomes que “o Imperador dignou-se a acceitar a dedicatoria”.151 A apresentação da ópera Noite no Castelo foi um sucesso na cidade, apesar de rumores a respeito do elenco escolhido. A obra teve várias apresentações no ano de 1861 somente no mês de setembro foram quatro récitas, uma no dia 7 para comemorar a independência, outras nos dias 11, 20 e 23, em benefício do próprio compositor. Em nove de novembro foi apresentada em benefício de Luiza Amat152 e por fim nos dias quatro e 21 de novembro em benefício de Antônio José Fernandez dos Reis. Nesse mesmo ano, o Imperador concedeu a Carlos Gomes, junto com Vitor Meireles, autor da pintura A primeira Missa no Brasil, a pedido da Academia das Belas Artes o habito da Ordem da Rosa em 20 de outubro.153 Sua segunda ópera foi Joana de Flandres, em 1863. Representada num ambiente artístico tumultuado, vivendo a crise da Ópera Nacional e do Teatro Lírico Fluminense, essa ópera distingue-se da primeira por dois motivos, segundo Luiz Heitor Azevedo esta não possuiu o italianismo predominante na primeira e em segundo lugar, o libreto oferecia um outro tipo de tema a ser trabalhado pelo compositor da música, o libretista Salvador de Mendonça elaborou uma história sobre a pátria e o bem coletivo.

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Musicalmente o estilo

estava mudando e a pátria não estaria presente apenas no argumento da história, mas, também na música feita no Brasil, por isso, segundo Azevedo é possível encontrar “ uma certa ternura apaixonada que já se ia fixando nas modinhas e lundús do tempo”, e em não raras passagens pode-se encontrar “um melodismo quente e novo, lembra a vulgaridade incaracterística de uma barbarola à italiana” 155

151

Paulo Barbosa da Silva Apud AZEVEDO, 1936, Op. cit. p.201-145. Esposa de José Amat e fazia parte do elenco da ópera. 153 AZEVEDO, 1936. Op. cit. p. 219. 154 Idem, ibidem, p. 222. 155 Idem, ibidem, p. 222 e 230. 152

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Segundo Antônio José Augusto, o diretor do Conservatório, diante de um aluno que vinha se distinguindo, “tratou de vincular o talento do músico ao Conservatório”. 156 Como se pode perceber não apenas o diretor do Conservatório vinculou-o ao sucesso - e não apenas de Carlos Gomes mas também de Henrique Alves de Mesquita - das atividades didáticas da escola como também o governo, representado pelo ministro. Gomes assim como Mesquita principiou a estudar no Conservatório quase que completamente formado, já chegou compositor na cidade do Rio de Janeiro. Carlos Gomes em sua juventude fazia parte junto com alguns de seus irmãos de um grupo musical em Campinas - São Paulo, no qual o diretor era seu pai, Manuel José Gomes que estudou com André da Silva Gomes157, que lhe deu lições de contraponto e fuga. Curt Lange afirma que Carlos Gomes foi admitido no Conservatório do Rio de Janeiro “devido aos conhecimentos técnicos que levou do lar paterno”.158 O que sobressai das duas experiências é que o Conservatório não havia formado, desde as primeiras lições até um nível capaz de habilitar na composição, nenhum aluno para que fosse à Europa. Como já foi dito, essa era uma questão importante na reforma em 1855 da Academia Imperial das Belas Artes mas que não foi contemplada nos estatutos publicados no decreto 1.603. O que indica que o estudo na escola de música do governo serviu em boa medida de trampolim para o prêmio viagem, para apresentações das composições dos alunos na Ópera Nacional, para emprego na mesma empresa lírica e na Capela Imperial, além da distinção de ter estudado no Conservatório que mais tarde iria conferir títulos de habilitação aos alunos que lá se formavam para o trabalho com a música, o que será tratado mais adiante. Em 24 de outubro o Ministro do Império, Pedro de Araújo Lima, defere à indicação de Carlos Gomes como o novo pensionista da Academia das Belas Artes. Carlos Gomes é informado oficialmente através de um ofício redigido por Francisco Manoel da Silva, diretor do Conservatório, em 30 de outubro de 1863, em se pode ler o seguinte: Sr. Carlos Gomes. Como Director do Conservatorio de Musica da Côrte do Rio de Janeiro, lhe faço saber que tendo Vmcê sido por mim nomeado para, na qualidade de Alumno do mesmo Conservatorio, ir completar os seus estudos de composição em Milão, o Exmo. Sr. Marquês de Olinda, Ministro e Secretario de Estado dos Nergocios do Imperio, 156

Antônio José Augusto. Cap. 2 A Sociedade dos Músicos. In: A Questão Cavalier: Música e Sociedade no Brasil Imperial e Republicano. P. 56. Texto cedido gentilmente pelo autor. 157 Português, mestre de capela da Catedral de São Paulo. Músico importante no cenário musical na colônia. 158 LANGE, 1985. Op. cit. pág. 369-406,. p. 400-401.

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dignou-se approvar essa nomeação em Officio a mim dirigido com data de 27 de Outubro do corrente anno; e bem assim determinar o prazo de quatro annos para o dito estudo e com a pensão annual de 1:800$000 (moeda corrente) que lhe será paga nesse Paiz, em trimestres adiantados. Tenho ainda a communicar-lhe que pelo mesmo Ministerio serão expedidas à legação Brasileira em Turim, as recommendações necessarias para o auxiliar na sua missão, assim como para fazer cumprir as instrucções que devem regular a sua estada na Europa, das quaes Vmcê, receberá uma copia, além da que vae officialmente dirigida á dita Legação. 30 de outubro de 1863. 159

Assim que Carlos Gomes recebeu a notícia da concessão do prêmio viagem tratou logo de providenciar os meios necessários para a sua viabilização: Foi-me communicado ter sido seu designado para ir á Italia completar os meus estudos na composição musical, de conformidade com o § 7º artº 2º do contrato entre a empreza da Opera Nacional e o Governo de V. M. Imperial. Julgaria faltar á mais sagrada das obrigações, se não viesse testemunhar perante V. M Imperial o meu profundo reconhecimento por ter sido eu o designado para aproveitar o beneficio pensamento do Governo, consignado no referido contrato. Cumprindo com este grato dever, venho respeitosamente impetrar de V. M. Imperial mais uma graça da Vossa Imperial munificencia. Razões de economia e de mudança de clima aconselham que eu embarque no proximo paquete fracez, para que eu possa em fins de Dezembro proximo futuro achar-me no meu destino. Com quanto o Director do Conservatorio tenha já providenciado para, de accordo com o Inspector dos theatros e por meio de uma casa bancaria, receber na Europa a mensalidade de 150$000 rs, em trimestres adiantados, com tudo não há nada providenciado a respeito dos meios pecuniarios indispensaveis para a passagem de mar e a viagem por terra desde Bordéos, logar do desembarque, até Milão na Italia, logar em que devo completar os meus estudos; por isso preciso, pelo menos, a quantia de oitocentos mil reis para este fim. Se eu possuisse esta somma de certo, Imperial Senhor, não importunaria o Governo de V. M. para que providenciasse a este respeito, mas estou desempregado desde que José Amat terminou o seu contrato com o Governo de V. M. Imperial, há mais de hum anno, e neste tempo tenho contrahido dividas para occorer ás mais indispensaveis despezas. O producto do meu beneficio apenas chega para pagar essas dividas: considero um dever de honra, ao separar-me temporariamente de minha querida patria, satisfazer o meus credores, que tiveram a bondade de confiar em mim. Cumprido, pois, este dever, não me resta outro recurso mais que a munificencia de V. M. Imperial, para a qual jamais se apella em vão. Há um meio para se me facilitar aquella somma de oitocentos mil reis, e é authrizar o Inspector dos theatros a me fazer entrega desta quantia das mensalidades que devem ficar em seu poder, quando receber as seis loterias que foram designadas para pagamento dos artistas. Segundo o que foi combinado entre o Director do Conservatorio e o mesmo Inspector, este deve deduzir da importancia daquellas 159

CARVALHO, Ítala Gomes de Vas. A Vida de Carlos Gomes. Editora A Noite: Rio de Janeiro, 1935. Apud AZEVEDO, 1836. Op. cit. p. 242.

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loterias a quantia de 1:800$000 rs, correspondentes ás doze mensalidades do alunno, quantia que a empreza deveria ter depositado, conforme o seu contrato. Nenhuma flata póde fazer essa quantia de oitocentos mil reis para os futuros pagamentos dos alunnos, visto que além do conto de reis, que ainda ficara em deposito para esse fim, tem mais as dez mensalidades que a empreza deve entregar no anno proximo futuro, além da quantia de cinco contos quinhentos e cincoenta mil reis importancia de meia loteria que se acha depositada no Thezouro com destino especial para attender as despezas do referido alunno, depois de terminado o contrato com a atual empreza de Opera Nacional. Assim, pois, Imperial Senhor, que se acham depositados no Thesouro; 5:550$ O que deve ficar agora em poder do Juiz Inspector dos theatros; 1:800$ As dez mensalidade que a empreza deve pagar no anno p. f. 1:500$ Perfazem a somma de Rs 8:850$ O que o alunno pode despender nos quatro annos que deve estar na Europa elevase á quantia de 7:200$ Restam, pois, Rs 1:650$ Fazendo a entrega da quantia de para as despezas da viagem 800$ Fica ainda um saldo de Rs 850$ Portanto, Imperial Senhor, supllico respeitosamente á V. M. imperial se digne ordenar ao referido Inspector para que, da quantia de um conto e oitocentos mil reis que deve ficar e seu poder pelas razões expendidas, seja entregue a somma de oitocentos mil reis ao supplicante para as despezas de sua viagem até o logar de seu destino, e outrossim que, no caso que se demore ainda alguns dias o desconto das mencionadas loterias, que deve ser feito para o pagamento dos artistas, seja autorizado o referido Juiz dos Theatros a me pagar adiantada essa quantia, a qual será paga logo que se fizer o referido desconto. A. Carlos Gomes 160

A resposta ao pedido do aluno veio da quarta seção do ministério do império, que informou que os artigos 2º e 4º do contrato celebrado em 1º de setembro do ano anterior com o Dr. Araújo e Joaquim Norberto dispõem respectivamente que os empresários obrigam-se a manter a suas custas na Europa o aluno que o diretor do Conservatório designar para se aperfeiçoar na arte da composição musical, e que o governo obriga-se a auxiliar a empresa com as loterias que restam das 36 concedidas pelo decreto 979 de 15 de setembro de 1858, dispondo delas da maneira seguinte: o saldo da 13º, concluído o último pagamento devido a atual empresa, ficará depositado no tesouro nacional para, em tempo oportuno, ser aplicado às despesas com aluno do conservatório que deve ser enviado a Europa. Não há, pois, dúvida que além da quantia com que têm de concorrer os empresários da Ópera Lírica nos 22 meses de duração do seu contrato, existe no tesouro pelo menos a quantia de 5:000$ para as despesas do aluno do Conservatório de Música que for para a Europa. Porém a seção informa que

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AN- Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 36 30 de outubro de 1863.

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ultimamente se tem negado ajuda de custo para despesas de viagem para alunos da Academia das Belas Artes e mesmo para os que tem concluído os seus estudos na Europa, e necessitam voltar por conta do governo, e por isso negam o pedido de Carlos Gomes. 161 Luiz Heitor Azevedo informa que Gomes enviou este requerimento ao ministério do Império um dia depois do ministro aprovar a sua indicação, em 25 de outubro. Mesmo sem o aviso oficial, o aluno já teria escrito para o ministério solicitando auxilio, porém a data que o pesquisador informa não confere com a data do documento encontrado no Arquivo Nacional, que indica ter sido o aluno oficialmente informado para a partir daí impetrar o auxílio viagem. Segundo Luiz Heitor, o documento se encontra, quando escreve este artigo em 1936, no Centro de Sciencias, Letras e Artes de Campinas, depois de pertencer ao arquivo pessoal de Tobias Monteiro. De qualquer forma pode-se verificar que, ao ser avisado, o aluno já estava com o pedido ao ministério pronto, já que sua indicação havia ocorrido mais de um mês antes, mas o principal é constatar que Carlos Gomes conhecia bem o estado financeiro da Academia de Ópera Nacional, e os problemas decorrentes dos desacertos dos empresários, com quem vinha tendo problemas desde o início do ano de 1863 que foram parar nos diversos jornais da Corte. O atraso da estréia de sua ópera se deu talvez por rusgas decorrentes do seu desligamento dos serviços que antes ocupava na administração de José Amat, de maestro auxiliar e ensaiador dos coros. O ano começou com a esperança de poder encenar a ópera Joana de Flandres no dia três de maio, festa da descoberta do Brasil, mas esta só veio a estrear em 15 de setembro de 1863.162 O país que deveria acolher o aluno seria a Itália, e Milão seria a cidade mais procurada. Segundo Maria Alice Volpe, dos 42 estudantes brasileiros que saíram do país para estudar música na Europa no período compreendido entre o segundo reinado e início da republica, 13 deles foram para o Conservatório de Milão.

163

A procura pela Itália era uma

decorrência, no século XIX, que poderia ser considerada como “natural” devido ao grande sucesso da música italiana na América e parte da Europa. Segundo Volpe, a ópera, em especial, “conquistou o mundo pelo forte apelo expressivo de suas melodias de caráter afetuoso e sensual” além da longa tradição no ensino musical religioso e em menor grau,

161

Ibidem, AZEVEDO, 1936. Op. cit. p. 239. 163 VOLPE, 1994-95, Op. cit. pp. 51-76. 162

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como ressaltado pela autora, na música instrumental que servia como forma de “aprimoramento do aprendizado composicional”.164 Carlos Gomes foi para a Itália estudar no Real Conservatório de Milão fundado em 1807, um dos primeiros da Europa, considerado o mais importante da Itália, que treinava seus estudantes para o La Scala165 um dos grandes teatros da Europa e templo da ópera. A cidade teve um crescimento urbano importante no século XIX, tornando-se um centro industrial relevante na Itália. O início do oitocentos é tido como o principio de um novo período para a ópera italiana, especificamente com Rossini, Meyerbeer, Mercadante, Donizetti, Bellini e Verdi, que realizaram as estréias de suas óperas no La Scala. A cidade também foi um importante centro de editoras de música como a Ricordi estabelecida em 1808 por um tipógrafo que também era copista, mais tarde nomeada a editora do Conservatório de Milão. 166

Carlos Gomes parte para a Europa no dia nove de dezembro, conforme informa o Jornal do Commercio do dia oito, que lista os passageiros do vapor Paraná com destino a Southampton.167 A partir desse momento é possível acompanhar os passos do aluno do Conservatório do Rio de Janeiro em Milão através de suas cartas ao diretor do conservatório do Brasil. Ao contrário do aluno antecedente, Carlos Gomes sai do Brasil já com as devidas recomendações em mãos e lá chegando a Legação brasileira na Itália estaria esperando por ele. Talvez esse cuidado tenha sido tomado para evitar o que aconteceu com Mesquita que havia desaparecido em Paris por alguns meses. Por isso a correspondência com Francisco Manoel da Silva foi intensa e devidamente resguardada. Luiz Heitor Azevedo publicou algumas dessas cartas em seu artigo na Revista Brasileira de Música em edição comemorativa do centenário de nascimento de Carlos Gomes e o ponto em que inicia sua análise é muito importante: as condições do estudante brasileiro na Europa, em especial o nível de conhecimento que levava consigo. A rigor sabe-se que o objetivo de mandar um aluno brasileiro à Europa era o aperfeiçoamento do seu conhecimento, contudo Cybele Vidal comenta as dificuldades dos 164

Idem, ibidem, p. 53. SADIE, Stanley (org). Dicionário Grove de Música: edição concisa. Tradução Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed. 1994.p. 215 verbete Conservatório de Milão. 166 DONÁ, Mariangela Milan. In: SADIE, Stanley (org). The New Grove Dictionary of Music and Musicians. 1980. P. 290-300. 167 AZEVEDO, 1936, Op. cit. p. 245. 165

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alunos brasileiros quando iam para a Europa. A autora explica que esta dificuldade dizia respeito principalmente à relação com a língua francesa e italiana, acrescido do fato de que os cursos europeus eram muito superiores aos da Academia das Belas Artes que exigia apenas saber ler, escrever e contar e na Europa havia vários concursos, comissões de alto nível e dificuldades cumulativas. 168 Luiz Heitor é que informa que Carlos Gomes, ao chegar em Milão e procurar o Conservatório, não conseguiu se matricular, apesar de não se saber exatamente o motivo. A falta de capacidade técnica foi um das hipóteses levantadas pelo autor. Nas correspondências do aluno com seu professor aqui no Brasil três pontos foram fundamentais: primeiro a dificuldade de aclimatação, em segundo os exercícios e o direcionamento de repertório e metodológico elaborados pelo aluno e que deveria mandar para a escola de música no Brasil e em terceiro a pensão que deveria receber do governo brasileiro, maior preocupação do aluno. Em nenhum momento há uma reclamação formal ou informal de dificuldades em se adaptar ao método de ensino italiano, como ocorria com os alunos das outras sessões da Academia das Belas Artes. A primeira questão é possível acompanhar em toda a correspondência de Carlos Gomes. Repetidamente o compositor reclama do clima de Milão, que para ele era muito frio e úmido, o que ocasionou em muitas ocasiões a sua falta repetida na escola de música na Itália e, por conseguinte a falta de exercícios para mandar ao Brasil. Já na primeira carta escrita em cinco de abril de 1864 reclama do frio, diz que foi uma loucura ter chegado na Europa em pleno inverno adjetivado como diabólico pelo estudante. Na carta, Carlos Gomes chega a dizer que está com pouca coragem de permanecer na Europa, que está com vontade de renunciar aos seus estudos.169 Quando chegou a Milão teve a companhia de José Amat que lá estava afim de organizar uma companhia lírica para levar ao Brasil e animar a Academia de Ópera Nacional com novidades. Nessa ocasião serviu de interprete ao aluno do Conservatório, que como se pode perceber não conhecia profundamente a língua italiana. O trecho seguinte dessa carta traz uma dúvida a Luiz Heitor, a respeito da matricula no Conservatório de Milão; segundo Gomes: “Temos hido mais de uma vez ao Conservatorio, e hoje me acho de acordo com o Snr. Lauro Rossi para começar os 168

FERNANDEZ, 2001. Op. cit. p. 155. AZEVEDO, Luiz Heitor Correia. Carlos Gomes e Francisco Manoel da Silva: Correspondência inédita-18641865. In: Revista Brasileira de Música. Edição comemorativa do centenário de Carlos Gomes. Rio de Janeiro, 1936. p. 325.

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meus estudos, quanto antes. Logo que cheguei comecei a tomar lições conformo o regulamento que trago: porem fui obrigado de interrompel-as por encomodos de saúde.170 A partir deste trecho Luiz Heitor pergunta por que Carlos Gomes não pôde se matricular no Conservatório de Milão, mas não existe indicativo que não tenha se matriculado, parece que o único incomodo do maestro era mesmo o clima e sua saúde que o fazia interromper seus estudos. Contudo, o documento que informa que o aluno brasileiro não estava matriculado no Conservatório de Milão é o atestado de Lauro Rossi, professor e diretor do Conservatório de Milão, que José Amat traz consigo e entrega a Francisco Manoel quando volta da Itália: ATTESTATO Il Sigr. A. Carlo Gomez prende da me lezioni private di Composizione. Il Sigr. Gomez há manifesta attitudine musicale che corroborata da buoni estudi non potrá mancar di ottenere i piu prosperi risultati; egli no potè in quest’anno essere regolarmente inscritto fra gli allievi di questo Regio Conservatorio, sai per trovarsi tutte le scuole fornite del numero degli alumni voluto dal Regolamento, com’anche a motivo di aver egli oltrepassada l’etá prescritta dalle discipline del Conservatorio che non fanno eccezione sull’etá, che per i giovani che possono accetarsi a titolo di perfezionamento, alla qual cosa il Gomez potrá aspirare nel tratto cuccessivo ed appena fatto adatto dei precetti della scienza del comporre non per solo instinto ma per profonde cognizioni. Tanto dichiaro com mia intima conzione..171

Neste trecho é possível verificar que realmente Carlos Gomes não estava matriculado no Conservatório de Milão, entre os motivos alegados não consta a fragilidade dos seus estudos anteriores, mas que por questões burocráticas não seria possível a matricula imediata do jovem compositor. De fato o bolsista que saia do Brasil ia sem a menor referencia das regras existentes no conservatório que pretendia estudar. Com Carlos Gomes ainda foi possível ver que pelo menos o consulado foi informado que iria um estudante brasileiro as expensas do governo brasileiro, mas no caso de Henrique Alves de Mesquita não existe indicativo de que este contato havia sido feito, muito menos com a instituição estrangeira que deveria se encarregar de aperfeiçoar os conhecimentos dos alunos brasileiros. No Brasil não se conheciam as regras dos principais conservatórios da Europa, correndo o risco de mandar alguém com idade superior a estipulada e também com déficit de conhecimento. Nesse caso os motivos foram a idade e o número de alunos da disciplina em questão, mas é claro que o 170 171

Idem, ibidem. p. 325. ROSSI, Lauro Apud AZEVEDO, 1936, Op. cit. p. 326-27.

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professor cogita a possibilidade de matricula-lo quando este for se aperfeiçoar, e não para ter as primeiras lições. Para essas, a idade impossibilitava sua matricula, o que leva a entender que Carlos Gomes saiu do Brasil para se aperfeiçoar mas ainda não tinha condições de fazêlo. Em 20 de setembro daquele ano o vice-cônsul do Brasil em Milão informa a Francisco Manoel que mandou os cadernos de estudo do Carlos Gomes para o seu endereço. Ao contrário de Mesquita, os estudos de Gomes foram preservados e se encontram na Revista Brasileira de Música um artigo a respeito de alguns desses exercícios especificamente de fuga e contraponto e outro com as cartas de Carlos Gomes para Francisco Manoel da Silva em que pode-se entender as preocupações técnicas daquele momento e qual o nível de Carlos Gomes. Existem apenas as de Carlos Gomes para Francisco Manoel da Silva, diretor do conservatório e responsável em fiscalizar o desenvolvimento do aluno na Europa, mas não existem as cartas de Francisco Manoel para o seu aluno, apenas uma minuta em que é possível acompanhar como se estudava composição na década de 1860 na Europa. Segundo Luiz Heitor, a provável data da carta é novembro, pois essa minuta foi feita atrás da carta do vice-cônsul Mazzoni que data de três novembro quando chegam os estudos de Carlos Gomes ao Rio de Janeiro.172 Amigo e Snr. Recebi por mão do Amat o atestado do Maestro Rossi pelo qual fiquei sciente da sua posição nesse paiz. Pelo Paquete Francez chegado em Outubro recebi uma carta do Vice-Consul Mazzoni, na qual me accuzava haver remettido um pequeno masso contendo os seos primeiros estudos; dabalde o procurei nas Secretarias, só com a chegada do Paquete Inglez Oneida a 3 de Novembro é que os recebi por via do seo amigo Castelloens; eu os li com cuidado e em grande parte me satisfizerão, por que foi esse o methodo que o Cavalheiro Sigesmond Neukhomm empregou na minha instrucção da parte scientifica da arte173; só notei uma pequena diferença que o dito Neukhomm logo desde as primeiras liçoens me obrigava a numerar o baixo continuo e fazia-me escreve o baixo fundamental para hir logo adquirindo os conhecimentos e pratica nesse genero. Se o meo amigo, não se deixar vacinar por poeticas inspiraçoens, que o fação distrahir do methodo indicado pelo seu sabio Maestro, em quem deposito a maior confiança, espero que sejão realizadas nossas esperanças, vendo-o completar os estudos scientificos da arte, a fim de os poder transmittir aos futuros alumnos do nosso jovem Conservatório. Pela carta do Castelloens conheço as difficuldades com que é preciso lutar para mandar os seus estudos, por isso eu os dispenço, com tanto que me mande as vezes que poder o attestado do Maestro, pois me consta que o seo 172

AZEVEDO, 1936. Op. cit. p. 328. Parte cientifica da arte se refere às aulas de harmonia como é possível entender pelo texto, a parte que não seria cientifica se refere provavelmente ao estudo de instrumento ou a parte prática do estudo musical.

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amigo não tem sido muito asiduo em comparecer as liçoens (isto aqui para noz) o meo amigo não se choque com a advertencia para o dispensar de algum sonambolismo. O nosso theatro vai pessimamente. Se nas horas vagas quizer aproveitar alguma inspiração seja em alguma missa para a Capella, porem que não seja estença, e que os sopranos só cantem em uma tessitura media nos cheios, podendo com tudo aproveitar os baixos, e mesmo tenores. Estimo que continue a nos dar gosto e ao seu respeitavel Pai.174

Esta carta é muito interessante por que possibilita conhecer algumas das dificuldades do aluno e também o método utilizado na instrução musical no Conservatório de Milão na segunda metade do século XIX. Francisco Manoel na missiva não aponta como erro o que Paulo Silva considerou como erro de Carlos Gomes.175 Francisco Manoel ao avaliar o material ficou apenas satisfeito com o que aluno até aquele momento tinha mostrado. A frase do diretor do Conservatório mostra que o método empregado no ensino oferecido pelo maestro Rossi na Itália o satisfaz porque também foi por ele que Francisco Manoel teve suas lições com Sigismund Neukomm176, mas com uma pequena diferença. Francisco Manoel diz que desde as primeiras lições na parte científica da música era obrigado a numerar o baixo contínuo e escrever a nota fundamental do acorde, esses exercícios constituem-se na primeira etapa nos estudos de música, são extremamente básicos. O interessante é verificar que Francisco Manoel mostra que havia uma diferença no método utilizado pelo músico austríaco em sua educação só que não é possível saber, por essa carta, como Carlos Gomes deveria realizar os mesmos exercícios. Neukomm teve sua formação fundamentada dentro dos preceitos do que hoje entendemos como o estilo clássico, ou mais específico, no rococó. Norbert Elias em alerta para o perigo de se trabalhar com conceitos como estilo e época já que são “abstrações acadêmicas”177 considerando que “(...) tais realizações surgem da dinâmica do conflito entre os padrões de classes mais antigas, em decadência, e os de outras, mais novas, em 174

IHGB – carta de Carlo Mazzoni ao maestro Francisco Manoel da Silva sobre os estudos feitos por Carlos Gomes no Conservatório de Milão. Rascunho de uma carta de Francisco Manoel da Silva a Carlos Gomes dizendo ter recebido seus trabalhos. Lata 311. doc. 38. 175 SILVA, Paulo. Estudos de contraponto e fuga de Carlos Gomes. In: Revista Brasileira de Música. Edição comemorativa do centenário de Carlos Gomes. Rio de Janeiro, 1936. 176 Neukomm nasceu em Salzburgo em 1778 estudou com Michael Haydn em Salzburgo e com Joseph Haydn, também professor de Mozart, em Viena com quem estudou piano e canto. Esteve no Brasil entre 1816 e 1821 foi mestre de música de Pedro I e teve vários músicos brasileiros por seus alunos. Grove p. 647. 177 ELIAS, Norbert. Mozart: Sociologia de um gênio. Org. Michael Schröter; Tra. Sergio Góes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 15.

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ascensão.”178 Mesmo com o perigo dessas abstrações, a avaliação da frase “em grande parte me satisfizerão” do maestro Francisco Manoel pode ser entendida justamente como um conflito de padrões considerando que este obteve parte de sua formação com o músico austríaco e que acabou por avaliar os estudos de Carlos Gomes com as ferramentas conceituais de que dispunha. Sabemos que Francisco Manoel era obrigado a numerar o baixo continuo e escrever o baixo fundamental, procedimento que provavelmente Gomes não fazia. Então, quais eram os exercícios do aluno do Conservatório em Milão? Francisco Manoel da Silva acaba expondo que os exercícios básicos que faziam parte da sua rotina de estudo, mesmo que de maneira diversa, também faziam dos estudos em ambos os Conservatórios: fuga e contraponto. As diferenças podem ser encontradas nos estudos enviados pelo estudante ao mestre brasileiro, publicados na Revista Brasileira de Música, Paulo Silva avaliou esses estudos considerando antes de mais nada que eles foram feitos pelo grande compositor do Guarany, qualificando-o como “(...) um gênio dotado, em grau maximo, de tendências musicaes invulgares”179 considerando os erros no exercício como deslizes. Contudo, os mesmos exercícios mostram que a questão pode e deve ser avaliada com outros parâmetros: as mudanças e o surgimento de novos padrões no século XIX, especialmente a partir da segunda metade deste século. Paulo Silva aponta basicamente quatro problemas: nas palavras do autor Carlos Gomes cometeu “Deslizes de quintas e oitavas consecutivas, accordes de 4ª justa e 6ª empregados inadequadamente, quintas e oitavas directas defesas, e até em certos passos, a falta de elegancia melódica (...).”

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e ainda, como apontou em um exercício, pobreza na

harmonia. Desses pontos o que é possível avaliar neste trabalho é quando o autor justifica o erro no uso de quintas consecutivas já considera que o aluno errou por causa do professor, considerando que havia uma precariedade pedagógica que acabou por propiciar trabalhos que não foram bem acabados. Explica que o maestro Lauro Rossi adotava nas suas aulas de composição um método, o Guida ad um corso d’armonia pratica orale elaborado por ele, em que previa que o uso de quintas consecutivas: “Nello stile libero moderno sono tollerate le quinte di seguito ascendendo e discendendo per grado congiunto a moto retto fra lê parti al

178

Idem, Ibidem. p. 15. SILVA, Paulo. Estudos de contraponto e fuga de Carlos Gomes. In: Revista Brasileira de Música. Edição comemorativa do centenário de Carlos Gomes. Rio de Janeiro, 1936. p. 168-176. 180 Idem, Ibidem. p. 168.

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disopra al basso”. 181 O que o maestro italiano esta dizendo é que no estilo moderno é possível ou tolerado o uso de quintas consecutivas, e o autor coloca alguns exemplos do uso desse recurso. Paulo Silva analisando os exemplos mostra uma contradição do exemplo musical e do que foi dito no texto. Segundo Silva, o maestro Rossi diz que é tolerado no estilo moderno mas sua harmonização foi feita no estilo clássico o que no entender do autor causa um problema de entendimento, uma confusão, já que o maestro utiliza no estilo clássico apenas o que é tolerado no estilo moderno.182 Segundo Silvio Augusto Merhy183, o uso de quintas consecutivas realmente não era utilizado no período denominado como clássico; no período denominado pelo maestro Rossi por moderno, “romântico” esse procedimento surge como uma possibilidade que a principio também causaria estranhamento. Merhy também aponta que em meados dos oitocentos, certas regras já eram transgredidas, como se pode verificar em algumas peças de Liszt, em que por vezes é difícil de encontrar a tonalidade da peça ou múltiplas tonalidades na mesma peça. O que o autor Paulo Silva quer mostrar são os problemas na obra didática do maestro Rossi e assim justificar os “erros” encontrados nos exercícios de Carlos Gomes. Paulo Silva ainda dedica um espaço de seu texto a analisar o porquê Carlos Gomes não gostava de fazer esses exercícios, considerados básicos para o seu nível, o que de fato procede. Segundo o autor, os exercícios de técnica eram tratados por Gomes com muita má vontade o que o faria descuidar desses exercícios básicos. Carlos Gomes se referiu aos seus exercício de fuga como “Já está me cheirando enxofre! A fuga é uma maçada! Oh sim! É mesmo uma maçada!”184. Ainda segundo o autor “C. Gomes fez bem tudo que realmente desejou fazer; só deixou de fazer bem o de que não gostava de fazer”.185 O que Carlos Gomes gostava de fazer era compor “contrapontos floridos que, quando livres, são verdadeiras composições, assumem alguns delles, o caracter de lidimo modelo de melódica expressiva e de perfeito equilíbrio”186 O autor que nas páginas anteriores apontou problemas na harmonização e falta de elegância melódica nesse momento mostra um trecho em que considera ser possível admirar “A belleza da melodia, naturalidade das imitações e a

181

ROSSI, Lauro. Guida ad um corso d’armonia pratica orale. p. 26 Apud Idem, ibidem p. 173. Idem, Ibidem. p. 174. 183 Informação fornecida gentilmente pelo autor ao avaliar esses mesmos estudos. 184 Carlos Gomes Apud SILVA, 1936. Op. cit.p. 173. 185 SILVA, 1936. Op. cit. p. 171. 186 Idem, Ibidem. p. 171. 182

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propriedade da harmonia se congregam numa synthese, que satisfaz ao technico e agrada ao leigo.”187 Nesse ponto é possível verificar uma contradição no que foi estabelecido como obrigação dos alunos do Conservatório quando estes recebiam bolsas para estudar na Europa. A regra diz que o aluno deveria enviar ao Brasil, para supervisão do diretor do Conservatório, uma obra de sua composição além dos exercícios realizados no Conservatório europeu, mas retomando a minuta de carta de Francisco Manoel, o diretor da escola de música no Rio de Janeiro deixa claro que o aluno não se deixe levar “poeticas inspiraçoens, que o fação distrahir do methodo indicado pelo seu sabio Maestro”. A indicação é clara, Carlos Gomes não deve se distrair em composições que o façam esquecer de estudar o que o seu maestro indica, por isso considera esses exercícios eram necessários ao aluno, só que isso vai ao encontro do que havia sido determinado. A partir desse momento a questão fundamental é posta pelo diretor: Quais eram as aspirações do governo ao mandar um aluno do Conservatório estudar na Europa? Para Francisco Manoel era voltar ao pais capacitado para dar aulas na escola que o enviou para aperfeiçoar seus estudos em um centro mais desenvolvido. Mesmo assim é estranho o diretor aconselhar que o aluno não faça músicas porque nessa mesma carta aconselha que nas horas vagas essa inspiração seja aproveitada em alguma missa e devemos ter cuidado na leitura dessa carta porque em diversas outras missivas escritas por Gomes diz que está aproveitando o seu tempo. Na carta de 3 de abril de 1864 explica que Estou escrevendo uma Missa para exercitar-me em quanto não torno de novo escrever para Theatro. Faço o quanto posso para não escrever para Igreja musica de THEATRO! Como sejão: cabalettas, Estrettos e Allegros estrepitozos. Ao mesmo tempo escrevo musica que tem mais ou menos analogia com o estudo de contraponto que faço todos os dias.188

Pelas explicações de Carlos Gomes a questão não era compor ou não compor, mas, o que deveria ser composto e como, e não perder tempo em algo que não estava previsto na lei e no gosto da época na cidade do Rio de Janeiro. Música sacra parece ser sempre o recomendado.

187 188

Idem, Ibidem. p. 171. IHGB – Carta (2) de Carlos Gomes a Francisco Manoel da Silva. Lata 311 Pasta 36.

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Dessa forma é de se considerar que os estudos do Carlos Gomes mostram que houve um cuidado com as primeiras lições de harmonia, condição primeira para o aperfeiçoamento na arte de compor, mas será suficiente para considerar que o aluno de música que fosse a Europa pudesse não ter sido bem instruído no Brasil? Segundo o próprio Gomes seus estudos estavam pautados “no estudo de contraponto e fugas, eu sigo sempre a diante, e espero que este ano terminarei pelo menos o curso de contraponto, porque, o de fugas ... já sabemos!”189 reclama e continua a expor que está difícil compor por falta de inspiração e “hoje eu tenho a cabeça toda cheia de contraponto e de Soggeto e contra soggeto de fugas ... as vezes tenho os ouvidos atordidos e as orelhas um pouco quentes das repreensões de Lauro Rossi que a respeito de Fugas é muito impertinente; as vezes de mais”. Além dos estudos teóricos que tomavam boa parte de seu tempo, ainda tinha que dedicar pelo menos duas horas por dia ao estudo de piano. 190 Há indicações de que o professor italiano estava ajustando os conhecimentos que Carlos Gomes dispunha ao que estava começando a entrar em voga na Europa naquele momento, talvez por isso o aluno reclame dos exercícios por serem o início do curso de harmonia. O professor ensinava pelo seu método fazendo com que o aluno voltasse ao básico para adaptá-lo ao que poderia considerar um novo tempo ou como diz em seu próprio método um “estilo moderno”. Francisco Manoel fala de pequenos erros, o que já foi dito ainda aqui no Brasil quando o indicou para receber como prêmio aos bons resultados uma condecoração do governo, e comentou que “os pequenos defeitos que por ventura possam ser notados nesta composição não a obscurecem”. 191 Há indicações que os professores do Conservatório do Rio de Janeiro soubessem muito bem dos preceitos musicais. Então não pode ser sustentado que o corpo docente não possuísse formação suficiente para formar profissionais porque, tanto Francisco Manoel como os outros professores tiveram o mesmo tipo de educação musical e com as mesmas pessoas, mas talvez fossem um pouco condescendentes com Carlos Gomes já que estava mostrando progressos em seus estudos e já estivesse compondo. Tanto Carlos Gomes quanto Henrique Alves de Mesquita nunca reclamaram das dificuldades que encontraram na Itália ou em Paris, o que não significa que não passaram por 189

IHGB - Carta de Carlos Gomes a Francisco Manoel da Silva, Milão 3 de maio de 1865. Lata 311 – doc. 39. IHGB - Carta de Carlos Gomes a Francisco Manoel da Silva, Milão 3 de maio de 1865. Lata 311 – doc. 39. 191 MDJ – pasta 2263 – Ofício do diretor do Conservatório de Música ao diretor da Academia imperial das Belas Artes solicitando que esta obtenha do governo uma condecoração para o aluno Antônio Carlos Gomes. 190

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elas, não há indicação de forma alguma que houve dificuldade para aprender o que deveriam, ambos completaram suas obrigações e obtiveram de seus professores no Conservatório de Milão e no Conservatório de Paris bons pareceres, apenas Carlos Gomes deixou registrado que não sabia a língua do país o que não foi um empecilho para o seu desenvolvimento naquela escola. O problema parece ter sido, no caso de Gomes, a sua idade e nesse caso indica que havia um total desconhecimento por parte do governo e do Conservatório brasileiro das regras que norteavam os Conservatórios europeus. O caso foi rapidamente resolvido por que como já foi dito o aluno deveria se aperfeiçoar e para isso não houve restrições de idade. Por isso é possível considerar que os alunos de música não tiveram os mesmo problemas que os alunos das outras sessões da Academia Imperial das Belas Artes. Em três de novembro de 1864 o maestro Rossi envia outro atestado informando das condições de seu aluno, como havia sido dito por Francisco Manoel esses atestados seriam suficientes, dispensando o aluno de enviar também seus exercícios diários. No atestado Rossi diz o seguinte: “O abaixo assignado attesta que o Sr. Gomez Carlo continua os estudos de contraponto e de Composição sob sua direcção; presentemente o Sr. Gomez está compondo uma missa a quatro vozes com acompanhamento de orchestra. Elle é sempre pressuroso e diligente no cumprimento de suas obrigações.”192 Em carta de 21 de agosto e na posterior datada de 22 de setembro de 1865, Carlos Gomes trata de um assunto muito importante: a situação da música na Itália em especial. A referencia é feita quando Gomes se refere a outro aluno no Conservatório, Júlio Nunes. Segundo Luiz Heitor, Júlio Nunes foi aluno no curso de contraponto de Giannini no Conservatório do Rio de Janeiro, tendo sido maestro auxiliar na Ópera Nacional e dirigiu a representação da ópera A Noite do Castelo. 193 Ayres de Andrade o classifica como regente de orquestra e diz que adotou definitivamente a profissão pois trabalhou exclusivamente nessa função ao entrar para a Ópera Nacional, quando pôde reger a já citada Noite do Castelo de Carlos Gomes e outra ópera de aluno do Conservatório, Domingos José Ferreira, com a ópera A Corte de Mônaco e diversas outras apresentações da companhia.194 Nunes, que estava em Paris, escreve para Carlos Gomes e diz que quer estudar na Itália. Carlos Gomes diz que seria

192

ROSSI. Lauro. Atestado sobre Carlos Gomes Apud AZEVEDO, 1836, p. 330. Op. cit. Tradução pé de página 18. 193 AZEVEDO, 1936. Op. cit. p. 336. 194 ANDRADE, 1967, Op. cit. 2º vol. p. 209.

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melhor ele ir para a Alemanha ou que ficasse na França, onde a música não está em decadência como na Itália, e que na Itália existem cidades “mais artísticas” que Milão.195 Na carta seguinte, de 22 de setembro desse mesmo ano, Gomes informa a Francisco Manoel que Julio Nunes “chegou a Milão a poucos dias”. Mesmo com os avisos seu colega Nunes vai a Itália.196 Segundo Gomes os concertos em Milão são “são bem pobresitos e escasos” com relação aos teatros se refere da seguinte forma “Quanto aos Theatros confessolhe: tive grande decepção; esperava muito milhor, tanto Orchestra quanto Cantantes! A muzica na itália esta em COMPLETA DECADENCIA! É previr cá para ver o quanto é diferente do que por lá nós imaginamos”197 Apesar dos comentários de Carlos Gomes a respeito do estado geral dos encontros musicais, há de se levar em consideração que estes ocorreram antes da autorização dada pelo governo brasileiro para sua transferência para Nápoles. Carlos Gomes ao informar que Júlio Nunes estava em Milão o fez para justificar a maneira pela qual recebia sua pensão, apesar de dizer que este deseja estudar na Itália. Na carta de 3 de maio de 1865, pode-se pensar que um dos motivos do pedido de mudança para Nápoles seria o método utilizado pelo maestro Rossi, segundo Gomes “Em vista da amisade e bom senso do meu amigo F. Manoel eu me animo a propor-lhe de mudar-me d’aqui para Napoli, porque vejo que aqui caminharei para peor, e serei sempre privado de poder compor musica!”198 Apesar de seus pedidos de transferência para Nápoles essa mudança nunca ocorreu.199 Luiz Heitor comentaria essas críticas de Gomes ao estado da música na Itália. Segundo o autor Gomes o “caipirinha” de S. Paulo não se deixou deslumbrar com o ambiente musical que encontrou em sua estada na Itália.200 Aquela altura só havia Verdi, e a ópera “banal dans l’expression, emphatique dans l’écriture vocale, superficial, três insuffisant dans l’art de traiter l’orchestre, medíocre em somme, et au dessous dês grands traditions de la musique italienne”.

201

Acrescido do tipo de educação musical que o compositor obteve no Rio de

195

IHGB – Cartas de Carlos Gomes a Francisco Manoel da Silva. Milão, 21 de agosto de 1868. Lata 311 doc. 39. Col. Souza Pimenta 196 GOMES, Carlos. Carta a Francisco Manoel. Apud AZEVEDO, 1936, Op. cit. p. 337. 197 IHGB - carta de Francisco Manoel da Silva a Carlos Gomes lata 311. doc. 38. 198 GOMES, Carlos. Carta a Francisco Manoel em 3 de maio de 1865. Apud AZEVEDO, 1936, Op. cit. p. 333. 199 AZEVEDO, Luiz Heitor Correia. Carlos Gomes e Francisco Manoel da Silva: Correspondência inédita-18641865. In: Revista Brasileira de Música. Edição comemorativa do centenário de Carlos Gomes. Rio de Janeiro, 1936. p. 331. 200 Idem, Ibidem. p. 331. 201 COMBARIEU, Jules. Historie de la Musique. Tome III, p. 613 Apud AZEVEDO, 1936. Op. cit. p. 331.

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Janeiro, considerou Azevedo que houve uma resistência às lições de contraponto dadas por Rossi.202 Nesse último ponto é coerente aceitar a avaliação do autor. Pelos dois trechos das duas cartas de Carlos Gomes ao Francisco Manoel fica claro que a orientação teórica de seu professor pode ter contribuído para uma resistência ao ambiente musical milanês. Por isso há de se considerar que suas restrições não fossem a Itália, mas a Milão e em especial ao seu maestro. Segundo Maria Alice Volpe “A afluência a centros de educação musical europeus constitui fenômeno fundamental para a formação de compositores nascidos no século passado”,

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ir a Europa significava estar diante das melhores possibilidades para o

desenvolvimento e reconhecimento na carreira profissional do músico oitocentista. Ainda segundo esta autora os brasileiros tiveram oportunidade de estudarem com professores mais conservadores e outros de conhecer as novas idéias que circulavam na Europa naquele momento204 No caso de Henrique Alves de Mesquita e de Carlos Gomes a oportunidade dada foi para trabalhar com professores que no primeiro caso era conhecido pelo seu conservadorismo e no segundo há indícios que se mostrava adepto de novas idéias sobre a música, mesmo com seus pesados exercícios de fuga e contraponto. O tempo que Carlos Gomes permaneceu na Europa, a Empresa de Ópera Lírica pagou os 22 meses e conseguiu o adiamento de sua pensão na Europa por mais um ano e com concessão da carta de compositor termina a ligação oficial de Antônio Carlos Gomes com o Conservatório do Rio de Janeiro. Antes de terminar a sua pensão Carlos Gomes, com fim para o mês de setembro de 1867, através da legação do império do Brasil em Florença pede para que seja prorrogado o prazo de sua permanência naquele país por mais um ano até 15 de julho de 1868, (...) isto com o fim de poder levar á scena a ópera que está escrevendo sobre assumpto brazileiro. Snr. Carlos Gomes veio ultimamente a esta capital dirigir execução da parte musical, que compôz para uma producção dramática a qual te sido representava nas pricipaes cidades da Itália. A composição do Snr. Gomes foi acolhida com applauso: com summo prazer tenho ouvido pessoas professionaes (...) elogios á riqueza de inspiração e do apuro d’arte que sobresahem na obra deste talentoso brazileiro, de cuja conducta e applicação também tenho excellentes informações.205

202

AZEVEDO, 1936. Op. cit. p. 332. VOLPE, 1994-95, Op. cit. p. 51. 204 Volpe . 1994-95, Op. cit. p 59. 205 AN- Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 36 – folha 372. 6 de março de 1867. 203

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Foi autorizada pelo governo a permanência do aluno na Europa, porém no mesmo documento o ministério do Império informa que não tem meios na lei do orçamento em vigor para custear a despesa, salvo se tiver uma forma de correr o pagamento pela verba “eventuais” dos respectivos exercícios.206 Mas em 27 de março Carlos Gomes escreve diretamente ao Imperador solicitando a graça de lhe conceder mais um ano na Itália para terminar a sua ópera que está sendo ainda composta. Argumenta que com o fim de seus estudos, onde conseguiu a sua carta de compositor, começou a se dedicar aos estudos dos diversos estilos musicais como o alemão, o francês e o italiano e a escrever a ópera O Guarany, mas teve que interromper porque o autor do libreto o Sr. Scalvini lhe pediu para escrever Se sa minga com o qual obteve um enorme sucesso nas cidades italianas de Milão, Florença, Bolonha, Gênova e que espera obter o mesmo sucesso em Turim, Nápoles e outros. O documento foi para o ministério do Império para que as providencias sejam tomadas, então é concedido mais um ano as custas primeiramente da 13 loteria (Ópera Nacional) e depois pelas verbas eventuais até completar o período.207 O Ministro em um despacho diz que lhe “parece que a pensão, depois de liquidada a Empresa do Theatro Lyrico, continuou a ser paga com o resto das loterias. Informe si ainda há saldo d’essas ou d’essa loteria”. A resposta do funcionário do ministério diz que sim, a pensão depois que expirou o tempo de duração do contrato com os empresários da Academia de Ópera Nacional, Norberto e Araújo, continuou a ser paga com o resto do produto da décima terceira loteria concedida no decreto nº 979 de 15 de setembro de 1858. O equivalente a 26 meses a razão de 150$000 réis em um total de 3:900$000 réis, segundo o funcionário ainda resta da loteria a quantia de 296$197, que não chega para a pensão de dois meses. Há ainda no tesouro um outro resto dessas loterias para pagar as dívidas da empresa no valor de 8:945$260 conforme ordem do ministro do império. Parece que dessa soma nenhuma pode ser retirada para pagamento da pensão, então a ordem é que se retire da verba da Academia das Belas Artes ou de eventuais.

206

AN- Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 36 – folha 370. 16 de março de 1867. 207 AN- Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 36 – folha 366. 27 de março de 1867.

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Meses antes de findar o prazo de mais um ano, Carlos Gomes volta a requerer do governo e também escreve diretamente ao imperador solicitando o auxílio,208 agora para que pudesse retornar ao Brasil. A resposta veio através de um funcionário do ministério onde diz que nos últimos tempos o governo parou de dar esse auxilio de custo para viagens, apesar de que já houvesse precedente. O único caso foi para trazer de volta ao país um aluno que não cumpriu com os seus deveres e diz que essa exceção não pode servir de precedente, contudo nesse caso pode o governo abrir mais uma exceção, pois um artista como Carlos Gomes merece todos os favores, justificados pelo seu reconhecido merecimento. Continua o ministério dizendo que mesmo sabendo que houve algum lucro pelas apresentações de sua ópera O Guarani, isso não impede de que ele receba essa ajuda. Apesar de dizerem que não têm dinheiro, de não haver crédito na lei do orçamento, o auxilio requisitado por Gomes deverá sair das verbas eventuais do exercício de 1868-69 limitado ao valor de 500$ ou 600$.209

2.5. Tentativa de delimitação de seu campo de trabalho e a criação social do artista. No final do ano de 1859 a congregação da Academia Imperial das Belas Artes resolveu tratar de uma questão que envolvia a demarcação do seu campo de trabalho. Essa questão não era matéria simples e acabou envolvendo o próprio estatuto do trabalhador de arte no Império. As discussões começaram a partir de uma solicitação apresentada pela diretoria do Conservatório ao secretário da AIBA João Maximiniano Mafra em que solicita que leve uma proposta ao diretor da Academia. A proposta dizia respeito à instituição de provas de competência e moralidade fornecidas pelo Conservatório a quem quisesse se dedicar ao magistério em música no Rio de Janeiro e que essa prova fosse estendida também aos indivíduos que lecionavam música pela cidade o que já era garantido aos professores do ensino público na corte. Segundo o diretor e o tesoureiro do Conservatório foi levado a seu conhecimento que estavam ocorrendo abusos por parte de indivíduos que se apresentam 208

AN - Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 36 – folha 367. 209 AN - Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 36 – folha 365-275.

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lecionando em colégios e casas particulares sem terem exibido prova de capacidade artística fornecidos pela 5º sessão bem como de moralidade como é determinado pelo avisos de 23 de Abril e 29 de junho de 1856. Segundos os professores, essa prática vinha suscitando contínuas reclamações dos chefes de família e estabelecimentos de educação, não só por serem inábeis no magistério como também pelo comportamento menos regular de alguns deles. Por isso eles propuseram que se fizessem extensivas ao Conservatório as medidas e multas estabelecidas pela Repartição de Instrução Pública aos que não se acharem munidos dos títulos de habilitação artística e de moralidade.210 A situação esboçada por Francisco Manoel e o padre Manoel Alves Carneiro certamente coloca também outra questão: a ampliação das competências do Conservatório na cidade do Rio de Janeiro. O que estava sendo pleiteado pelos administradores da escola era alçar o estabelecimento ao nível de instância competente para dizer quem podia e quem não podia ensinar música através do reconhecimento de habilidades específicas. A construção simbólica do Conservatório como a instituição referência não seria a única implicação nesse caso, também foi um passo concreto, porém ineficiente, para a profissionalização do músico no século XIX. Nesse ponto é necessário fazer uma distinção importante. A noção de profissionalização, apresenta pelo menos duas opções de formação no século XIX. A primeira voltada para a formação do profissional de nível superior e a segunda o ensino profissionalizante voltado para o ensino de ofícios, geralmente mecânicos. Há diferenciações claras com relação ao público que esses dois tipos de “escolas” deveriam formar e posteriormente a inserção no mercado de trabalho, conceitualmente a distinção não é clara e acaba englobando os dois caminhos de formação, já que o conceito de profissão “incluiu tanto as de nível superior quanto outras que requerem “determinado preparo, mas não necessariamente adquirido nas universidade”211 por isso acredita-se que a distinção deve ser feita observando os objetivos, o contexto em que se insere cada instituição e os resultados adquiridos durante certo tempo. Os profissionais que Francisco Manoel e o tesoureiro do Conservatório estão tratando não poderiam ser encaixados nessas duas opções nesse momento. 210

MDJ - pasta 2126. Proposta dos professores do Conservatório de Música, 5º sessão, ao secretário da AIBA sobre regulamentação do magistério em música em 10 de outubro de 1859. 211 COELHO, 1999. Op. cit. p. 27

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A apresentação dessa solicitação inicia um processo interessante, pelo menos no universo do músico naquele momento. Em sessão de 12 de outubro de 1859, Dionísio Vega, secretário do Conservatório expõe os motivos que levaram o Conservatório a fazer a presente proposta à congregação da Academia. A representação do Conservatório contra os indivíduos que lecionam música pela cidade sem as devidas provas de capacidade artística que eles acreditam deveriam ser feitas na 5º sessão da Academia e as provas de moralidade como foi determinado pela Inspetoria Geral de Instrução Pública pede que seja feita uma representação ao Governo para que se estenda as multas aos que lecionarem música sem as devidas provas. O diretor da AIBA solicita ao secretário que ele apresente as cópias dos avisos de 23 de abril e de 29 de julho 1856 em que dá instruções sobre essa questão, o que o secretário se compromete a trazer na próxima sessão, ficando adiada essa discussão.212 Na reunião seguinte, já de posse dos avisos e devidamente lidos para toda a congregação da Academia, foi considerado que Academia deveria solicitar do governo imperial que se tornem extensivas aos professores das Bellas-Artes o mesmo que prevalecia aos professores do ensino primário e secundário da corte. Os que ensinarem sem as habilitações conferidas pela Academia fiquem passivos de multas, assim como ficou estabelecido que o diretor da Academia pudesse dispensar de exibir as provas de capacidade artística perante todas as seções da instituição desde que o indivíduo apresente documentos autênticos de suas habilitações necessárias. 213 O que prevêem os avisos de 1856 é que os professores de artes liberais devem ser obrigados a exibir provas de moralidade não só quando forem chamados pelos diretores de colégios e outros estabelecimento de instrução e educação, mas ainda quando lecionarem em casas particulares, desde que façam profissão habitual do seu magistério em qualquer dos ramos das referidas matérias, apresentando-se pública e ostensivamente como professores e recebendo retribuição pecuniária. Sobre o aviso de 29 de julho de 1856 ficou determinado que os professores de artes liberais, os de instrução primária e secundária que lecionam por casa particulares, devem prestar provas de moralidade para continuarem no exercício do

212

MDJ - pasta 2120. Requerimento do secretário do CM ao Ministério do Império em que pede certidão dos avisos a respeito dos professores de artes liberais. 15 de outubro de 1859. 213 MDJ - pasta 6152. Ata da sessão de 31 de outubro de 1859.

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magistério, sendo resolvido que se deve seguir o mesmo que se pratica com os que ensinam em colégios.214 Comprovado o mérito da questão, a solicitação que foi feita pelos professores do Conservatório acabou sendo estendida a outras sessões da Academia, mudando também o eixo central do problema. Ao governo cabe regulamentar o exercício profissional de quem se dedica ao magistério da arte ou das artes liberais? Assim será avaliada a questão no âmbito governamental. No mesmo período a questão é avaliada pelo Marquês de Olinda e pode-se perceber quais eram os parâmetros utilizados na época para avaliar quem ensina em qualquer dos ramos das belas artes. O documento está classificado como parecer, mas não sabemos quem solicitou tal parecer, o indicativo é que a questão pode ter sido avaliada pelo Conselho de Estado ou uma de suas sessões. O começo dá a entender que a questão não é nova, pois o decreto de 1854 já arbitra sobre a regulação do ensino primário e secundário e foi estabelecido que o professor deve apresentar prova de proficiência profissional. Nos estatutos da AIBA foi estabelecida a questão da competência, a Academia pode dar essa carta, mas o Marquês julga que não seria necessário para exercer a função de docência. Ele argumenta que foi pensando e refletindo sobre uma forma de não sujeitar o ensino de belas artes às provas de capacidade, o que foi garantido pelos avisos de 23 de abril e 29 de julho de 1856. A dúvida existe ainda porque o inspetor de ensino e o conselho de ensino dizem que os professores de belas artes deveriam estar sujeitos também às provas de moralidade e capacidade e o governo adotou este parecer. Contudo o parecer do Marquês é de devem ser seguido os estatutos da AIBA e que está tudo no lugar. Segundo Araújo Lima a instrução primária e secundária é importante para um desenvolvimento moral e do espírito e que arte não tem nada a ver com esse segmento da educação, é tem por objetivo produção do belo, natural ou ideal. Impressionando os sentidos e também a inteligência de baixo das diferentes formas que são sabidas, as belas artes para ele elevam o espírito, embelezam a existência tanto social quanto individual e a melhor proteção que se pode dar as belas artes é não por obstáculos ao seu desenvolvimento, com exceção dos estabelecimentos para o ensino. O Estado deve financiar só os que possuem aptidão e mesmo assim existe gente contra financiar sem critérios o que acaba resultando em detrimento do progresso. As belas artes 214

MDJ - pasta 2120. Requerimento do secretário do CM ao Ministério do Império em que pede certidão dos avisos a respeito dos professores de artes liberais. Cópias dos avisos de 23 de abril e de 29 de julho de 1856.

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florescem em plena liberdade e não recebem direção, querer assegurar bons professores fora da Academia é querer traçar o caminho para ela, portanto fica a escolha dos diretores dessa instituição, pois, eles possuem capacidade e podem defender seus interesses e os particulares tem condições de pedir informação de quem dá aula. Por isso o seu voto é para não alterar o que foi determinado nos estatutos e nos dois avisos emitidos pelo governo.215 O Marquês termina seu parecer tocando na questão chave do problema. É interesse dos professores do Conservatório cercear o campo de trabalho aos que consideram pouco habilitados em música e quem diz quem está habilitado são os professores daquela instituição. Outro ponto importante é o conceito que caracteriza dos professores do Conservatório, eles são artistas e não artesãos. O conceito de arte, na fala do Marquês, é o conceito de arte do romantismo, muito distante da idéia de artífice, não sendo possível amarrar os dotados artistas. Dos caminhos apresentados para a profissionalização no Império, a Academia das Belas Artes mostra-se uma terceira via. Não é possível dizer que fazia parte do ensino superior, mas também não se pode incluí-la no ramo de instituições profissionalizantes que proliferaram durante todo o século XIX por que o objetivo era diverso. O público atendido por essas instituições profissionalizantes eram os desvalidos, tornando dessa forma o público alvo diferente do Conservatório. É sabido que o ensino secundário e o superior no Brasil oitocentista estava voltado prioritariamente para a formação de membros da elite, já o profissionalizante em ofícios diversos estava voltado para um segmento social desprovidos dos meios políticos e econômicos.

Irma Rizzini mostra que instituições como asilos,

internatos e casas de educandos estavam voltados para a formação do trabalhador, procurando incutir o amor ao trabalho para “evitar que crianças desvalidas se tornassem futuros vadios, inúteis ou mesmo perigosos a sociedade.”216 Os objetivos distanciavam-se dos propagados pelo Conservatório e a relação entre professores e alunos e a forma didática eram profundamente diversas, nessas instituições Os meninos eram encaminhados para as oficinas, lojas e fábricas não como trabalhadores formados e sim, como aprendizes, segundo as relações tradicionais da época entre mestres e aprendizes. Até mais da metade do século não havia 215

IHGB - Parecer do Marquês de Olinda sobre a exigência de prova de capacidade profissional para professores de belas artes. Lata 825. doc. 21. 16 de março de 1860 sobre o parecer de 1 de dezembro de 1859. 216 RIZZINI, Irma. O cidadão polido e o selvagem bruto: a educação dos meninos desvalidos na Amazônia Imperial. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGHIS, 2004. p. 160-61

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remuneração e deviam servir aos mestres, com “sujeição, boa educação e presteza para o trabalho”, qualidades que a Mesa diretora da Casa acreditava estarem incorporadas aos alunos que ali se formavam. As vantagens que tinham com relação aos outros aprendizes eram a alfabetização e o aprendizado de noções de aritmética, álgebra e desenho, além das qualidades já mencionadas, pretensamente adquiridas pela rígida formação religiosa e moral.217

Eram instituições de ensino de ofícios, que com o passar do século foi se distanciando mais dos objetivos do Conservatório. Apesar de não ser uma instituição com status de ensino superior, o Conservatório constituiu claramente na passagem da arte do artesão para a arte do artista. Não é demais lembrar Norbert Elias em um estudo sobre a trajetória de Mozart em que realiza um ensaio sociológico sobre o estatuto do trabalho do músico no século XVIII para o século XIX. E concluiu que arte ainda no tempo de Mozart era entendida como um trabalho essencialmente manual, e o processo de formação de mão de obra ocorria de forma diversa do que viria a se tornar a educação musical nos oitocentos. Tornar apto ao trabalho manual estava ligado à concepção de “arte do artesão” e não “arte de artista” que possui autonomia intelectual e criativa para a composição da obra. As características das relações que se estabelecem entre música e sociedade no Rio de Janeiro, a partir da verificação das ações empreendida dentro do Conservatório e da Academia Imperial das Belas Artes articuladas com os projetos da elite política – mesmo que o Marquês de Olinda não acredite ser esse o caminho, não desconhece que estava havendo um certo direcionamento - na redefinição do trabalho livre-, do processo de construção da nacionalidade, Estado e identidade nacional que passa por mudanças no próprio conceito de artesão para arte/artista. Na arte artesanal o que prevalecia era o gosto do patrono, a ação individual era canalizada, em sentido contrário temos a arte do artista, que em geral são iguais ao público que compra sua obra, os artistas tornam-se nesse momento formadores de opinião e a vanguarda artística, “podendo guiar para novas direções o padrão estabelecido de arte, e então o público em geral pode ir lentamente aprendendo a ver e ouvir com os olhos e ouvidos do artista.” 218 Abrir as possibilidades econômicas e sociais para o músico durante o século XIX fez parte constante das preocupações do Conservatório, tendo em vista o caráter da relação de trabalho que se estabeleceu entre o artesão - posteriormente considerado como artista - e seu 217 218

RIZZINI, 2004. Op. cit. p.164. ELIAS, 1995. Op. Cit. p. 47.

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campo de atuação. A partir da segunda metade do século XIX, surgiu na congregação da 5º sessão a demanda de proteger o nascente campo de trabalho, principalmente no que dizia respeito as formas de transmissão do conhecimento musical. A questão é: qual campo musical estavam querendo proteger? É possível perceber que a questão não pode ser conduzida apenas a uma direção. Além da questão de ampliação das novas competências do Conservatório, a diferenciação entre arte mecânica e arte liberal será o norte nas discussões realizadas para a concessão ou não de diplomas e atestados de conhecimento. O Marquês que Olinda mostra que a noção de artista já estava disseminada entre as pessoas que avaliaram o caso, as divergências intra-grupo não dizem respeito a essa noção mas sobre as competências do Estado em regular atividades artísticas e profissionais. Apesar da junção do Conservatório à AIBA e serem consideradas em muitos momentos como artes que desfrutam do mesmo estatuto, a constituição dos dois segmentos tiveram trajetórias distintas. A música e as demais seções vêm sendo tratadas pela congregação como arte liberal. Mas a referência está deslocada do sentido antigo, reorganizando a antiga estrutura do conhecimento. A música estava inserida entre as artes liberais – quadrivium – e as belas artes em trivium, que mesmo liberal estavam associadas ao oficio mecânico e muito diferente da arte a ser realizada por homens livre, de outra forma podemos dizer que o quadrivium lidava com o conhecimento mais avançado e o trivium mais elementar, mas foi uma estrutura que não teve um equilíbrio constante, oscilando mais ou menos em favor de uma ou de outra.219 Os professores do Conservatório e posteriormente os professores das outras sessões ao pedirem delimitação do campo de trabalho fazem com que fosse discutida a questão da regulação por parte do governo da arte liberal, sendo que já havia uma incipiente legislação a respeito. No Brasil a referência seguiria por outro caminho e designaria as profissões como medicina, magistério e advocacia como artes liberais, sem conter o sentido de cultas mas ainda assim para os indivíduos livres e espíritos independentes. A impossibilidade de uma dedicação exclusiva ao exercício profissional e criativo da música, muitas vezes entrava em atrito com a prática necessária de uma função desenvolvida no comércio e na indústria – vários músicos profissionais durante esse período tiveram que se dedicar a outras atividades para um incremento do sustento pessoal e familiar, logo, percebe219

FERRATERMORA. J. Dicionário de filosofia. São Paulo; Tomo IV, vol. 4 ed: Loyola, 2000. .BURKE, Peter. Uma História Social do Conhecimento: de Gutenberg a Diderot. tra. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. capitulo V.

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se uma diversificação do trabalho, incidindo diretamente sobre as sociabilidades musicais no decorrer do período Imperial. Alguns professores e alunos do Conservatório eram proprietários de estabelecimentos comerciais ou neles trabalhavam, característica que irá se tornar muito comum nas últimas décadas do século XIX. Não se pode afirmar que eram grandes comerciantes, mas desvalidos dos meios básicos de sobrevivência não eram. Encontrar o lugar social de um segmento não é uma tarefa fácil, contudo há alguns indicativos gerais que apontam que a maioria compunha um segmento médio urbano que tinha na música a sua primeira ocupação, possuíam algum de tipo de bem como casa ou loja comercial, como foi o caso do grande comerciante João Bartolomeu Klier dono de uma grande loja de música, uma das primeiras da cidade, e posteriormente Henrique Alves de Mesquita, Antônio Luiz de Moura, Gioacchino Giannini, Carlos Severiano Cavalier Darbilly, Arcângelo Fiorito, Leopoldo Miguez entre outros. Os professores da AIBA por volta da década de 1830 também tinham em outras atividades um reforço no orçamento pessoal, Porto Alegre é que informa que apenas dois professores viviam da arte, outros possuíam estabelecimentos comerciais, como uma mercearia, olaria, outro se dedicava ao fabrico de papel e outro uma loja de marcenaria, atividades ligadas essencialmente aos ofícios mecânicos.

220

O público atendido

pela AIBA também estaria entre os comerciantes da cidade, ou entre os filhos desses comerciantes e mesmo de ex-escravos.

221

Corroborando com essa idéia fica claro que

também no Conservatório podia estudar apenas quem fosse livre, interditado aos escravos e condicionalmente livres, o que não impedia no último caso de tentar estudar na AIBA, como mostra a decisão do Ministério do Império pela interdição do acesso a matrículas ou mesmo como ouvintes de escravos condicionalmente libertos como resposta a uma consulta realizada pelo diretor da instituição a pasta do Império.222 No Conservatório, o público a ser atendido não é claro em seu início. Pelos objetivos traçados, a formação para o trabalho com música que norteou a criação e as medidas tomadas para o seu desenvolvimento, mesmo que na instituição comportasse a idéia de acesso a todos indistintamente, a presença do amador ou diletante não comprometia o objetivo primordial que justificou em boa medida a institucionalização do ensino musical no âmbito do 220

PORTO ALEGRE. Discursos e alocuções pronunciadas por Manoel de Araújo Porto Alegre na AIBA. Apuud SQUEFF, 2004, Op. cit. p. 192. 221 DURAND, José Carlos. Arte, privilégio e distinção: artes plásticas, arquitetura e classe dirigente no Brasil (1855-1985). São Paulo: Perspectiva, Edusp, 1989. Apud SQUEFF, 2004, Op. cit. p. 170. 222 MDJ – notação 4034 – oficio da 3º seção do Ministério do Império ao diretor da AIBA. 8/07/1874.

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governamental. Para muitos indivíduos, e pela falta de normas para a admissão na instituição, a escolha por estudar música ou artes plásticas era um incentivo a uma possível mudança na hierarquia social vigente. Os elementos que constituíram e nortearam o modo de organização do mundo do trabalho do músico no Rio de Janeiro ao longo do século XIX passaram por diversas fases e o público a que estava destinado o ensino de música no Conservatório também mudou. Com o avançar do século XIX é possível ver que os objetivos defendidos por instituições asilares como as descritas por Rizzini passaram também a fazer parte do cotidiano da escola de música, tendo inclusive entre seus alunos meninos vindos desse tipo de instituição, muito diferente dos padrões teóricos adotados como norteadores e classificadores do tipo de oficio ou profissão dos músicos nesse período. Os relatórios dos Ministros dos Negócios do Império mostram que desde o início do Conservatório houve a preocupação em tornar essa instituição útil – não somente esta mas também a AIBA-, basta lembrar o pedido feito por D. Pedro II de como instituir o gosto e a utilidade das belas artes no Brasil e logo em seguida a reforma Pedreira. Utilidade era uma das palavras de ordem do período, marcado por um pragmatismo característico das avaliações realizadas pelos membros da elite política,223 o Conservatório irá aparecer nesses relatórios cumprindo uma função importante no período, o de fornecer uma profissão a quem quisesse se dedicar ao estudo das belas artes, diz Coutto Ferraz que Os exercicios que tiveram lugar no dia 15 de março deram ideia do aproveitamento e talento de muitos alunos. Parte deles continua a praticar na Capela Imperial mediante uma pequena gratificação e alguns já tem exercido sua arte por ocasião de festividades religiosas (trabalhos avulsos na capela e em outras igrejas). tirando dahi meios de subsistencia meninos pobres desvalidos que sem este recurso viverião na miséria.224

O Marquês de Olinda também faria referencias nesse sentido, segundo ele já há alunos exercendo a profissão, não só no magistério em colégios, casas particulares mas também no serviço da capela imperial e no teatro lírico. 225 223

CARVALHO, 2003, Op. cit. p. 363. FERRAZ, Luiz Pedreira do Coutto. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1856. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p. 79 225 LIMA, Pedro de Araújo. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1857. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p. 12 224

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O trabalho na orquestra ou coro da Capela Imperial tornou-se uma necessidade com a precariedade com que a instituição entrou na década de 40, de acordo com os planos elaborados para o Conservatório, formar profissionais para preencher as vagas deixadas por músicos antigos era um dos motes, mas antes mesmo de que estivessem prontos muitos alunos do Conservatório foram aproveitados nesse serviço.226 Em 1851, o então mestre de capela Francisco Manoel levou alguns de seus alunos do Conservatório para trabalhar no coro e na orquestra da Capela, o que possibilitou um aumento qualitativo das apresentações feitas na igreja. Segundo André Cardoso a participação desse alunos resolveu o problema a curto e longo prazo, considerando o déficit das vozes de soprano e contralto a solução foi quase imediata devido a idade desses alunos que provavelmente estavam abaixo dos quatorze anos e a longo prazo a disponibilização de mão de obra qualificada para esse serviço que exigia além da preparação técnica no instrumento ou voz uma preparação em latim e na liturgia católica.227 Apesar de Bom Retiro dizer que esse trabalho forneceria meios de subsistência para meninos desvalidos, utilizando as mesmas denominações utilizadas para os internos dos asilos, é possível ver que nem tudo era exatamente da mesma forma. Os termos em que tratavam os alunos que passavam pelo Conservatório aponta para a diferenciação já referida anteriormente, a presença do artista é clara e definida também nos relatórios dos ministros e começa a ganhar mais força que a idéia de trabalho nesse tipo de documento. Um deles já é artista de mérito e notável por seu talento e gênio compositor. Sobre proposta do corpo acadêmico das Bellas Artes, do qual o conservatório de musica constituiu uma das secções: resolveu o governo manda-lo para a Europa como pensionista devendo ficar lá por 4 anos. “Este exemplo será fecundo em resultados vantajosos para o progresso das bellas artes entre nós.” “É um novo incitamento que não póde deixar de inspirar nobre emulação em muitos jovens Brasileiros, aos quais só falta para se distinguirem na nobre carreira das bellas artes – protecção e confiança no furuto”.

A partir de 1858 os relatórios dos ministros passam a se referir ao bom desenvolvimento do Conservatório de outra forma, sublinhando os bons resultados da instituição com os bons frutos dos pensionistas na Europa possuidores de muito talento.

226

CARDOSO, André. A Música na Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2005. p. 100-104. 227 Idem, Ibidem, p. 103-104.

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Calcado em outras formulações, o ensino do artista deve conter elementos que no ensino do artífice não irão aparecer, como é o caso da instituição do pensionato referido por Coutto Ferraz no caso de Henrique Alves de Mesquita. O aluno que saía dos quadros do Conservatório tinha como destinos principais, mas não necessariamente, o trabalho na orquestra ou coro da Capela Imperial, por um breve momento a Companhia de Ópera Lírica Nacional, aulas particulares pela cidade, atuação nos teatros e nos salões, além dos clubes musicais que a partir da década de 1870 proliferam por toda a corte. Eles recebiam por esse serviço, mesmo que seja uma pequena gratificação. A idéia de profissionalizar encontrava outras características que não eram as formuladas para os alunos de asilos e educandários. Rizzini mostra que naquelas instituições, ensinava-se vários ramos ao mesmo tempo e ao terminarem o período de formação acabavam nas oficinas do arsenal de guerra, tomavam parte de bandas das próprias instituições ou tornavam-se caixeiros no comércio e estavam sob a guarda de tutores até a maioridade isso depois de passarem por 14 anos de formação.228 Mesmo com o acentuado caráter técnico do ensino oferecido no Conservatório, a existência de instituições como o Liceu de Artes e Ofícios cumpriria o papel de habilitar o artífice, projeto diferente do Conservatório e da Academia Imperial das Belas Artes. Foi no âmbito da AIBA que Porto Alegre tentou colocar em prática o projeto de valorização da artista em detrimento do artífice – com um tipo de trabalho geralmente associado ao do escravo. A instituição não acabou com o ensino técnico quando houve a reforma Pedreira mas tratou de dividir e hierarquizar o ensino da arte e o ensino técnico ao criar condições especiais no ensino para os primeiros, como atestados, exames, tempo de estudo e a destinação do prêmio viagem.229 No Conservatório existia uma outra figura que dividiu espaço com o artista, os amadores ou diletantes eram as figuras que com o avançar do século XIX tomaram mais lugar no Conservatório. Mesmo que o parecer do Marquês de Olinda recomendasse que a situação permanecesse da mesma forma, ações foram efetivadas para que essas provas fossem fornecidas pelo Conservatório. É possível verificar que a grande maioria dos professores de música que figuravam no Laemmert não deixava claro que se possuíam ou não o diploma ou atestado do Conservatório, mas a instituição passou a fornecer o documento a quem o 228

RIZZINI. 2004, Op. cit. p. 179 SQUEFF, Letícia. A reforma pedreira na Academia Imperial de Belas Artes (1854-1857) e a constituição do espaço social do artista. In: Caderno Cedes, ano XX, nº 51, novembro de 2000. pp. 103-118. 229

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procurasse como foi o caso de uma antiga aluna de Demétrio Rivero, D. Francisca Xavier de Almeida Braga, que seu professor atestou sobre sua boa capacidade artística, “julgando-a habilitada nos conhecimentos musicais escola de canto e piano”.

230

Esta ex-aluna do

Conservatório não aparece no maior divulgador de professores particulares da corte, o Almanak Laemmert, o que não descarta a possibilidade dela ter usado o atestado fornecido por Rivera para dar aulas de música pela cidade sem constrangimentos. Já em 1858, antes mesmo que o Conservatório começar a querer fornecer diplomas de competência profissional, João José Ferreira de Freitas, anuncia no Laemmert que é professor de canto e piano aprovado pelo Conservatório de Música e “autorizado a ensinar publica e particularmente em qualquer ponto deste Império, por diploma da Imperial Academia das Bellas-Artes”.231 Já em 1862, João Cirilo Muniz informa que leciona também canto e piano e foi “approvado pelo Imperial Conservatório de Música do Rio de Janeiro”.232 Em 3 páginas de anúncios de professores de piano e canto, em que constam cerca de 62 nomes de professores disponíveis, apenas o Sr. Muniz informa que é diplomado pelo Conservatório, dos professores de instrumentos encontrados nesse ano nenhum diz possuir um atestado de habilitação artística ou diploma de habilitação. No ano seguinte permanece o mesmo Muniz como o único a anunciar as suas aulas e ter o diploma. O que se percebe é que houve uma tentativa clara por parte do Conservatório em ser a instância oficial do governo para fornecer atestados de habilitações artísticas ou musicais, o que restringiria o mercado e conseguiria construir mecanismos de auto-regulamentação e proteção de seus membros, elementos importantes no processo de profissionalização, mas não foram bem sucedidos. Apesar disso eram considerados profissionais quando viviam de seu trabalho mesmo não conseguindo impedir que amadores também exercessem a mesma ocupação dos profissionais, tendo como única diferenciação, percebida até esse momento, o fato de viverem prioritariamente de música mas não unicamente, pois como se viu até os ditos profissionais possuíam outras formas de sobrevivência.

230

MDJ – notação 5016 – carta do professor de rabeca do Conservatório ao secretário e professor do Conservatório Luiz Antônio de Moura solicitando dispensa de reunião e informando que julga habilitada em conhecimentos musicais a ex-aluna do CM, Francisca Xavier de Almeida. 03/09/1867. 231 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1858. Organisado e Redigido por Eduardo Laemmert. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1858 Notabilidades, p. 24. 232 Idem, Ibidem, 1862 – profissões – p. 479.

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3. Disciplinas e o Corpo Docente da instituição Eis-me arvorada em censora de teatro, faltando-se se duvidar os requisitos necessários para tal. Haverá quem diga – a Délia saberá música? Saberá contraponto? Cenografia? História? E quantas coisas mais, meu Deus?...Mas responderei a sério: não é da conta de ninguém.1

A partir de 1855 o Conservatório começou a se expandir. Com a anexação à Academia Imperial das Belas Artes foi possível a escola de música se utilizar de uma estrutura institucional que - mesmo que com problemas - já estava consolidada. Baptista Siqueira considera que o período que se inicia em 1849, quando foi estabelecida a aula de rudimentos e solfejo com a nomeação de Francisco da Luz Pinto, e vai até 1854, foi o momento de organização da instituição quando estabeleceu um “regime didático” considerado como indispensável e principalmente porque corresponde ao período que prepara a integração do Conservatório à esfera governamental. 2 Na leitura do autor, o Conservatório, até então, não era uma instituição pública, devido principalmente à falta de recursos financeiros públicos da instituição. Siqueira não considerou que diversas outras instituições públicas do império também tiveram seu funcionamento comprometido pela falta de verbas destinadas pelo estado para a sua manutenção. Foi esse exatamente o caso da Academia Imperial das Belas Artes antes da reforma em 1855. Durante anos essa instituição sofreu com um orçamento pequeno que não conseguia atender às necessidades básicas da instituição. O Arquivo Público do Império foi outra instituição que teve seu funcionamento comprometido pela falta de verba própria, falta de instalações adequadas e dirigentes que não tinham o prestígio necessário para angariar apoio as atividades do estabelecimento. 3 Ademais, o fato de o Conservatório ter necessitado dois decretos para funcionar não foi um caso isolado. A Academia das Belas Artes também só começou a funcionar 10 anos 1

Jornal das Senhoras, 1852 Apud GIRON, Luis Antônio. Minoridade Critica: a ópera e o teatro nos folhetins da corte 1826-1861. São Paulo: editora da USP; Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 168. 2 SIQUEIRA, Baptista. Do conservatório à Escola de Música: ensaio histórico. RJ: UFRJ, Cidade Universitária. 1972. p. 35. 3 COSTA, Célia. O Arquivo Público do Império: o legado absolutista na construção da nacionalidade. In: Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 14, n. 26, 2000. p. 12.

151

após o decreto que a criara, e só ganha força após o início do segundo reinado. O prestígio de Francisco Manoel da Silva não conseguiu salvar a instituição da inércia e realmente foi necessário mais que o prestígio pessoal de um músico para que o Conservatório começasse a funcionar plenamente. Em 1848 o conservatório foi inaugurado oficialmente com a instituição da aula de Rudimentos e Solfejo para o sexo masculino que funcionava em um salão do Museu Nacional. A partir desse momento essa disciplina foi se mantendo até 1852, quando foi possível criar a aula de Rudimentos e Solfejo e Canto para o sexo feminino, 4 em uma sala da Sociedade Amante da Instrução. Os professores que lecionavam as duas disciplinas eram respectivamente Francisco da Luz Pinto e Francisco Manoel da Silva, que passa a partir desse momento a acumular dois cargos na instituição. Só em 1855 foram contratados seis professores para ocupar as demais cadeiras que estavam previstas no decreto. A transferência das aulas que já existiam para o prédio da Academia não foi tão rápida como afirma Siqueira. Em 7 de junho de 1858, as vésperas de completar 10 anos após a primeira aula em um salão do Museu Nacional, o Conservatório ainda mantinha suas aulas naquele espaço. Frederico Leopoldo César Burlamaque, diretor do Museu, em ofício ao ministro dos negócios do império, reclama da falta de sala no Museu e diz que existe uma boa sala mas está ocupada pelo Conservatório de Música que não se muda para outro lugar.5 O tom claramente é de reclamação, o museu naquele momento estava ampliando a sua coleção e começou a funcionar aos domingos, por isso é possível encontrar vários ofícios pedindo providências para a ampliação e reforma do espaço físico destinado ao museu. Naquele momento o diretor estava querendo a sala para ocupá-la com a coleção de fosseis, vegetais e animais que já fazia parte do acervo da instituição. Todavia a resposta do ministro, Marquês de Olinda, não foi animadora, diz ele que irá resolver a questão da remoção do Conservatório, só que em outra ocasião. 6

4

MARTINS, Francisco Gonçalves. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1852. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p. 18. 5 Museu Nacional – livro de registro recebido do governo – correspondência oficial (1855-1861). 7 de junho de 1858 – 87 verso. 6 Museu Nacional – livro de registro recebido do governo – correspondência oficial (1855-1861). 28 de junho de 1858 - P. 88 verso.

152

Para o Museu Nacional a situação se resolveu entre 1863 e 1864, com a mudança de endereço das aulas para o sexo masculino para um salão no Teatro Provisório.

7

Para o

Conservatório essa questão demoraria a ser resolvida, a compra do terreno e construção de um prédio destinado às aulas de música já haviam começado a ser discutidos em 1855, mas só irá se resolver em 1872 com a inauguração do prédio do Conservatório. Outra questão que foi resolvida na conjuntura de reformas da década de 1850 foi o salário dos professores do Conservatório. Em forma de decreto foi estabelecido que o docente, segundo os estatutos do Conservatório de Musica ou Instruções do Governo, que der três lições por semana receberá setecentos e vinte mil reis por ano, e o professor que for obrigado a dar somente duas lições por semana receberá a quantia de quatrocentos e oitenta mil reis por ano.8 A diferença para o que foi estabelecido em 1847 – seiscentos mil réis por ano - é grande, nesse momento por força de decreto foi fixada uma gratificação um pouco maior, mas variando de acordo com as horas trabalhadas. Em janeiro de 1860 foi enviado à fazenda um ofício em que informava que os professores do Conservatório de Música, Francisco Manoel da Silva e Dionísio Vega deverão receber uma gratificação anual de 200$000 enquanto ela puder ser paga pelo rendimento do patrimônio da escola sem prejuízo do serviço público.

9

Essa gratificação, como foi dito no

documento, deveria sair dos rendimentos da escola, o que significava dizer das loterias. E foi concedida apenas aos membros do corpo administrativo, os professores muitas vezes serviram gratuitamente e ao que tudo indica até meados do século XIX não era incomum essa prática, como será possível perceber quando for tratada cada cadeira e cada professor abaixo. É importante ressaltar nesse momento que não é o objetivo desse trabalho descrever os vários instrumentos - principalmente porque todos são instrumentos que ainda são utilizados e por isso fáceis de serem encontrados e reconhecidos - e nem traçar a história de cada um, mas é bom termos em mente que cada instrumento possui uma história própria, seja de seu desenvolvimento físico seja do repertório acumulado para cada um, de acordo com o gosto e necessidade de cada época. Assim, quando se estabelece aulas de um instrumento está sendo

7

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de1864. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. – Ministério do Império. P. 76. 8 Decreto nº 1553 de 10 de fevereiro de 1855. Coleção das leis do Império. Disponível em www.camara.br/internet/infodoc/conteudo/coleçoes/legislaçao. Acesso em 28-10-05. 9 AN – Série Educação – IE1 442 - registro de ofícios enviados a diversas autoridades registro de portarias do Ministério do Império, quarta sessão. 1859-1861. p. 68

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seguido certo padrão de gosto e necessidade que certamente muda de acordo com a temporalidade e o local. Apontar os compêndios de música utilizados no Conservatório de Música do Rio de Janeiro se torna importante na medida em que é possível, a partir do ensino de cada instrumento, formar um quadro geral e conhecer as principais linhas didáticas ou escolas teóricas que direcionaram o programa pedagógico do Conservatório. Mas isso não significa que haverá uma análise técnica de tais compêndios, apesar de ser importante um estudo de tal natureza. Mencionar as obras didáticas que estavam disponíveis para a aquisição de um aluno de música no Rio de Janeiro no século XIX, mesmo que isso não seja possível para todos os instrumentos, não implica na afirmação de que este era adotado no Conservatório, mas tratado como indício, possibilidade de adoção. Esse procedimento está sendo adotado porque não foi possível ter acesso aos programas de ensino das disciplinas do Conservatório, apenas para a aula de piano e só nesse instrumento é possível ver a direção dada no ensino de instrumento. O século XIX não forja apenas as suas instituições, é nesse período que também padroniza o mundo, criam-se regras ortográficas, métodos de ensino em vários ramos do conhecimento como na história, geografia, física etc. Na música, foi difundido nesse período o uso do diapasão, foi feita a normatização da freqüência da nota lá e a nova padronização de instrumentos musicais como o piano, violão, saxofone entre outros. A criação de um padrão comum para o ensino de música foi o mote do ensino de música no XIX. Como Francisco Manoel destacou em seu discurso de inauguração da instituição e em seus dois compêndios de música, a idéia era tornar a música acessível a todos. A criação de uma base pedagógica sistemática segue a idéia principal de evolução, no ensino da música – teórico ou de instrumento – os exercícios são pensados para o cotidiano do aluno e progressivamente acrescenta-se uma nova dificuldade. O ensino musical no século XIX é essencialmente o estudo de mecânica, os métodos de piano adotados no Conservatório evidenciam o que para o músico no século XX pode parecer uma obviedade, porém analisar a adoção de tais práticas de estudo, antes de confirmar algo que já é sabido deve fazer refletir sobre os principais objetivos que nortearam a criação e desenvolvimento de um método de ensino. Sua proposta era atingir a todos indistintamente, e dessa forma tornar também a música um objeto racional, a par dos luzes do século como gostavam de se referir no Brasil. Esse tipo de estudo aparece junto com as mudanças ocorridas na maneira de conceber o mundo, antes não se separava teoria de prática e essa separação ocorre quando se pretende tornar também a música 154

científica10, não é a toa que Francisco Manoel se refere ao estudo de composição como a parte científica da música. Sobre os professores, algumas questões orientaram a exposição, o que se buscou conhecer foram as escolhas profissionais, as particularidades de cada um e as similaridades do grupo.

3.1. Rudimentos, solfejo e noções gerais de canto para o sexo masculino. A aula de Rudimentos constituía-se na alfabetização musical do indivíduo, habilitar na leitura e na escrita musical,

11

fundamentais acerca da música”.

ou o “conhecimento especulativo, conjunto de princípios 12

É nas aulas de solfejo que se desenvolve a habilidade do

“(...) canto de escalas, intervalos e exercícios melódicos de sílabas de solmização13. Seu significado foi mais tarde estendido para incluir exercícios vocais sem texto a fim de desenvolver agilidade no canto (...)” 14. Frei Pedro Sinzig explica de maneira mais elucidativa o que é solfejar; segundo o autor é “ler a música pronunciando os nomes das notas. É um exercício de leitura musical que facilita o conhecimento dos dois elementos essenciais da música: som e ritmo.”15 Era uma disciplina eminentemente teórica e que representa o básico no ensino musical. O conceito de solfejo é esclarecedor, todavia nesse caso não explica o que foi estabelecido no Conservatório. Nessa cadeira era também ensinado canto para os alunos do sexo masculino, noções gerais que funcionavam não apenas como apoio as aulas teóricas, mas para a formação de novos cantores. Em 1855 o ministro apresenta seu relatório a Assembléia Geral que todas as cadeiras se acham ocupadas e em funcionamento, menos a de canto para o

10

RÓNAI, Laura. Em busca de um mundo perdido: métodos de flauta do Barroco ao século XX. Tese de Doutorado em Música/ Centro de Letras e Artes/Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. p. 63-69. 11 MACHADO, Raphael Coelho. ABC Musical: contendo princípios de musica prática ou elementos de escripturação musical. 40º ed. Buschmann, Guimarães e Irmão. Rio de Janeiro, s/d. 12 SINZIG, Frei Pedro. Dicionário Musical. 2º edição. Rio de Janeiro: Kosmos, 1959. p. 574. 13 Segundo o dicionário Grove solmização é o “uso de sílabas relacionadas a alturas, como recurso mnemônico para indicar intervalos melódicos. Existem muitos sistemas dessa natureza nas culturas musicais no mundo, para servir como uma ajuda na transmissão oral da música e para facilitar o ensino e memorização.” Grove, p. 884. 14 SADIE, Stanley (org). Dicionário Grove de Música: edição concisa. Tradução Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed. 1994. p. 883-884. 15 SINZIG, 1959, Op. cit. p. 548.

155

sexo feminino e masculino que então vem sendo dada pelos dois professores das aulas primarias.16 No caso da disciplina rudimentos e solfejo para o sexo masculino, seus dois primeiros professores eram cantores e por isso aptos também a lecionar canto, porém a cadeira para o sexo masculino a princípio seria ocupada por um professor que não era apenas cantor, de qualquer forma a junção de duas cadeiras estava ocorrendo por falta de recursos financeiros para nomear professores exclusivos para essa cadeira. O primeiro professor desta disciplina foi Francisco da Luz Pinto, nomeado para a cadeira de “Rudimentos, preparatorios, e solfejos” em 11 de julho de 1848, 17 que começou a trabalhar somente em 13 de agosto de 1848. O professor escolhido era muito conhecido dos profissionais da Capela Imperial onde foi cantor falsetista18 contralto – ocupa a vaga de soprano por falta de cantores - sendo músico na antiga Catedral de Nossa Senhora do Rosário sob a direção do padre José Maurício Nunes Garcia, com quem realizou também seus estudos musicais – posteriormente transferido para a Capela Imperial em 1808. Considerado um ótimo funcionário, sua atuação foi descrita como tendo o maior zelo e probidade nas atividades que realizava, que não se resumiam a cantar. Ocupando também o cargo de avisador e arquivista desde 12 de dezembro de 1820, passou a receber mais quarenta e oito mil réis pelo acumulo de funções. 19 Segundo o seu mestre-de-capela Mazziotti em 1841: como arquivista tem a seu cargo o arquivo, e conservado na melhor ordem e zelo possível, alem disso he quem reparte e recolhe as musicas em todas as festividades da Capela Imperial assim como igualmente foi os avisos para as festas extraordinárias, não se propondo em nada afim do exato cumprimento de trabalhos tão diversos e importantes. Atesto mais que sendo por mim incumbido do arranjo do novo coreto (?) da imperial Capela para a solene sagração de sua majestade imperial, preencheo otimamente esta missão assim o dos mais arranjos e misteres para os ensaios do (...) para a mesma solenidade.20

As suas atividades na Capela foram acrescidas em 1855, quando por indicação de Francisco Manoel da Silva, Luz foi nomeado mestre de capela substituto em 12 de novembro 16

FERRAZ, Luiz Pedreira do Coutto. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1855. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. 17 AN – Coleção Eclesiástica – cx. 923. pac. 48 doc. 5. 18 O registro agudo produzido pela maioria dos cantores masculinos e adultos através de uma técnica ligeira artificial, na qual as cordas vocais vibram num comprimento menor do que o comum. Grove. P.310 19 AN – Casa Real e Imperial – cx 12 pac. 3 doc. 6. 27 de julho de 1841. Nesta caixa os documentos estão organizados por músicos 20 AN – Casa Real e Imperial – cx 12 pac. 3 doc. 8. 10 de outubro de 1841.

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de 1855. A sua indicação foi oficialmente justificada “por ser o músico mais antigo e ter as habilitaçoen necessarias para tal cargo”21 e assim reconhecia-se as competências de Luz como profissional para ocupar o cargo mais importante no cenário musical religioso da cidade. Araújo Porto Alegre, criticando os caminhos da música sacra em meados do século XIX, elogiava a atuação conservadora de Luz: No meio de todos estes disparatados delírios, multiformes, verdadeiros monstros creados por uma alienação artistica, um só homem se conservou intacto, e fiel as tradições do mestre: e este homem é o sr. Luz, professor do colégio de Pedro segundo.22

Como docente de música trabalhou no Colégio Pedro II desde fins do ano de 1838 onde conseguiu a vaga de substituto e no início de 1839 foi efetivado no cargo, merecendo por parte do diretor do estabelecimento recomendações a respeito de sua postura como mestre de música, por ser um ótimo funcionário, qualificado e “sua pontualidade e constante, pela sua nobre sisudeza, e pelo seu bom método de ensino, como ainda por um zelo tão fervoroso, que varias composições de musica tem feito para (...) d’este colégio, sem outra remuneração que o adiantamento de seus alunos.” 23 Segundo o diretor do colégio, não recebia salário para as aulas dadas no principal colégio secundário do país. No Conservatório, a partir de 1848, Luz lecionará todos os dias úteis do meio dia às duas horas da tarde, o número de alunos matriculados foi de 72 no ano de 1849. A escolha da diretoria do Conservatório de indicar Francisco Pinto da Luz sugere que este conquistou junto aos seus colegas de profissão uma posição de respeito. A sua atuação no Conservatório não foi possível conhecer, mas tendo por base as poucas referências feitas a seu respeito e o meio musical em que atuou sugere que tenha conduzido sua disciplina com muita sobriedade e rigor, pelas palavras de Porto Alegre até um tanto conservador. Em 1853 o corpo docente sofre a primeira modificação, com a saída de Francisco da Luz Pinto, que pede demissão do cargo. Para seu lugar foi nomeado em 1854 Dionísio Vega, suas aulas ocorriam todas as terças e quintas-feiras e aos sábados das três horas às seis horas24, uma das aulas com maior carga horária, característica das disciplinas teóricas. A 21

AN – Casa Real e Imperial – Capela Imperial - cx 14 pac. 2 doc. 55. Apud CARDOSO. 2005, Op. Cit. PORTO ALEGRE, Manoel de Araújo. A Música Sagrada. In: Íris. 15 de fevereiro 1848; anno 1, n°1. p. 47. 23 AN – Casa Real e Imperial – cx 12 pac. 3 doc. 4. 4 de agosto de 1841. 24 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1857. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. – Sociedades – Institutos – Etc. p. 331 e 332. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/ 22

157

disciplina rudimentos e solfejo era o primeiro passo que o aluno de música deveria dar e a base na formação do musicista. Pode ser considerada a disciplina mais importante não apenas por se constituir na base do ensino musical, e todos os alunos, independente do instrumento escolhido, deveriam passar por ela. 25 Segundo Ayres de Andrade, Dionísio Vega era cantor e fazia parte do coro da Capela Imperial desde 15 de setembro de 1842. Em 1848 passa a exercer a função de mestre, diretor de ponto e dos coros da companhia lírica italiana no Teatro de S. Pedro em de Alcântara; em 1851 recebia por esse trabalho 3.600$000

26

Em 1851 viajou para a Europa em nome do

Teatro de São Pedro para contratar cantores para as temporadas líricas e em 1852 tornou-se um dos regentes da orquestra desse mesmo teatro. 27 Vega foi membro de uma associação musical muito atuante na primeira metade do século XIX, a Philarmônica, que possuía nesse momento duas características que a distinguiam entre as associações do mesmo período: ela foi a primeira sociedade de música no Rio de Janeiro que se dedicava prioritariamente à realização de apresentações de música, e em segundo essa associação congregava como membros figuras da aristocracia da corte.28 Vega além de ser professor do Conservatório e atuar nos teatros da corte, também acumulou o cargo de mestre de capela honorário na Capela Imperial por portaria de 27 de setembro de 1859.

29

Pouco antes de sua morte em 16 de novembro de 1860 pleiteou a vaga

de mestre de capela efetivo que ficara vago com a morte de Giannini. A petição foi avaliada e a conduta de Vega foi assim exposta pelo funcionário do ministério do Império: O 2º peticionário, Dionísio Vega, serve na Imperial Capella, como muzico cantor, desde 15 de setembro de 1842, e foi agraciado com as honras de Mestre de Capella por portaria de 27 de setembro do anno próximo passado. É professor no Conservatório de Musica desta Corte, e n’elle exerce as funcções de Secretario. O Monsenhor Inspector informa que o Suppe está nos termos de ser attendido.30

25

Essa afirmação deve ser relativizada. Alunos como Carlos Gomes e Henrique Alves de Mesquita, que já chegavam ao Conservatório com formação musical, não passaram por esta disciplina. 26 CARVALHO, José da Costa. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1851. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. Anexo: Relação dos empregados da Companhia Lírica. 27 ANDRADE, 1967. Op. cit. 2º vol. P. 244. André Cardoso ressalta que este músico conseguiu se destacar no cenário musical da primeira metade do século XIX na cidade do Rio de Janeiro. CARDOSO, 2005. Op. cit. p. 151. 28 MAGALDI, Cristina. Concert Life in Rio de Janeiro, 1837-1900. Tese de Doutorado. Los Angeles: University of Califórnia, 1994. p. 58. 29 AN – Coleção Eclesiástica cx. 917 pac. 16 doc. 34. Apud CARDOSO, 2005, Op. cit. p. 151. 30 AN – Coleção Eclesiástica cx. 923 pac. 48 doc. 108. Apud CARDOSO, 2005, Op. cit. p. 119.

158

Dionísio Vega parece não ter se dedicado a atividade de composição, existe apenas na Biblioteca Nacional a partitura para canto e orquestra que fez para a peça de Joaquim Manoel de Macedo O Fantasma Branco: comédia em 3 atos ornada de música, publicada em 1856. Foi levada a cena em 28 de junho de 1851 e considerada uma ópera nacional que fez sucesso nos periódicos da corte. Todavia a música seria uma sinopse de diversas músicas e por isso não original, e mesmo o enredo não possuía um caráter nacional; segundo o periódico, o sucesso veio porque Macedo teria muitos amigos a proclamar seu sucesso. 31 Ainda assim, Vega participou da criação da Academia de Ópera Lírica e assinou, em 1857, o programa que criava essa instituição, junto com Francisco Manoel, Araújo Porto Alegre, Giannini e Isidoro Bevilacqua, passando a fazer parte do conselho artístico desta instituição. Participa em vários momentos de pleitos ao governo a respeito de questões importantes em seu ambiente de trabalho e remuneração. Dionísio Vega foi nomeado interinamente como secretário do Conservatório após a morte de Francisco da Mota por portaria em 5 de agosto de 1859 e efetivado no mesmo cargo em 25 de outubro do mesmo ano,32 mas permaneceu no cargo por pouco mais de um ano quando falece no Rio de Janeiro em 16 de novembro de 1860.

33

Junto com o diretor da

instituição, Vega, como secretário do Conservatório, levou várias questões ao corpo acadêmico da Academia Imperial das Belas Artes. Essas questões diziam respeito ao que consideravam importante para a construção e proteção do seu campo de trabalho, especificamente sobre a qualificação dos professores de música que lecionavam por toda a cidade sem autorização especial, propondo medidas que mais tarde vieram a fazer parte das preocupações da Academia Imperial das Belas Artes.34 A sua participação nessa questão pode ser entendia como uma defesa de seus próprios interesses. Além de ser professor do Conservatório tinha também um Liceu Musical em parceria com Giannini desde 1848.35 De 1845 a 1859 consta no Almanak Laemmert como professor de piano e canto e afinador do mesmo instrumento.36 A partir de 1851 ele anuncia 31

O Martinho 6/7/1851. Apud GIRON, 2004, Op. Cit. p. 59-60. AN – Série Educação – gabinete do ministro IE1 registro de portarias do Ministério do Império 4º sessão livro 1; 1859-1868. 33 ANDRADE, 1967. Op. cit. 2º volume. p. 245. 34 Ver principalmente as atas do ano de 1859. MDJ - pasta 6152 - Ata da sessão de 12 de outubro de 1859. 35 SIQUEIRA, Baptista. Três vultos Históricos da Música Brasileira: Mesquita – Callado - Anacleto. D. Araújo, 1969. p. 44. 36 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1845. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. – p. 228. Disponível http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/ 32

159

que também trabalha na capela do imperador: “Dionysio Vega – professor da Capella de S. M.I. e Director de Musica, dá lições de piano e canto”.37

Almanak Laemmert – 1858. p. 21 – notabilidades.

A sua disciplina pode ser considerada como uma das mais importantes na escola, o canto era a grande atração no século XIX. Além da aula de rudimentos e solfejo, Vega era responsável por todos os alunos que entravam no Conservatório. Não foi possível saber como eram dadas essas aulas, até o momento não foram encontrados documentos que pudessem esclarecer o método empregado no ensino do canto e rudimentos para os iniciantes. Contudo é possível saber quais eram os métodos de canto e solfejo que estavam disponíveis na cidade do Rio de Janeiro. Claro que não se pode afirmar com certeza que esses eram os métodos utilizados em sala de aula por Vega mas é uma ponte para sabermos quais eram as referências musicais mais utilizadas na corte. Para o método de rudimentos possivelmente se utilizava oficialmente o trabalho publicado pelo diretor do Conservatório, Francisco Manoel da Silva o “Compêndio de Princípios Elementares de Música para o uso do Conservatório de Música do Rio de Janeiro”, editado em 1848. No Almamak Laemmert de 1858 pode-se encontrar o anúncio de Honório Vaguer Frion que possui um estabelecimento no Rio de Janeiro onde se vende de pianos a partituras, onde eram anunciados os “Methodos para canto e solfejos, de Rodolpho, CintiDamoreau, Assioli, Vaccai, Bordogni e Duprez”38 37

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1858. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. p. 499. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/. 38 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1858. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. – p. 14-15. Notabilidades. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/.

160

No anúncio não é dito que esses métodos eram utilizados nas aulas de canto do Conservatório, todavia para as outras aulas é possível encontrar a referência do método adotado para cada instrumento. Em ofício de janeiro de 1861 enviado pela quarta sessão do Ministério do Império ao Ministério da Fazenda é oficializada a nomeação de Elias Álvares Lobo como professor interino, tornando-se o docente da cadeira de rudimentos no lugar de Dionísio Vega com os mesmos vencimentos estipulados em 1855.

39

É difícil precisar se este músico trabalhou no

Conservatório e por quanto tempo, já que em 1861 Demétrio Rivero figura no Almanak Laemmert como o professor interino desta disciplina.40 Machado de Assis se refere a Elias Álvares Lobo no Diário do Rio de Janeiro onde comentava a temporada lírica de 1861, segundo o escritor “Os compositores nacionais aparecem. Acha-se nesta corte, vindo de São Paulo, o Sr Elias Álvares Lobo, autor da Noite de São João; retirado à sua província natal, o Sr Álvares Lobo escreveu uma nova ópera, cujo libreto é devido à pena de um dos nossos jovens escritores dramáticos (...)” Não se sabe ao certo quando Álvares Lobo chegou a cidade do Rio de Janeiro. A primeira referência de sua possível presença na cidade foi em 1º de novembro de 1858 na Capela Imperial onde foi executada uma cantata sua em uma missa oferecida ao Imperador.41 Vindo da cidade de Itu, província de São Paulo, conseguiu se destacar na cidade do Rio de Janeiro devido principalmente a sua ligação com a Academia de Ópera Lírica Nacional, na qual irá participar como compositor e regente. A obra que o tornou conhecido foi A Noite de São João com libreto de José de Alencar com texto original em português, que foi escrita em 1854 e apresentada em 14 de dezembro de 1860, tornando-se a primeira ópera em idioma nacional representada em público no Teatro São Pedro de Alcântara. 42 Protagonizou uma polêmica no Diário do Rio de Janeiro em defesa de sua ópera A Louca que deveria, segundo o autor, ter sido levada à cena pela Academia de Ópera Lírica Nacional, mas que estava sendo colocada à parte pelo empresário da empresa José Amat. Pelo jornal é possível saber quando Álvares Lobo não estava na cidade para ocupar o cargo para 39

AN – Série Educação – IE1 442 - registro de ofícios enviados a diversas autoridades registro de portarias do Ministério do Império, quarta sessão. 1859-1861. p. 151. 40 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1857. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. – Ministério do Império. p. 331. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/ Conservatório de Música. 41 Dicionário Cravo Albin de Música Popular brasileira. Disponível em http://www.dicionariompb.com.br. 42 GIRON, 2004. Op. cit. p. 173-74.

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qual foi nomeado. Em 26 de outubro de 1862 informou que estava indo para Itu sua cidade natal,43 cinco dias após este primeiro artigo, Elias Álvares Lobo responderia a outro artigo do empresário espanhol José Amat no mesmo periódico, onde termina dizendo que “(...) Prefiro ceder o campo ao Sr. Amat e voltar para São Paulo, não podendo continuar em uma luta improfícua (...)”44 Com as boas relações estabelecidas antes e após a apresentação de sua ópera pela Academia de Ópera Lírica é possível que Elias Álvares Lobo tenha realmente ocupado o cargo para qual foi nomeado, mesmo que por poucos meses ou dias. A cadeira de rudimentos será ocupada pelo então professor de rabeca da mesma instituição, Demétrio Rivero que ficará no cargo até 1865 quando será nomeado Arcângelo Fiorito.

3.2. Rabeca No anúncio feito no Almanak Laemmert, Honorio Frion, proprietário de uma casa de música, anuncia que se encontra já traduzido para o português, o método para rabeca de Delphim Allard que podia ser adquirido por 8$000 reis, o mais caro entre os métodos para instrumento e teoria.45 Allard é um famoso método para o estudo do violino moderno, mas está sendo anunciado para o estudo de rabeca instrumento que ao longo do século XX foi considerado rudimentar e popular, com isso diferente de violino que conquistou um status de instrumento erudito. O que fez o violino ser chamado de rabeca em anúncios de compêndios de música e no Conservatório de Música ao longo de todo o século XIX, ainda não é possível de ser respondido, mas a questão se torna interessante na medida em que evidencia o vocabulário musical corrente à época decorrente de práticas culturais diversas que denotam um sistema de sentidos construído em longo prazo, assim também como salienta as rupturas sutis e difíceis de serem datadas que o olhar posterior denuncia, trata-se de diferentes códigos culturais e musicais.

43

Diário do Rio de Janeiro, 27/10//1862. Apud ANDRADE, 1867, Op. cit. p. 106. Diário do Rio de Janeiro. Apud ANDRADE, 1867, Op. cit. p. 106-107. 45 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1857. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. – notabilidades p. 26 – lojas de música. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak 44

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O termo “rabeca” utilizado no Conservatório até o final do século XIX a princípio pode causar estranhamento, isso por que quando estes falam rabeca estão dizendo basicamente, violino. Rabeca, Rabel, Rabil, Rebel, Rabequim entre outros “com todos estes nomes designavam os nossos antepassado o rebeb dos árabes, introduzido na Europa em especial na península ibérica e usado principalmente pelos jograes moiriscos e músicos ambulantes”.46 Ernesto Vieira explica as características do instrumento, segundo ele existiam de duas forma diferentes, a primeira, se tocava collocando-o a prumo sobre o joelho; tinha duas cordas, afinadas em quintas, dó# - sol#; a sua escala era limitada á extensão a uma nona dó1 – ré2 (?), porque não se sabia tocar em mais de uma posição, nem a fôrma do instrumento o permittia em conseqüência de ter um braço muito curto.

E a segunda, A outra espécie de rabel era menor, sendo por isso denominada de rabequim ou rabequinha; tinha três cordas, afinadas como as do violino moderno: sol2 – ré3 – lá4. Por causa da sua pequenez começou a ser collocada em posição inversa á do rebab, isto é, com a caixa harmonica voltada para cima e apoiada no hombro esquerdo á maneira também do violino.47

Vieira termina o verbete acrescentado que a família das violas de arco foi aperfeiçoada pelos menestréis fazendo desaparecer o rabel ficando apenas a denominação rabeca utilizada para denominar o que conhecemos hoje como violino.48 Porém, o violino por sua vez tem a trajetória das mais remotas entre os instrumentos modernos, as principais características do instrumento, sua estrutura física e forma de tocar, já estavam formados desde o século XVIII, características essas que provêm de outros instrumentos, a forma do corpo da viola e da lira e a forma de tocar da rabeca, assim como muitas técnicas de tocar o instrumentos também já estavam em uso antes do século XIX.49

46

VIEIRA, Ernesto. Dicionário Musical. 2ª ed; Lisboa: Editora Lambertini, 1899. Disponível em http://purl.pt/800/3/. P. 437. 47 Idem, ibidem, p. 437. 48 Idem, ibidem, 438. 49 HARNONCOURT, Nikolaus. O discurso dos Sons: caminhos para uma nova compreensão musical. Tra. Marcelo Fargelande. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. Especificamente a parte II do “Intrumentarium e o discurso musical”, p. 127-165.

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Segundo Rafael Coelho Machado verbete rabeca é o termo vulgar para violino e violeta.

50

Mas rabeca no Conservatório era a designação para o violino, utilizada até o final

do XIX, como é possível constatar nas listas dos alunos premiados, por instrumentos, nas festas anuais, além de ser o nome formal e oficial da disciplina. Demétrio Rivero foi o professor responsável pelo ensino da rabeca e outros instrumentos de corda ao seu alcance, para isso o professor dispunha de dois dias na semana: as terças e sextas-feiras, permanecendo na instituição duas horas em cada dia. Dentro do Conservatório, Rivero deveria dar aulas de rabeca e outros instrumentos de corda, inclusive viola, violoncelo ou contrabaixo, todos instrumentos do mesmo naipe ou família.51 A atividade docente de Rivero extrapolava os limites do ensino formal, ele oferecia também aulas particulares na cidade. Márcia Taborda em sua tese sobre a trajetória do violão no Brasil aponta que em 1847 Rivero aparecia no Almanak Laemmert dando aulas de piano, canto, violão e rabeca, sendo um dos pioneiros no ensino de violão na cidade do Rio de Janeiro.52 Como pode-se notar Rivero ensinava mais de um tipo de instrumento, alguns muito diferentes entre si, com peculiaridades técnicas que os distanciam, tornando assim difícil de imaginar que dominasse tecnicamente cada um como seria exigido do instrumentista a partir do século XIX. A escolha por instrumentos tão diferentes sugere que esse músico, como muitos outros, o fazia também por necessidade. Quanto mais diversificado, maior a possibilidade de encontrar alunos, já que atendia a uma gama variada de demanda. Mas fica a dúvida da

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MACHADO, Raphael Coelho. Diccionario Musical. Typ. Francesa: Rio de Janeiro, 1842. p. 188. Violino em Machado tem duas acepções: 1º “primeiro instrumento da orchestra, da ordem dos de arco; o mais poderoso na intensidade. Este instrumento que Boleau chama alma da orchestra, seu guia e segurança, reúne em si ou imita o timbre de muitos outros instrumentos, segundo a mão que dirige seu arco e segundo a corda sobre que se executa, violino” 2º “o professor que toca esse instrumento. Os violinos se dividem em primeiros e segundos, porque a musica de violino regente, que como chefe de toda a orchestra guia os executores por meio de seu instrumento ou pelo gesto quando precisa advertir algums dos professores que se descuida” ele remete ao verbete de regente a partir desse momento, na segunda acepção é claro que está falando do spalla da orquestra que é o primeiro violino. Para violeta Machado assim define “instrumento d’arco indispnesavel na orchestra para preencher o vácuo que há na harmonia entre os instrumentos graves e agudos; e ianda mesmo que ella algumas vezes toque em octava do baixo sempre liga os instrumentos altos com os baixos, e concorre muito para o bom effeito. Sua afinação he huma octava acima do violoncello, e a sua figura semelhante á do violino”. Nesse caso a descrição confere com a viola, apesar da afinação ser um pouco diversa, e o Dicionário Grove edição concisa encerra o assunto, violeta era a palavra usada nos séculos XVII e XVIII para a moderna viola. P. 997. Uma das formas de caracterização de um instrumento é a sua afinação. 51 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1857. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. – 1857, p. 331 e 332. Disponível em Http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/ 52 TABORDA, Márcia Ermelindo. Violão e Identidade Nacional: Rio de Janeiro 1830/1930. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro; UFRJ/IFCS, 2004.

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qualidade das aulas considerando justamente a exigência do virtuosismo. Contudo, Rivero era conhecido pelo seu virtuosismo ao violino sendo este o seu primeiro instrumento. Demétrio Rivero nasceu em Buenos Aires em 1822. Seus estudos foram feitos com o pai, Roque Rivero, um pianista e compositor que construiu muito boa reputação, conhecido como “el músico que cantó a la Liberdad” porque viveu em um período conturbado da história argentina, viu a Revolução de Mayo e a Independência, foi adversário de Rosas e com isso teve que sair da Argentina.53 Desde os dez anos atuava como concertista em sua cidade natal e executava obras consideradas de virtuosismo. Em Montevidéu também teve uma atuação intensa como violinista, diretor de orquestra e compositor, Morillo marca que Rivero filho tem sua obra marcada por dois períodos, o uruguaio e o brasileiro. Na capital uruguaia estão uma “Variaciones para violín sobre motivos de la ópera de Bellini I Capuleti ed i Montecchi” e um Himno Patriótico que segundo Roberto Garcia Morillo “se entonaba ante la tumba del Inca Capac, para el melodrama heróico Amazampo (de assunto americano, traducido del original francês por um poeta uruguayo).”54 Em Montevidéu foi qualificado pelo periódico El Nacional como “emigrado de la capital de Buenos Aires, por abrazado la Justa Causa, que hoy defiendem los Libres de la América del Sud”. 55 Rivero teve uma atuação profícua no Brasil, de fato sua procedência era a Argentina mas com seu pai teve que passar um bom tempo no Uruguai como refugiado político. Tanto pai quanto filho, Roque e Demétrio Rivero saíram da Argentina para Montevidéu em 1837 permanecendo neste país por seis anos. São considerados como precursores da música nacional argentina apesar de que o trabalho de ambos, como destaca Roberto Garcia Morillo, teve maior desenvolvimento quando estes estiveram fora de seu país de origem. Tanto o pai quanto o filho vieram para o Brasil no ano de 1843, portanto um ano antes de Demétrio conseguir uma vaga na orquestra da Capela Imperial.56 Morillo destaca que Demétrio Rivero adquiriu uma importância para a historia da música na Argentina, propiciada pelas novas pesquisas que verificaram ser ele o primeiro autor argentino de óperas, além de já ser considerado o primeiro violinista de concerto. A ópera a que se refere o autor é “O Primo da Califórnia” estreada no Rio de Janeiro em 1855, 53

MORILLO, Roberto Garcia. Estudios sobre musica Argentina. Buenos Aires: Ediciones Culturales Argentinas/Secretaria de Cultura/ Ministerio de Educacion y Justicia, 1984. p. 45. 54 Idem, Ibidem p. 48. 55 Idem, Ibidem. p. 47. 56 Idem, Ibidem p. 45-46.

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teve ao todo quatro récitas, esta peça é classificada como uma ópera cômica em dois atos com libreto de Joaquim Manoel de Macedo. A novidade segundo o autor do texto é que a ópera de Rivero antecede a peça que até esse momento era considerada a primeira iniciativa de um teatro musical argentino a La Gatta Bianca . 57 A peça de Demétrio teve sua estréia no Ginásio Dramático em 12 de abril desse ano. Morillo, assim como Ayres de Andrade, também afirma que Demétrio Rivero escreveu muitas modinhas, romanzas e noturnos, que diz fazerem alusão a ambientes brasileiros: podemos encontrar composições do músico argentino no Álbum Pitoresco-Musical uma publicação dedicada ao Rio de Janeiro, onde foram feitas músicas e imagens para alguns bairros da cidade: Rivero fez uma para Botafogo.

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Teve publicado no famoso Álbum de Armia:

gemidos sobre o túmulo de uma brazileira publicado em 1855 uma música chamada A visão. Nesse álbum, dos onze compositores, quatro eram professores e um era aluno do Conservatório, Henrique Alves de Mesquita. No ano que Rivero chegou no Rio de Janeiro tratou logo de compor “Ultimos momentos da Rainha de Portugal a Senhora D. Maria Segunda : Grande Valsa offerecida a suas Magestades Imperiais” encontrado na Biblioteca Nacional, publicado pela tipografia de F. de Paula Brito, valsa essa que saiu no suplemento da Marmota Fluminense em 1854. Na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da UFRJ é possível encontrar obras que faziam parte do arquivo do Conservatório, entre elas duas obras manuscritas de Rivero, a primeira é uma “Fantasia concertante de piano e violino: dedicada ao exímio artista dramático e distinto pianista Luiz Candido Furtado Coelho por seu admirador D.R.. Na folha de rosto está anotado “Traviata”, Demetrio Rivero trabalhou em cima de um tema de Verdi, da Traviata especificamente. Esse procedimento era muito comum no século XIX, a fantasia mais conhecida no Brasil é a que foi feita por Gottschalk a “Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro”. Rivero ainda fez outra fantasia sobre outro tema de Verdi Fantasia consertante para piano e violino motivos de “Um Ballo in Machera”. Morillo ainda fornece o nome de outras obras, um “Tema com variaciones” que foi dedicado ao violinista Candian em 1845, uma “Valsa-Caprice” para a famosa soprano Rosine Stolz,

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Idem, Ibidem p. 46 e 48. O bairro da Glória ficou a cargo de Eduardo Medina Ribas; o Jardim Botânico com Salvador Fabregas; Boa Viagem música de Geraldo Antônio Horta; S. Cristóvão por Quintino dos Santos; a Tijuca com José Joaquim Goyanno e Petrópolis por A. Campos. 58

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fez ainda uma adaptação de uma romanza de Arthur Napoleão chamada “dialogué avec le violon” e uma cavatina (ária pequena e simples).59 Apesar de ter composto algumas músicas, Demetrio Rivero não tem em seu currículo obras de grandes dimensões, destacando do seu repertório apenas a sua ópera. A sua atuação no Conservatório foi discreta, sempre presente a reunião da congregação, pode-se constatar que participava e apoiava as demandas e decisões dos professores. É importante ter em conta também que ele não participava apenas das atividades do Conservatório, assim como outros professores, trabalhou na Capela Imperial e dava aulas particulares. Rivero vivia basicamente no mundo culto da música no Brasil, mas há um detalhe fundamental, este foi um os primeiros professores de música a figurar no Almanak Laemmert dando aulas de violão, instrumento pouco considerado no meio musical erudito.60 Se considerarmos que músicas e instrumentos tidos como populares não faziam parte do cotidiano de músicos que reconhecidamente faziam parte do mundo “erudito” eliminamos as possibilidades de assimilação como parece ser o caso do violão que era ensinado pelo eminente violinista ou rabequista. A autora ao longo de seu trabalho mostra justamente que, O reconhecimento do violão como instrumento popular por excelência, não apenas pelo desempenho enquanto suporte harmônico dos gêneros da música típica, mas pela associação às camadas desfavorecidas da sociedade, foi o mote para sustentação do discurso erigido a partir de princípios do século XX, no qual, uma vez que essencialmente popular, o violão deveria ser banido dos círculos onde a verdadeira arte seria praticada. 61

A partir dessa constatação, fica a dúvida do quanto esse instrumento era desprezado pelo “mundo erudito” ou por músicos enquadrados nessa categoria. Assim como é possível ver Rivero dando aulas de violão é possível também verificar que para esse instrumento também existia uma demanda por aulas particulares com anúncios de venda de compêndios junto com instrumentos como piano, violino, violoncelo e estava a disposição do público o método para violão de M. Carcassi, por 6$000, traduzido para o português por Raphael Coelho Machado com o nome de “Methodo completo de Violão”62

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MORILLO, 1984. Op. cit p. 48. TABORDA, 2004. Op. Cit p. 124. 61 Idem, ibidem, p. 124. 62 BINDER, F. CASTAGNA, P. Teoria Musical no Brasil: 1734-1854. In: Revista Eletrônica de Musicologia. vol. 1.2, Dez. 1996 (acesso em 20 de Julho de 2004) Disponível http://www.humanas.ufpr.br/rem/remv1.2/vol1.2/teoria.html. 60

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Mas Rivero não era o único a ensinar o violão na cidade do Rio de Janeiro, José Joaquim dos Reis o mesmo que em 1841 assina o pedido de criação do Conservatório, que em 1865 era o primeiro violino da Capela Imperial ensina música, piano, violino, violoncelo, violão, e regras de harmonia, e também José Amat, considerado por Márcia Taborda um importante divulgador do instrumento.63 O estudo do violão abriu caminhos para pensar sobre a separação e hierarquização dos instrumentos dentro do Conservatório. Márcia Taborda acredita que a dicotomia entre o mundo erudito e popular foi propiciada, entre outros elementos, por “que o instrumento era jovem e ainda não havia constituído repertório que consagrasse as possibilidades de expressão a partir das técnicas européias que, por sua vez, eram também recentes.”64 Esses argumentos possibilitam pensar na história da cada instrumento e como estes foram sendo assimilados e incluídos no programa escolar musical. A juventude não era privilégio apenas do violão, o piano nesse caso serve bem para a comparação, pois em seu processo de desenvolvimento, ele existe como o conhecemos, apenas a partir do final do século XVIII. A rabeca como foi possível ver também sofreu modificações importantes, um tipo dela desapareceu e outra parece ter virado o violino. Instrumentos de sopro como o trombone, trompa, tuba, trompete, bombardino ou as madeiras como oboé, fagote possuem sua funcionalidade dentro de uma orquestra ou banda mas não possuem, assim como, a viola, contrabaixo e harpa um repertório que o qualifique então a pertencer ao mundo “erudito” já e a autora está se referindo ao repertório Clássico. Temos instrumentos considerados “eruditos” e que tiveram seu repertório constituído no século XIX. Mas o piano demoraria a entrar no Conservatório de Rio de Janeiro, apenas em 1873. O violino tem uma trajetória mais longa, pelo menos desde o barroco temos peças para esse instrumento solo. Harnoncourt esclarece que apenas “as cordas possuem o mesmo formato externo que seus ancestrais de quatro séculos atrás. Todos os instrumentos precisaram ser substituídos por novos modelos (...) ”65 o autor justifica essa mudança por uma necessidade técnica, uma mudança no gosto que teria proporcionado tais mudanças. Os instrumentos que foram adotados no Conservatório atendem, dessa forma, a uma necessidade de suprir o básico do ensino musical e o gosto então vigente. 63

TABORDA, 2004. Op. cit p. 58. Idem, ibidem, p. 136. 65 HARNONCOURT, 1998. Op. cit. p. 129. 64

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3.3. Contraponto, regras de acompanhar e órgão. Nesta disciplina se ensinavam as matérias teóricas “superiores”, referentes aos estudos de composição, e seu estabelecimento vem atender à necessidade prevista de novos compositores tanto para a música do teatro quanto para a igreja. Sobre o ensino do órgão, aqui cabe uma explicação do ensino desse instrumento em particular. A utilização do órgão nesse caso se dá pela característica que o instrumento possui de sustentar o canto e marcar a harmonia da obra. O órgão funcionava como ferramenta nas aulas teóricas ao contrário da cadeira de rudimentos que foi anexada o canto – mas não se pode afirmar que o seu ensino estivesse voltado exclusivamente para essa função já que existe indicação de que Julio José Nunes aluno do Conservatório66 era organista, e é possível encontrar o requerimento em que pede para ser nomeado como organista na Capela Imperial em 1872.67 Com sua utilização ainda freqüente em pleno século XIX, parece difícil compreender que não houvesse o ensino prático do instrumento. Sua utilização, no caso do Brasil, estava ligada à prática didática dos jesuítas em sua ação de catequização dos indígenas através da música, acompanhando a vida religiosa no Brasil desde o século XVI, com a criação do primeiro cargo de organista na Sé da Bahia em 1559. No universo religioso era muito utilizado nas igrejas durante o período colonial e o seu uso foi estendido até o final do século XIX na Capela Imperial, que mantinha em seu quadro dois organistas, e nas diversas igrejas espalhadas pela cidade do Rio de Janeiro. Era uma carreira interessante, pois tinha uma função importante dentro do cerimonial da igreja católica; mesmo em declínio a maioria das igrejas mantinha um órgão e um organista. O uso do órgão foi regulamentado pela igreja pela Cæremoniale Episcoporum em 1600 aonde se elaboraram normas inclusive para a utilização de estilos musicais para a música religiosa. O órgão chegou a ser proibido em períodos como o advento e quaresma,

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ANDRADE, 1967, Op. cit. p. 209. AN - Coleção eclasiástica. Cx. 930 pac. 85. doc. 150 p. 66. Apud CASTAGNA, Paulo. Documentação musical catedralítica na Coleção Eclesiástica do Arquivo Nacional (Rio de Janeiro-RJ). In: Revista Rotunda. Campinas, nº3 outubro 2004, pp. 49-74. Disponível em http://www.iar.unicamp.br/rotunda/sumario03.htm.

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porque nesses momentos se exigia expressão de tristeza, dor, ausência e austeridade, e o som deveria ser suprimido. 68 Contudo, mesmo durante o advento e quaresma havia momentos em que era permitido o ritual ao som do órgão, e era permitido também na maioria dos eventos religiosos ao longo do ano, como En todos los domingos y em todas lãs fiestas que ocurrem durante el año, em las que el pueblo no debe trabajar, debe usarse, em la iglesia, música con canto y órgano. Entre esas fiestas, no se deben incluir los domingos del Adviento y Cuaresma, excepto em lãs Misas del tercer domingo del Adviento – denominado Gaudete in Domino – y el cuarto de la Cuaresma – denominado de Lætare Jerusalém – y em lãs fiestas de la Iglesia celebra con solemnidad, como el día de los Santos Matias, Tomás de Aquino, Gregorio Magno, José, de la Anuciación, que ocurram en el Adviento y Cuaresma. Tampoco se deben incluir la Misa del Jueves de la Cena del Señor (Jueves Santo) y la Misa y Víspera del Sábado Santo; todas éstas deben ser celebradas solemnemente y con alegria, debido su importância.” 69

Contudo, ao longo do tempo e dos concílios – inclusive na Sagrada Congregação dos Ritos em 1842 - em uma ou outra cerimônia foi sendo permitido a utilização do órgão ou harmônio, entre permissões e interdições, o importante é entender que o órgão foi entendido como um (...) instrumento eclesiástico, para o culto, e louvor de Deus, posto que também serve de alivio, e descanso aos que professam o coro, e de suprir algumas cousas do Ofício Divino; sejam advertidos todos os organistas, que tangem em tom grave, devoto, e bem ordenado, sem que nele se entremetam tom profano ou menos honesto, por assim proibir o sagrado Concílio Tridentino.70

Fernando Binder e Paulo Castagna em um estudo a respeito da teoria musical no Brasil afirmam que a entrada de obras didáticas para o órgão ou relacionada ao instrumento ocorreu no Brasil ainda no período colonial, como as “Regras de acompanhar para cravo ou órgão” 68

CASTAGNA. Paulo. Prescripciones tridentinas para la utilizacion del Stilo Antiguo y del Estilo Moderno en la Musica religiosa catolica (1570-1903). Tra. Mônica Vermes. I Congresso Internacional de Musicologia; Buenos Aires; Instituto Nacional de Musicologia “Carlos Veja”, oct. 2000. p. 8. 69 Idem, ibidem. p. 6-7. O autor mostra que essas proibições estiveram ligadas mais a questões referentes ao estilo em voga, do que ao instrumento em si. 70 Leonardo. Economicon sacro dos ritos, e ceremonias, ecclesiasticas aplicado ao uso não só dos Cônegos Regrantes Augustinianos da Congregação de S. Cruz de Coimbra, mas também de todo o Clero [..] Lisboa: Manoel Lopes Ferreyra, 1693. Cap. I, titulo IV (do Órgão , ao Tangedor) § I-III, p. 15-17. apud CASTAGNA, Paulo. Prescripciones tridentinas para la utilizacion del Stilo Antiguo y del Estilo Moderno en la Musica religiosa catolica (1570-1903)…

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de Alberto José Gomes da Silva publicado em Lisboa em 1758. Segundo os autores esta obra juntamente com o “Compendio músico ou arte abreviada” de Manuel de Moraes Pedroso publicado em Coimbra em 1751 e a “Nova arte de viola” de Manuel da Paixão Ribeiro também publicado em Coimbra em 1789 conseguiram reunir quatro aspectos importantes nesse momento; o primeiro é que as obras oferecem exemplos da prática musical que ocorria no final do século XVIII no Brasil; em segundo porque conseguiram uma boa difusão; em terceiro por esses métodos tratarem mais do caráter prático da música em detrimento de especulações e por fim por tratarem de aspectos básicos e gerais de música. Para o período posterior é possível encontrar métodos para o ensino do órgão publicados no Brasil como o “Modo de dividir a canaria do Órgão” de compositor anônimo provavelmente de Salvador no início séc. XIX. Rafael Coelho Machado ainda produziu o “Método de órgão expressivo” em 1854 além de diversos outros compêndios teóricos e para instrumentos.

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No Almanak Laemmert encontra-se o anúncio de um método para quem

pretende se dedicar ao aprendizado do órgão ou harmônio, mas não há especificação do nome do método, que pode ser adquirido por 5$000.72 Mesmo com as restrições impostas ao instrumento pela igreja o seu uso ainda era uma peça importante em cerimônias de segunda ordem dentro da igreja. 73 O professor escolhido para lecionar essa cadeira foi Gioachino Giannini no Brasil chamado de Joaquim Giannini, um italiano de Lucca, que chegou ao Rio de Janeiro em 1846 como diretor da Companhia Lírica Italiana, contratada para atuar no Teatro de São Pedro de Alcântara.74 Entre os professores estrangeiros que lecionavam no Conservatório Giannini é o mais se destacou na vida musical da corte, foi considerado por Luiz Heitor - de forma vaga como um músico de valor e classificado por Ayres de Andrade como professor e regente de orquestra.75 71

BINDER, F. CASTAGNA, Op. cit. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1857. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. – notabilidades – lojas de música, p. 26 –. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak 73 Para um entendimento da música na igreja no Brasil ver André Cardoso. Neste trabalho o autor irá estudar a música na Capela Real e Imperial e explicar a liturgia católica, a hierarquia musical e a música na liturgia praticada na Capela Real e Imperial no Rio de Janeiro. CARDOSO, André. A Música na Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2005. Primeiro capitulo. 74 ANDRADE, 1967. Op. cit, 2º vol. p. 174. 75 Idem, Ibidem. vol. 2. p. 174. Nos anúncios no Almanak Laemmert Giannini se apresenta como Cavaleiro da Ordem de S. Ludovico e mestre de câmara de S.A.R o Duque de Lucca, considerando essas informações, quando chegou ao Brasil este músicos já possuía uma carreira consolidada na Europa. 72

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O que se fica ainda sem saber é qual era o seu instrumento, porque sua atuação foi descrita principalmente como regente, compositor e professor, nunca como intérprete, quando observamos que o século XIX, no Brasil, sobretudo, é o século privilegiado dos intérpretes. Os cantores, cantoras e instrumentistas são os que aparecem e fazem sucesso, o compositor dentro desse cenário é uma figura importante, porém obscurecida pela presença da primadona e do tenor que iriam interpretar sua mais nova composição e deles dependia o sucesso da música.

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Giannini conseguiu consolidar sua carreira atuando nas principais instituições

musicais da época e participando da criação de outras, mas principalmente porque conseguiu construir e manter redes sociais, não apenas com músicos importantes na época. Segundo Baptista Siqueira, Giannini era, já nessa época, “(...) a maior autoridade da música teórica”. 77 Junto com Dionísio Vega – seu colega na companhia lírica italiana - abrem um Liceu Musical em 1848 na cidade, que funcionou, provavelmente, até 1855 quando Giannini foi nomeado para a cadeira de composição no Conservatório, pois o autor diz que assim que o Conservatório deu início às aulas o maestro se desligou do curso no Liceu e levou consigo todos os alunos de sua antiga escola.78 Suas aulas eram dadas todas as terças, quintas e sábados das cinco horas às sete da tarde.79 A partir de sua estréia no teatro de S. Pedro de Alcântara, em 27 de outubro de 1846, com a ópera Lucrezia Borgia de Gaetano Donizetti, passa a ser o regente do teatro junto com João Victor Ribas, um violinista português que veio do Porto em 1841. Giannini foi descrito por André Rebouças: Era o mestre Giannini, de caracter alegre e folgasão; de média estatura: antes magro do que gordo, olhos vivos e cabellos pretos; não tinha muita paciência para ensinar, e era pouco assíduo ás aulas de Contraponto no Conservatório. Carlos Gomes, na

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A ópera O Guarani de Antônio Carlos Gomes, passou por dois momentos distintos, em 1881 foi vaiada e aplaudida, a reação da platéia dependia de quem estava interpretando a obra e não o compositor ou a composição. Esse caso específico foi tratado por PINHO, Wanderley. Salões e Damas do Segundo Reinado. 5º, São Paulo ed. GRD, 2004. Outro autor que trata bem da questão é GIRON, Luis Antônio. Minoridade Critica: a ópera e o teatro nos folhetins da corte 1826-1861. São Paulo: editora da USP; Rio de Janeiro: Ediouro, 2004 e ANDRADE, Ayres. Francisco Manoel da Silva e seu tempo 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos. Rio de Janeiro: Secretaria de Educação e Cultura, 1967. 2º volume. Vol. 2. P. 174. 77 SIQUEIRA, Baptista. Três vultos históricos da música. Editora D. Araújo 1969. p. 44. 78 Idem, ibidem, p. 44. 79 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1857. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. 331-332 – Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak.

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sua impaciência de aprender, ia tomar lições em casa; mas assim mesmo poucas vezes obtinha esse favor do maestro.80

Apesar de considerado como músico de valor e figura importante no cenário musical do Rio de Janeiro, sua biografia vem sendo marcada também por uma possível aversão que Giannini teria em lecionar e a pouca assiduidade no Conservatório tornando-se as duas principais características citadas pela bibliografia quando trata do professor de contraponto. No entanto, quando Luiz Heitor trata da postura de Giannini como professor do Conservatório suas observações foram feitas para explicar uma possível insuficiência técnica de Carlos Gomes e justificar certas dificuldades que o aluno do Conservatório passou quando chegou a Milão. Giannini foi um músico atuante no cenário musical na corte, professor do Conservatório, trabalhou na Capela Imperial e nos diversos teatros da cidade. Ironicamente, devido a sua condição de estrangeiro, participou ativamente da criação da Academia de Ópera Lírica Nacional colaborando no projeto de construção de uma música com temas brasileiros e com o canto em português, um projeto que visava criar uma música brasileira. Seja compondo música para textos em português como também levando obras de seus alunos do Conservatório para serem representadas no Teatro Lírico Fluminense, Giannini teve uma participação muito importante nesse processo que pode ser considerado como parte importante da tentativa de formação de um nacionalismo musical no século XIX. Giannini, assim como muitos outros músicos que aportaram no Brasil, participou diretamente da construção e consolidação de instituições que visavam claramente erigir uma música nacional, e mesmo que sucintamente a sua carreira evidencia os locais e relações pessoais construídas por ele. Segundo Cristina Magaldi, os empreendimentos em prol do uso do idioma vernáculo no Brasil se iniciaram pelo menos uma década antes da criação da Academia de Ópera Nacional, desde os anos de 1830 até 1840 quando é possível verificar que já havia nos teatros

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André Rebouças Apud AZEVEDO, 1936, Op. cit p. 204. Esse trecho também pode ser lido em um texto publicado pela Revista Musical de Bellas Artes em que fazem uma crônica da história de Carlos Gomes. In: Revista Musica de Bellas Artes, nº 18 maio de 1879 - notas biográficas.

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da cidade do Rio de Janeiro a prática de se cantar em português e em ocasiões entendidas como festas nacionais. 81 A modinha foi outro importante veículo de propagação nos salões de uma música que associava a música ao idioma nacional e que tinha, entre os seus letristas, literatos muito conhecidos na corte.

82

Magaldi ressalta que as iniciativas governamentais e formais vieram

depois que uma prática já havia sido estabelecida. O exemplo dado pela autora de iniciativa formal é o Tratado de Harmonia de Rafael Coelho Machado publicado em 1852 onde o compositor do compêndio trata de regras básicas de harmonia e contraponto e dedica um capítulo as regras para se compor em português, onde aconselha que deve-se prestar atenção nos seguintes elementos: 1.“Cacophonia: deve-se evitar a junção de duas palavras, fazendo soar uma outra, que de certo não se queria” 2. “Hiato: deve-se evitar a concorrência de muitas syllabas unisonas, como ‘espretado estado; doce laço enlaço’” 3. “Deve-se fugir de prolongar as syllabas que acabam em e, i, u por serem mal soantes e não se prestarem á livre emissão do som” 4. “Prosódia: deve procurar-se o mais possível não fazer das breves longas e vice versa, e dar a maior naturalidade que possa ser á pronuncia das palavras, de maneira que a prosódia se conserve intacta, o que torna o canto sobremaneira agradável e intelligível” 5. “Depois de ferir com força a predominante de uma palavra he permitittido então demorar ou firmar a syllaba immediata, pois que já não ha receio de equívoco” 83

Como pode se perceber, a preocupação é construir as bases formais para que seja possível fazer letras para músicas em português. Segundo Rafael Machado esses procedimentos eram necessários por que no entender do autor do compêndio, (...) muito maior [absurdo] [do que cantar em idioma estranho] o será compôr em idioma estranho... he notável que cantando todas as nações em seus próprios idiomas, só a nossa se conservasse até certo ponto na trivialidade das modinhas e lunduns, como se ella não fôra muito e muito adequada ao canto...Depois da língua italiana, a que mais se presta ao canto he incontestavelmente a portugueza...Mas para compor em portuguez 81

MAGALDI, Cristina. Alguns Dados sobre o Canto em Português no Século XIX. Anais do VIII encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música; 1995; João Pessoa - Paraíba. Disponível em http://www.anppom.com.br. P. 2. Os parágrafos a seguir se baseiam largamente nesse trabalho. 82 Idem, ibidem. p. 1-2. 83 MACHADO, Rafael Coelho. Breve Tratado de Harmonia. Janeiro de Janeiro: Narciso & Arthur Napoleão, 4ª ed., 1863. p. 117-118. MAGALDI, Cristina. Alguns Dados sobre o Canto em Português no Século XIX. p. 1

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he preciso nos barbarismos de toda a éspecie, semeados em uma grande parte nas composições que por ahi correm (...)84 Cristina Magaldi ainda aponta um outro exemplo em que houve a defesa do uso da língua portuguesa, dessa vez na esfera governamental. No contrato que foi celebrado com a Companhia de Ópera Italiana em 1850, o governo estipula que as músicas contemplem temas ligados a assuntos nacionais: Obriga se o empresário a fazer escrever para um dos dias de festa nacional, a cada anno, a musica e libretto de uma opera nova sobre assumpto nacional, apontado pelo conservatorio dramatico ou pelo governo. Para outro daquelles dias uma pequena opera, cujo libretto seja escripto em idioma nacional, e posto em musica pelo mestre da companhia85

Além da determinação para se usar o idioma nacional, estabelecia-se também quais eram os usos da música e os gêneros mais apropriados em cada ocasião. Na primeira frase é possível verificar que o governo começava a atrelar a música à construção de uma identidade nacional. Ao contrário do que vem sendo dito, as formas ou ferramentas utilizadas para a construção e exteriorização do projeto de nacionalidade não foram apenas a literatura, história e política mas também a música e o teatro, partes de um projeto político consciente e determinado a criar instituições formais para promover a memória, letras, ciência e arte brasileira. O governo, em conjunto com o Conservatório Dramático, atuaria como o responsável em determinar quais eram os temas nacionais, apontando dessa forma o que deveria ser a história nacional. Como lembra Manoel Salgado Guimarães na introdução do seu texto a respeito do Instituto Histórico e Geográfico, “O pensar a história é uma das marcas características do século XIX (...) ”86 Parece-nos que para o mundo da música essa afirmativa é verdadeira também, já que, como o próprio historiador apontou “percebe-se claramente que o pensar a história articula-se num quadro mais amplo, no qual a discussão da questão nacional ocupa uma posição de destaque.”

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em instituições artísticas como a Academia

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MACHADO, Rafael Coelho. Breve Tratado de Harmonia. Janeiro de Janeiro: Narciso & Arthur Napoleão, 4ª ed., 1863. p. 115. Apud MAGALDI, Cristina. Alguns Dados sobre o Canto em Português no Século XIX p. 1. 85 Jornal do Commercio, 16/11/1850. Apud MAGALDI, 1995, Op. cit p. 2. 86 GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o IHGB e o projeto de uma história nacional. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro: CPDOC, n° 1, p. 5-27, 1988. p. 1. 87 Idem, ibidem, p. 1.

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Imperial das Belas Artes, o Conservatório de Música e o Dramático, ou como o Arquivo Púbico do Império O artigo publicado no Jornal do Commercio em 1850 mostra que, além de estar sendo construída a história da música no Brasil, pela música também estaria se construindo um discurso a respeito da história do Brasil. O gênero escolhido não poderia ser outro que o mais popular naquele momento, a Ópera, propicio para construir um discurso que fosse musical, teatral e literário ao mesmo tempo, congregando em torno de si um segmento importante que compartilhava também das reuniões do IHBG, como Manoel de Araújo Porto Alegre, que elaborou alguns libretos. No contrato ainda é possível verificar que houve uma preocupação com quem iria escrever o texto e a música. Ficou determinado que o libreto estivesse em português, fato que não elimina a possibilidade de um estrangeiro compor o texto mas, como a Companhia era italiana e recém chegada ao país, ficaria um pouco difícil de realizar a tarefa. Para a música a determinação é clara, o mestre da Companhia Gioachino Giannini deveria fazer a música. O termo pequena ópera citado no documento levanta uma outra questão referente a gênero. Cristina Magaldi explica que houve apresentações teatrais envolvendo música em português bem antes de 1850 nos dias de festejos nacionais e esses eventos eram chamados “pequena ópera, elogio dramatico, cena lírica, peça allegorica. ou cantata allegorica.”88 A autora explica que se tratava de um “tipo de espetáculo teatral envolvendo canto em português era a chamada peça alegórica, muito em voga na década de 1840, que colocava em evidência algum aspecto do caráter nacional”.89 No Teatro Constitucional Fluminense, já em 1837 houve a apresentação da peça O Gênio do bem ou Os Mosqueteiros de Ormuz com texto de Manoel Araújo Porto Alegre, cenário de Joaquim Lopes de Barros Cabral, coros e hino final de Cândido Ignácio da Silva. Foi um espetáculo que misturava música, teatro e dança e fazia parte dos festejos de aniversário do futuro segundo imperador do Brasil.90 Para comemorar a independência foi levado à cena neste mesmo ano, e no mesmo Teatro um outro “Elogio Dramatico”, entitulado

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MAGALDI, 1995, Op. cit p. 3; Idem, Ibidem, p. 3. 90 Idem, Ibidem. p. 2. 89

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O Descobrimento do Brazil ou O Vaticinio da Independencia, com os coros e hinos a cargo de José Pereira Rebouças.91 Os exemplos, que não foram os únicos, mostram que temas sobre o Brasil e sobre a atualidade política, que privilegiavam o canto em português, já estavam nos teatros bem antes da década de 1850. Com música e regência de Giannini foi apresentada pela Companhia de Ópera Italiana em l847 uma peça intitulada O Genio Benefico do Brazil, que também fazia parte de comemorações referentes ao aniversário do imperador, com texto do Dr. Antonio José de Araújo, um dos futuros empresários da Academia de Ópera Lírica Nacional. Esta peça foi anunciada como uma “alegoria lyrica com musica” A exemplo das outras peças, contava com personagens simbólicos, nesse caso um coro de Amazonas e Indígenas, e tema voltado para a questão da nacionalidade com a participação de cantores como Carolina Merea como Gênio do Bem, Adelaide Tassini Mugnay como Amazona, Adeodata Lasagna como A Verdade; Cayo Eckerlin como o Gênio do Mal, e Clemente Mugnay como O Brasil.92 Cristina Magaldi ao comentar a autoria dessa peça ressalta que Giannini - que se encontrava no Brasil a menos de um ano - já estava envolvido com produções musicais com canto em português e obras de caráter “nacional”. A autora também lembra que sua participação foi garantida através do contrato do governo com a ópera italiana, o que acabou por lhe dar experiência e projeção no cenário musical do Rio de Janeiro para mais tarde participar da criação da Ópera Nacional em 1857, aqui entendida como parte desse movimento de nacionalização da música feita no Brasil, com um caráter oficial, mas contando com a participação efetiva de músicos e literatos. Giannini teve uma carreira bem sucedida no Brasil, ocupou bons cargos a começar pela direção da Companhia italiana, o que lhe rendeu um lugar no teatro São Pedro de Alcântara onde participou da estréia da ópera Macbeth de Verdi e da soprano Rosine Stoltz na inauguração do Teatro Provisório em 1852. Em 1855 participa como regente da orquestra dos concertos de Thalberg,93 um dos grandes pianistas que excursionaram no Brasil durante o século XIX, realizando vários

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Idem, Ibidem, p. 2. Idem, Ibidem, p. 3. 93 Durante todo o século XIX, sobretudo a partir do segundo reinado estiveram no Brasil - em turnê - diversos cantores e instrumentistas que gozavam de boa reputação internacional. A presença desses estrangeiros 92

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concertos no Rio de Janeiro com grande sucesso. Em 27 de novembro de 1856 foi encenada no mesmo teatro a cantata94 Vésperas dos Guararapes com o cantor Tamberlick, com música escrita por Giannini e libreto de Manoel de Araújo Porto Alegre, que estava baseada na história da restauração pernambucana. A cantata Véspera dos Guararapes foi concebida inicialmente para ser uma ópera – a forma musical de maior sucesso no período e que levava o público ao teatro. Em relatório elaborado em 19 de junho de 1852 o diretor do Teatro Provisório, o desembargador João Antônio de Miranda diz que, Quero fazer representar no dia 7 de setembro uma ópera em italiano, cujo assunto seja nacional. Para esse fim recorri já hoje a Porto Alegre. Acham-se todos entusiasmados com esta idéia e Madame Stoltz é a primeira, depois de mim, que se coloca à frente de uma inovação que deve animar o teatro, sacudindo-lhe o torpor em que parecia submergido.95

Apesar do entusiasmo descrito pelo desembargador e do tamanho da ópera ser pequena, o tempo previsto para a estréia do espetáculo era muito curto. Assim mesmo, Porto Alegre procurou Giannini para instrumentalizar a peça onde o papel principal seria representado por Rosine Stoltz. Nos relatórios do diretor do teatro, citados por Ayres de Andrade, é possível acompanhar a idéia tomando forma, em 20 de julho desse mesmo ano já foi constatado que não seria possível apresentar a peça no prazo inicialmente desejado mas em agosto o libreto já estava pronto restando apenas ser vertida por De Simoni que àquela altura já tinha traduzido o primeiro quadro da peça.96 É muito provável que a questão tempo salientada pelo desembargador tenha sido um fator decisivo para o fracasso da idéia. Véspera dos Guararapes só foi apresentada ao público carioca quatro anos mais tarde e com algumas modificações. A primeira foi a forma musical que, em vez de uma ópera, virou uma cantata, bem mais simples na elaboração musical e que intensificou a vida musical no Rio de Janeiro, viajavam também a outras províncias do Império levando as novidades musicais européias. 94 “Poema lírico cantado, muitas vezes idêntico com o oratório”. SINZIG, Frei Pedro. Dicionário Musical. 2º A escolha pela forma “cantata” se deu provavelmente pela relativa simplicidade da forma, que consiste em um trabalho para uma ou mais vozes com acompanhamento instrumental, com o declínio dessa forma, tanto em sua vertente secular quando sacra, o termo foi utilizado de forma genérica a uma grande infinidade de trabalhos que muitas vezes se distanciavam da função cantata do século XVII. 95 MIRANDA. João Antônio de. Relatório a D. Pedro II. 19/06/1852. Apud ANDRADE, 1967, Op. cit, vol. 2. p. 83. 96 MIRANDA. João Antônio de. Relatório a D. Pedro II. 19/06/1852. Apud ANDRADE, 1967, Op. cit, vol. 2. p. 84.

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não exigia grande soma de dinheiro para ser apresentada. A segunda, o papel principal, que agora era de Tamberlick. Mas o principal a ser observado é que queriam apresentar uma ópera em italiano e por isso é possível compreender que apesar do libreto ter sido elaborado por Porto Alegre ainda precisasse de tradução para o italiano o que estava sendo feito por De Simoni. Não era incomum no início do século XIX adaptar e traduzir árias de óperas italianas para o português,97 contudo o caminho que queriam fazer era o inverso, passar o texto em português para o italiano, o que faz confirmar o alcance da ópera italiana e de sua característica mais importante - bel canto - durante o século XIX. Em 1856 – um ano antes da formalização da Academia de Ópera Nacional - quando foi apresentada ao público a imprensa comentou e documentou o fato. O Jornal do Commercio em 26 de novembro publica um artigo descrevendo a peça No intervalo do 1º e 2º ato, cantarão o Sr. Tamberlick e o beneficiado uma cena histórica expressamente composta para esta representação, poesia do Sr. XXX, música do maestro Giannini. O assunto é tirado da história nacional. É um episódio da guerra contra os holandeses, em Pernambuco. Ao levantar do pano vê-se o acampamento dos pernambucanos: as trombetas chamam os guerreiros ao combate; um dos valentes chefes (Tamberlick) anima os seus companheiros, que entoam um hino nacional. João Fernandes Vieira (o beneficiado) entrará em cena trazendo a antiga bandeira brasileira, que é branca toda, tendo no meio o globo e a cruz de Cristo, tal qual se acha no centro das armas do Império do Brasil. Vieira é recebido com entusiasmo: todos juntos juram sobre a bandeira vencer ou morrer. Tamberlick entoa então um canto de guerra, cujas palavras são as seguintes, e com o qual terminará a cena: Amanhã verei o sol Da divina liberdade! (virando-se para a mulher que tem a seu lado) Neste campo junto a ti Ou então na eternidade! Rutila a esperança Que acende o valor, Robora o amor, Deifica a pujança; Pereça o malvado Covarde vil Que ousar refalsado Trair o Brasil! Brasil e Bragança!

Note-se que durante o chamado para a batalha, foi utilizado como ferramenta um hino denominado como nacional e uma bandeira que trazia no centro apenas o globo e a cruz de

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MAGALDI, 1995, Op. cit.

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cristo. A analogia entre a batalha no século XVII e o segundo reinado, feita pelo periódico, reforça a idéia de nação, identidade e patriotismo em voga nos oitocentos legitimados pelos símbolos imediatos de nação, bandeira e hino. Ancorada na idéia da junção das três raças, a música assim como a história e a pintura, ajudaram a construir o mito do nascimento da nação e da nacionalidade. O vínculo de músicos profissionais com membros do Instituto Histórico e Geográfico no século XIX é claro, por diversos caminhos pode-se verificar essa ligação, especialmente se verificarmos a produção dos setores que formavam o ambiente cultural e intelectual da corte será possível ver que existiam projetos em comum como: a criação da arte, da história e da identidade brasileira, e assim como a Véspera dos Guararapes os pintores através da Academia Imperial das Belas Artes, 26 anos após a primeira apresentação da cantata, também contaram a história através de um quadro, no qual (...) Ao pintar a tela Batalha dos Guararapes Victor Meirelles buscou representar a união do povo brasileiro em torno de um sentimento nacional. Este olhar sob o episódio da invasão holandesa, foi construído nos oitocentos através da produção historiográfica do IHGB. O confronto com o invasor estrangeiro, o holandês, acabava por reforçar os laços que ligavam as três etnias que compõem o Brasil, interpretado por esta tradição, como o primeiro momento de comunhão nacional da história brasileira.98

Assim como na pintura, na música - e nesse caso em especial – também é flagrante o descompasso entre a verossimilhança histórica e o que foi representado no teatro, possível de ser verificado também na produção visual inserida no mesmo contexto.99 O comentário feito por um cronista da corte sobre a apresentação da cantata foi sucinto porém preciso: À vista disso não há duvida que temos ópera brasileira já quase a espirrar dos limbos; é verdade que ainda não possuímos o drama, nem mesmo a comédia; mas ópera, não tarda...ei-la. Surge et ambula!100 É importante observar que a criação de uma música nacional é nesse momento sinônimo de história nacional e canto em português. Muitas peças com temas contemporâneos foram compostas no mesmo período, contudo não houve a ligação dessas com a idéia de

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CASTRO, Isis Pimentel de. Os pintores de história: a pintura histórica e sua relação com a cultura histórica oitocentista. In: Pergaminho: Revista Eletrônica de História: UFPB-PB, ano 1 - n. zero - out. 2005. p.64. 99 Idem, Ibidem. A autora do texto buscou analisar a relação entre a pintura e a disciplina História elaborada no Instituto Histórico e Geográfico 100 ANDRADE, 1967, Op. cit. vol. 2, p. 58.

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música brasileira e Véspera dos Guararapes apesar de ter sido levada a público em forma de cantata, o seu sucesso foi enorme, levando a entender que se tratava do surgimento da ópera brasileira.101 Giannini após a apresentação dessa obra ainda compôs uma outra cantata que se tornaria um sucesso de critica e público. Agora sai de cena a nação e entra a religião. Deixai que as crianças venham ter comigo inspirada no novo testamento, foi levada à cena em 16 de dezembro de 1856 e interpretada por Tamberlick em sua última apresentação no Rio de Janeiro. Apesar do sucesso de Véspera dos Guararapes a zarzuela,102 A estréia de uma artista, levada à cena em 17 de julho de 1857 é que dá início a campanha promovida pela Academia de Ópera Nacional em favor do teatro lírico em idioma nacional.

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O evento em que esta

zarzuela foi executada foi marcante, era o espetáculo de estréia da Academia de Ópera Lírica Nacional. O fato de a peça apresentada ter uma forma dramático-musical espanhola, com texto traduzido para o português, não retirou da obra o título de peça inaugural do teatro lírico nacional. A primeira parte do programa foi uma homenagem aos monarcas, uma celebração ao apoio público pela empresa que ali nascia, a peça de abertura foi escrita e regida por Giannini, uma Abertura Sinfônica inspirada na Marcha Real de Fernando de Nápoles - irmão da imperatriz Tereza Cristina - e no Hino Nacional Brasileiro.104 Nos eventos que diziam respeito à Ópera Nacional Giannini ainda participou em 1858 conduzindo a montagem da ópera Norma de Bellini no Teatro São Pedro de Alcântara que teve o libreto traduzido por Quintino Bocaiúva e a cantata Aurora do Ipiranga com música do professor do Conservatório e letra de Joaquim Manoel de Macedo. Na Capela Imperial, Giannini foi nomeado a primeira vez em quatro de julho de 1855, quando por decreto lhe foi concedido o título de mestre de capela honorário da capela. Como mestre efetivo foi nomeado por decreto em oito de março de 1858 para a vaga antes ocupada por Mazziotti.105 Giannini teve apenas duas participações que podemos citar, a primeira como compositor de uma Missa executada em 1858 e a segunda conduzindo uma Missa Fúnebre de 101

GIRON, 2004. Op. cit. p. 161-162 “Forma dramático-musical espanhola, com diálogo declamado” a partir da segunda metade do século XIX, “transformou-se em entretenimento popular, parte declamado, parte cantado, com caráter nitidamente nacional”. Dicionário Grove 1994, p. 1043. 103 ANDRADE, 1967. Op. cit. vol. 2. p. 174-175. 104 ANDRADE, 1967. Op. cit. vol 2. p. 93. 105 CARDOSO, 2005. Op. cit. p. 106-107.

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Biagi nas exéquias de Ferdinando II, rei das Duas Sicílias e irmão da imperatriz Tereza Cristina realizada na Capela Imperial.106 Gioachino Giannini foi sem dúvida um dos músicos mais proeminentes na década de 1850, ainda se falava de Giannini em 1879 ligado a história do ensino de Carlos Gomes mas naquela ocasião o comentário foi diferente “Diziam os musicos desse tempo que Gioachino Gianini era o mais hábil director de orchestra, que, até então, tinha vindo ao Brazil além de provecto regente, era feliz compositor de musica (...)”107 . Chegou à cidade do Rio de Janeiro com carreira consolidada na Europa, posto que era o diretor da companhia lírica italiana e em apenas 14 anos conseguiu uma projeção no cenário musical da corte como poucos músicos, nacionais ou estrangeiros conseguiram. A sua carreira no Brasil foi diversificada - o que não o difere dos outros músicos do período – contudo, a intensidade de suas aparições seja como compositor, professor ou regente certamente foi superior a de outros que trabalharam no mesmo momento. De suas obras, restam poucos vestígios. Segundo André Cardoso não há obra no Arquivo do Cabido Metropolitano no Rio de Janeiro, instituição que guarda as partituras pertencentes à Capela Imperial.108 Na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola Nacional de Música da UFRJ é possível encontrar uma Ladainha e as cantatas Il Genio Brasile e La Festa di Tersicore. No Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro encontra-se apenas o libreto da ópera Noite de São João de Manuel Araújo Porto Alegre mas a partitura musical não foi encontrada até esse momento. A Biblioteca Nacional possui algumas partituras de peças sacras e a maioria profana. As peças sacras possivelmente podem ter sido as que foram compostas para a Capela já que não estão no Cabido. Uma Ladainha com partes para coro e conjunto instrumental; um Laudamus, apenas com solo de tenor de uma Grande Missa escrita para canto e orquestra; um Misere também a parte solo de tenor provavelmente para a mesma Grande Missa; um Qui tollis um solo de tenor canto e cordas e a Novena da Senhora da Conceição para coro e orquestra. Das peças seculares encontramos La Cancion de los noivos para canto e piano; uma valsa denominada a Aldeana partitura para orquestra; Boleros; Foglietto Tarantella napolitana para piano; I Giardinieri: pas de deux, orquestra; Pas de deux delle Sciarpe, orquestra; Passo 106

Idem, ibidem. p. 106-107. BN – Setor de Obras Raras. Revista Musical e de Bellas Artes, nº 18, 3 de maio de 1879 – notas biográficas. 108 Idem, ibidem. p. 107.

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a solo para a Marietta Baderna, orquestra; Passo scozzese-solo também para orquestra e diversas peças para orquestra sem título. Gioachino Giannini nos aparece de forma imperfeita e inacabada, o que nos restou desse período foram citações a respeito de seu trabalho – ora positivas ora negativas – na primeira, o compositor e regente apesar de italiano acabou sendo entendido como compositor local, que contribuiu para a criação da ópera nacional tornando-se um compositor nacional,109 e na segunda o professor que não dava aula, deixava seus alunos sem orientação pela impaciência. A materialidade desse italiano escapa sutilmente – sua atuação como regente que não pode ser verificada, assim como a sua música, a performance acabou com o passar do tempo, restando apenas fragmentos de sua obra.

3.4. Flauta, Fagote e Corne Inglês, Ao contrário de outros instrumentos, a flauta conseguiu a atenção de muitos compositores que acabaram por constituir um repertório importante antes do século XIX, de peças musicais a “pouco musicais” como os métodos para o estudo do instrumento. A exceção vem justamente chamar a atenção para a história dos flautistas no Rio de Janeiro no século XIX, que nos oferece fortes indícios de como se estudava, por que método, na cadeira de flauta. Vicenzo Cernicchiaro ao descrever os flautistas mais relevantes na história da música no Brasil, cita Joaquim Antônio da Silva Callado Jr., onde afirma que este foi um músico extremamente hábil e um estudioso incansável, estudava escalas, os exercícios de Briccialdi e de Gariboldi. 110 A referência nesse caso é clara, e pode-se afirmar, a princípio, que a escola em que Callado estudou era italiana. Porém não eram apenas os compêndios italianos que estavam a venda na corte e havia outras possibilidades de estudo, como mostram os anúncios da casa de música de Honório Vaguer Frion, onde era possível encontrar entre

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Joaquim Saldanha Marinho. p. 198 Apud GIRON, 2004, Op. cit. p. 159. CERNICCHIARO, Vincenzo. Storia della Musica nel Brasile. Milão, Fratelli Riccioni, 1926. p. 510.O autor está se referindo aos flautistas e compositores italiano Giulio Briccialdi que foi o professor de flauta do Conservatório de Florença a partir de 1870 e o segundo foi Giuseppe Gariboldi também flautista e compositor, ambos escreveram diversas músicas para flauta incluindo peças e álbuns pedagógicos. Gariboldi, como muitos instrumentistas europeus, esteve em solo americano para em séries de concertos, nesse caso esteve em Santiago do Chile em 1862, chegou ao país já com fama internacional. In: GUZMÁN, Mario Milanca. La música en el periódico chileno "El Ferrocarril" (1855-1865). In: Revista Musical Chilena. v. 54 n.193 Santiago ene, 2000. Disponível em http://www.scielo.cl.

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outros os métodos de flauta de Berbiguier e Devienne.111 Ambos franceses e seus métodos para o estudo de flauta adquiriram certa renome no Brasil chegando a ser produzido o Grande Methodo de Flauta de 1843 de Rafael Coelho Machado, que é uma síntese dos dois métodos franceses acima citados.112 Mas não era o primeiro método francês traduzido para o português, a tipografia de Pierre Laforge, publicou ainda em 1837 o Método de Flauta Francês com tradução de Francisco da Motta, o segundo professor dessa disciplina no Conservatório.113 A flauta transversa viveu um momento importante na primeira metade do século XVIII na França onde houve um aumento significativo no repertório e ampliação das possibilidades sonoras desse instrumento114 e muitos compositores franceses compuseram compêndios para o estudo do instrumento como o de método de Paul Taffanel, o “Méthode complète de flûte” composto por Philippe Gaubert, o “Nouvelle méthode théorique et pratique pour la flûte” de François Devienne - também fagotista. Todos possuem uma linha que aproxima as possíveis diferenças, tanto o método de Gariboldi quanto os dos franceses ainda são utilizados nas aulas de flautas e o objetivos desses livros de estudos é “prescrevem em detalhes todos os passos da rotina do flautista (...) Esses estudos consistem geralmente de trechos escalares, escalas completas conectadas por saltos, estudos de seqüências intervalares, arpejos e trilos em todas as tonalidades”115 O objetivo primordial desses compêndios é possibilitar o aprimoramento técnico do instrumentista habilitando-o a uma execução primorosa e isso não se dá apenas com a flauta, em todos os instrumentos se exige “exercício, disciplina, rapidez, controle. São esses os ideais do flautista desta nova era. É toda uma tradição de exercícios de mecanismo, acoplados a exercícios de velocidade, que nós herdamos.”116 Podemos constatar que disciplina, controle e exercício foram palavras usadas no século XIX no Brasil com muita freqüência, em alguns momentos a noção de controle foi fundamental - ao longo do período regencial e logo após a maioridade - assim como disciplina ao longo do XIX tinha um espaço relativamente privilegiado, em uma sociedade católica 111

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1857. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. - Notabilidades – lojas de música p. 25-26 – Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak. 112 BINDER, F. CASTAGNA, 2004, Op. cit. 113 MAGALDI, 1995, Op. cit. p. 122. 114 MIURA, Enrique Martinez. Catálogo do ciclo: Flautas, del barroco al siglo XX. In: Fundación Juan March, abril-mayo, 2003. p. 9. 115 RÓNAI, 2003. Op. cit. p. 62. 116 Idem, Ibidem, p. 65.

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fundamentada no autoritarismo e na escravidão, que ao mesmo tempo procurava viver o tempo da ciência e razão. Controle e disciplina, assim como ordem e civilização não eram noções estranhas à sociedade imperial. De alguma forma o Conservatório consegue sintetizar essas contradições existentes naquela realidade e a elaboração de um sistema de ensino de música é uma das formas para se perceber permanências em momentos que a existência de certas práticas poderia ser considerada anacrônica diante da ruptura de antigos modelos de formação do músico. As aulas de flauta no Conservatório eram oferecidas todas as segundas e sextas-feiras das dez horas ao meio dia117 Giovanni Scaramella ou João Sacramento chegou ao Rio de Janeiro em 1853 para compor a orquestra do Teatro Provisório.118 Como primeira flauta do teatro foi considerado um instrumentista virtuose, um executante extraordinário que conseguiu evidência em um concerto que contou com a presença do imperador onde pôde executar três composições de sua autoria, uma fantasia para flauta e violoncelo em homenagem ao imperador, outra dedicada a condessa de Nova Iguassú denominada “Saudade do Rio de Janeiro” e uma composição sobre o tema de “Norma”119. Sua nomeação para o Conservatório de Música se deu em 1855, cargo que ocupará até 1856 quando morre em março, durante a epidemia de febre amarela.

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Além das aulas na

escola de música oferecia aulas particulares de flauta no Almanak Laemmert em 1856. Em 1857 seu nome ainda consta no Almanak como sendo o professor da cadeira de flauta do Conservatório. 121 A respeito desse músico não foram encontradas informações que pudessem esclarecer a sua trajetória profissional. Ayres de Andrade só fornece a informação de que Scaramella tocou em público no mesmo ano em que chegou a corte, o que se repetirá algumas vezes, no mais a sua atuação como professor e os procedimentos metodológicos não deixaram muitas pistas. O fato de Scaramella conseguir a regência da aula de flauta em tão pouco tempo pode indicar um dos parâmetros utilizados para a contratação de um professor para a instituição: boas relações e prestígio como intérprete. 117

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1857. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. p. 331 e 332. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/ 118 ANDRADE, 1967. Op. cit, vol 2. p. 225. 119 CERNICCHIARO, 1926. Op. cit. p. 507. 120 ANDRADE, 1967. Op. cit. vol. 2. p. 225-226. 121 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1856. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. p. 448. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/

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O secretário do Conservatório Francisco Luiz da Motta foi o escolhido para lecionar flauta em seu lugar. Somente foi nomeado, junto com o padre Manoel Alves Carneiro, para professores honorários após a aprovação em uma eleição realizada pela congregação Academia Imperial das Belas Artes. 122 A sua nomeação para professor foi feita justamente para Motta ocupar a vaga deixada por Scaramella mas como eram duas importantes personagens na criação e instalação do Conservatório é possível que a eleição tivesse sido feita também a título de reconhecimento pelo trabalho dedicado à instituição, já que o padre Manoel Alves Carneiro nunca se ocupou das aulas no Conservatório: Seu prestante Director, o Professor Francisco Manoel da Silva, prossegue no desempenho de suas funcções, com zelo e dedicação dignos de bem cabido elogio, e é felizmente acompanhado em seus esforços pelos outros professores, merecendo particular louvor o professor Francisco da Motta, e o Padre Manoel Alves Carneiro, que até hoje tem servido gratuitamente os cargos de Secretario e Thezoureiro123

Apesar do reconhecimento não foi possível saber se a partir desse momento os dois começam a receber pelo trabalho dedicado no cargo administrativo no Conservatório, apenas que dos três dirigentes somente o diretor era remunerado. E um ano após sua nomeação como professor honorário Francisco da Motta recebe o titulo de cavaleiro da Rosa concedido por em 24 de março de 1857.124 A partir da nomeação de Motta para o cargo de professor, foi possível verificar que esta cadeira era destinada também a outros instrumentos e são listados nominalmente o fagote e o corne inglês. Francisco da Motta não tinha um instrumento principal. Por vezes aparecerá tocando flauta, em outros momentos o fagote e ainda o corne inglês, a diferença dependerá do autor e trabalho que estiver citando esse músico. Em Ayres de Andrade, por exemplo, Motta é classificado como professor e executor de flauta, fagote e corne-inglês125; segundo

122

AN - Série Educação – Cultura - Belas-Artes – Bibliotecas – Museus. Escola Nacional de Belas Artes IE7 17 – folha 74 - Ofício informando a eleição a professores honorários o tesoureiro do CM e o secretario. Pede a aprovação do Ministério do Império para expedirem os diplomas, 14 de maio de 1856. 123 FERRAZ, Luiz Pedreira do Couto. Relatório da Repartição dos Negócios do Império Apresentado a Assemblea Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856. P. 68-69 Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html 124 BN- Setor de Manuscritos c-1009-12. Recibo de pagamento de jóia correspondente a Cav. da Ordem da Rosa, 3 de agosto de 1857. 125 ANDRADE, 1967. Op. cit. vol 2. p. 200-201.

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Cernicchiaro, Motta foi um hábil e forte concertista de corne inglês126 e na Capela Imperial, na qual trabalhou desde 1822, o seu instrumento foi o fagote, motivo pelo qual continuou a serviço da orquestra na Capela Imperial quando esta foi reduzida em 1831.127 A atuação de Francisco da Motta no Conservatório foi correta, cumpriu como secretário todas as suas obrigações, e enquanto esteve na Capela Imperial Motta fez um pedido ao governo que nesse momento é importante de ser citado. Em 1853 o então fagotista da orquestra da Capela Imperial faz um requerimento em que solicita ao governo a sua aposentadoria. Francisco Manoel da Silva, então mestre de capela foi o responsável por emitir um parecer a respeito da pretensão de seu subordinado na Capela e no Conservatório. Segundo Francisco Manoel, Quanto à sua pretenção me parece que não pode ser deferida sem prejuízo para o serviço, e sem offender a outros artistas que servem há mais de quarenta annos e se achão em idades muito mais avançadas que o supplicante. Dos proprios attestados dos facultativos se deprehende que o referido artista pode, mediante algum tempo de absoluto resguardo e repouso reparar a saúde que acredita arruinada, e se não tem forças para acudir ao trabalho da Imperial Capella que, por certo não é demasiado penoso em comparação com outros, muito menos os terá para prestar-se às festividades nas Igrejas, aos bailes e aos theatros que são por certo trabalhos mais violentos; no entanto o mencionado artista é visto continuamente nesses lugares exercendo sua profissão o que não se combina com a sua pretenção. Ocorre ainda que nos trabalhos da Imperial Capella são os professores antigos, e de reconhecido mérito, sempre attendidos nos seos justos impedimentos, o que inquestionavelmente remove a necessidade das apozentadorias, que além de não offerecerem vantagem aos artistas, são onerozas ao Thesouro, e podem acarretar difficultades para o bom desempenho das funcções da mesma Imperial Capella128

A aposentadoria de Motta foi negada, mas é importante notar que se dependesse do mestre de capela nenhum músico da Capela deveria receber o beneficio da aposentadoria, ele não acredita que aposentadorias devessem ser uma prática. Não haveria necessidade, segundo o professor, que acredita que as licenças de saúde concedidas quando alguém adoecia eram o suficiente, o músico se expressa e age para preservar os interesses do Estado e do governo e principalmente para preservar os interesses da Sociedade Musical Beneficente - da qual era o presidente - instituição que tinha havia sido criada em 1833 para auxiliar os músicos nesses momentos, e cujo funcionamento lembrava as velhas irmandades do século XVIII. Pode-se 126

CERNICCHIARO, 1926. Op. cit. p. 522. ANDRADE, 1967, Op. cit. vol. 1. P. 164. 128 CARDOSO, 2005, Op. cit. p. 50. 127

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entender que no entender do velho mestre não era função do Estado arcar com aposentadorias e nem que os profissionais da música devessem se aposentar, permanecendo a velha prática, trabalhar até onde fosse possível, caso necessitasse de afastamento esse deveria ser concedido, contudo temporariamente. Com o falecimento de Francisco da Motta em 30 de junho de 1859 a cadeira ficou vaga oficialmente por dez anos, e a cadeira só viria a ser ocupada em 1869 por Movilliers – agora também com saxofone - gratuitamente mas que não passaria mais de um ano no cargo, pois em 1870 consta que Antônio Luiz de Moura estaria regendo a cadeira de clarineta e interinamente flauta129, porém os alunos de flauta do Conservatório continuaram a serem premiados nos exames anuais da instituição e recebendo medalha de prata e menções honrosas desde pelo menos 1866. O que acontece é que o então professor de clarineta Antônio Luiz de Moura ocupou a cadeira de flauta extra-oficialmente por oito ou nove anos

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- não é

possível precisar a data em que começou a reger a aula de flauta - até que por portaria de ministério do Império de 4 de maio de 1870 foi nomeado interinamente Joaquim Antônio da Silva Callado.131

3.5. Clarineta Em “Ficção e Música” de Baptista Siqueira possui um pequeno trecho a respeito da clarineta no século XIX. O autor aponta que esse instrumento possuía uma importância social alcançada de duas formas. A primeira é que houve uma influência decisiva do clarinetista nos sucessos da música popular, a segunda que a clarineta conquistou um espaço importante como solista. As fontes utilizadas pelo autor foram no primeiro caso um texto de Machado de Assis e no segundo jornais da corte. 132 Seria interessante o esclarecimento sobre a importância da clarineta se não existisse um problema na leitura do autor, Machado de Assis não fala que a clarineta ou que o clarinetista auxiliava no sucesso da música popular, Machado de Assis escreveu sobre um pianista e compositor de polcas. 129

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1860. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. p. 448. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/ 130 AN – IE7 45 1881. Pasta Antônio Luiz de Moura doc. 84- 86-87. 131 AN – IE7 45 27 de agosto de 1881. Pedindo instruções ao Ministério sobre concurso no Conservatório de Música, devido ao pedido de Ignácio Fernandez Machado que pede concurso da cadeira de flauta. Doc. 281. 132 SIQUEIRA, Baptista. Ficção e Música. Rio de Janeiro, Folha Carioca, 1980. p. 175

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A história de Pestana, contada por Machado de Assis é a história de um músico que sonha em compor a sua grande obra, assim o como fizeram Mozart e Beethoven, mas seus dedos apenas se desenrolavam sem esforço ou exasperação quando, sentado ao piano, compunha polcas fáceis de decorar e um convite à dança. O desejo de Pestana? Seu nome encadernado entre Bach e Schumann, mas as polcas batiam-lhe a porta, e nem precisavam forçar entrada... Não era o instrumento mas sim o gênero, apesar do altar da casa do Pestana ser um piano e era nesse instrumento que a personagem desenvolvia suas habilidade de instrumentista e de compositor, o clarinetista nessa história é o enfermeiro que cuidou do “Um Homem Celebre”, o Pestana de Machado de Assis, um pobre clarinetista de teatro.

133

O

equívoco de Baptista Siqueira sugere que a clarineta por isso não foi importante? Não é possível afirmar e muito menos negar. A construção do espaço de um instrumento possui diversas variantes, ligadas a forma, gênero e ao profissional que a executa, assim como dos ambientes que circula o instrumento. Trata-se também da construção social e musical da “vocação” do instrumento. Baptista Siqueira ao afirmar que a clarineta pode ter alcançado um espaço na vida musical no Rio de Janeiro propiciou pensar se instrumentos pouco citados nos estudos sobre a vida musical no Rio de Janeiro do século XIX também não possuíam alcance social como o piano reconhecidamente tinha. Recorrendo agora aos jornais do século XIX, foi possível verificar que na corte houve sim clarinetistas que desfrutaram de sucesso e entre eles o Sr. Moura, na verdade Antônio Luiz de Moura, nomeado em 1855 para a docência da cadeira de clarineta do Conservatório, que pode ser considerado o seu primeiro e único professor, já que faleceu em 18 de junho de 1889 as vésperas da república. Em seu lugar serviu Cesário Vilela, nomeado interinamente por portaria em 6 de julho de 1889 e que toma posse três dias depois134. As aulas de clarineta eram dadas todas as quartas-feiras e sábados também das 10 horas ao meio dia.135 A bibliografia quando se refere a Moura, destaca a sua habilidade como instrumentista, foi reconhecido como tal e em um único instrumento, a clarineta. O único caso em que se vê Luiz de Moura tocando outros instrumentos foi em um concerto, promovido por 133

ASSIS, Machado de. Um Homem Celebre. In: Várias Histórias. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar 1994. v. II. Disponível em www.dominiopublico.com.br. 134 AN - IE2 36 1856-1890 Série Educação administração - Livro de assentamento dos empregados da Academia das Bellas-Artes, Ministério do Império 2º diretoria. 135 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1857. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. - Notabilidades p. 331 e 332. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/.

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ele mesmo, no Cassino da Floresta onde executou três instrumentos com habilidade, mas não se diz quais foram.

136

Sua capacidade técnica seria mencionada novamente por Isa Queiroz

dos Santos que cita o seguinte: (...) estando no Rio de Janeiro, de passagem, uma companhia lírica, adoecera o 1º clarinetista que fazia um papel de destaque num solo da ópera Traviatra; pois bem, quase no momento da representação, ele treinou um pouco a sua parte e, sem um ensaio, o executou com tal perfeição, que provocou da assistência os mais veementes aplausos.137

Decerto que Antônio Luiz de Moura conseguiu se destacar como instrumentista, os periódicos normalmente se referem de forma positiva às sua atuações como clarinetista como no caso de uma apresentação, fora da cidade do Rio de Janeiro, noticiada pelo Correio Mercantil. Em noticias diversas lê-se do Mercantil de Petrópolis: Assistimos ante-hotem ao concerto dado em nosso Theatro pelo habil artista Antônio Luiz de Moura, há quem de há muito conhecemos, e que mais uma vez proporcionou-nos alguns momentos de inexprimivel gozo (...) O Sr. Moura, pois, foi, como era de esperar, tão admirado e louvado pelo publico de Petropolis como pelos que já o precedêrão na apreciação de seu não vulgar talento. Para se fazer um juizo conciencioso ácerca das difficuldades vencidas pelo Sr. Moura, é mister conhecer-se o instrumento que adoptou, e para proclamar-se um artista perfeito é bastante ouvi-lo; pois ao executar os sons maviosos da clarineta do Sr. Moura, sons que penetrão ao coração do mais insensivel espectador, e que o obrigão a arroubado e enlevado soltar de seus labios um – bravo – vindo da alma, não ha quem não clame:-Eis um artista a quem Deus inspira.138

O professor do Conservatório conseguiu criar uma boa reputação no seu ofício, ser bom instrumentista ou regente e realizar concertos, o que é uma forma importante de angariar prestígio no circulo musical. É significativo verificar como esses músicos circulavam por toda a província do Rio de Janeiro, sua mobilidade ajudava a tornar o profissional conhecido além de expandir consideravelmente suas possibilidades de trabalho. Nos anúncios de lojas e de professores particulares de música publicados no Almanak Laemmert é possível verificar que se mandava música ou viajavam os professores para qualquer local da província. A cidade em questão fica próxima ao município neutro, o que propicia essas viagens, e pelo texto do

136

ANDRADE, 1967. Op. cit. vol. 2. p. 201. SANTOS, Maria Luiza Queiroz. Origem e Evolução da Música em Portugal e Sua influência no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942. p. 202. 138 Correio Mercantil 2/3/1863. 137

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periódico se vê que Antônio Luiz de Moura já havia se apresentado em outras ocasiões naquela cidade. Contudo, a notícia do concerto em Petrópolis saiu em uma época um pouco conturbada para o clarinetista, quando é possível acompanhar um ponto de desavença entre o professor/secretário e o diretor do Conservatório, intermediada por um anônimo através dos jornais da cidade. No dia quatro de março de 1863, saiu uma nota de um leitor que se intitulava “o admirado” em que pede explicações ao diretor do Conservatório sobre porque o clarinetista Antônio Luiz de Moura não fora convidado para fazer parte da nova orquestra da companhia lírica. 139 A resposta não tardou, Francisco Manoel informa na edição de dois dias depois do mesmo periódico, Sr. Redator. – Em resposta á correspondencia publicada no seu jornal de 3 de março, assignada O admirado, na qual pede esclarecimentos sobre o Sr. Moura (clarineta) não ter sido por mim convidado para a orchestra da presente companhia lyrica; tenho a responder que foi copciosamente informado. Tendo o pedido dos directores da empreza lyrica nacional aceitando a commissão de reorganizar a orchestra, o 1º artista a quem convidei foi o Sr. Antônio Luiz de Moura, o qual não aceitou a proposta que lhe fez de ter as mesmas vantagens que proporcionava a todos as primeiras partes; resolvendo que só aceitaria o meu convite se lhe assegurasse um contrato que garantisse mensalmente numero certo de recitas: com essa exigencia não pude concordar não só por não estar autorizado, como por que esse ajuste especial importaria de certo chocar a muitos professores de que se compõe a atual orchestra lyrica, os quais em merito artistico julgo não estarem um ceitel abaixo do Sr. Moura. Francisco Manoel da Silva Rio, 5 de março de 1863.140

A orquestra em questão parece ser a que foi montada para a Ópera Lírica Nacional e Italiana que se apresentava no Teatro Lírico Fluminense. O que Francisco Manoel está dizendo é que com a reorganização dessa orquestra por pedido dos diretores dessa empresa e aprovado pela comissão – não especifica qual delas – tratou logo de convidar os instrumentistas mas que não possuía autorização para efetuar um contrato com esses músicos. Francisco Manoel a essa altura era o fiscal do governo da parte artística da empresa,141 e pode-se verificar que era ele quem negociava com os músicos a contratação, e informa que só podia negociar a participação por récitas. Não satisfeito com as explicações dadas por 139

Correio Mercantil, 4/3/1863. Theatro Lyrico. p. 3. Correio Mercantil, 6/03/1863. Correspondências. p. 3. 141 LIMA, Pedro de Araújo. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1862. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. p. 30. 140

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Francisco Manoel, “o admirado” volta para confrontar a declaração do diretor com as informações que possui sobre a recente contratação de músicos para essa orquestra. Não é tarde para agradecermos ao Sr. Francisco Manoel o cavaco que se dignou dar-nos á pergunta que, pelo Correio Mercantil, lhe dirigimos sobre a questão entre o Sr. Moura, e S.S.; e tendo S.S satisfeito a nossa curiosidade, provando que o Sr. Moura havia sido o primeiro artista convidado, pretendiamos não voltar a esse assunto; porém, a justificação do Sr. Moura, que se lê no dia 7 do corrente no Correio Mercantil; o silencio guardado pelo Sr. Francisco Manoel e ainda informações que colhemos, nos habilitam a acreditar que o Sr. Moura obrou com toda a dignidade de artista, não acutando o convite, pelo modo porque lhe foi feito. Diz o Sr. Francisco Manoel que professores de merito igual ao Sr. Moura se sujeitaram ás condições por S.S. estabelecidas, isto é, de servirem sem ordenado, e que uma isenção feita aquelle senhor iria chocar á estes; a isso lhe perguntaremos: Acha o Sr. Francisco Manoel que para o lugar que o Sr. Moura tem exercido (como clarinetista), estão em iguais em merito os que o substituem contamos que S.S nos responderá pela negativa, pois é habil professor. Reforçados, pois, pela presunção que tomamos, é obvio que não se poderá considerar isenção a admissão do Sr. Moura na orchestra; sabemos mais que esse senhor foi sempre contratado, desde a inauguração deste theatro, sem que o fossem todos os outros professores, e ainda nos recordamos de ter vindo da Italia, adrede contratado, um clarinetista que, não podemos tomar o lugar de 1º clarinetista continuou o Sr. Moura a exerce-lo. Ainda fomos informados que o Sr. Tronconi harpista, declara formalmente que não ficaria na orchestra sem ordenado por contrato, e o Sr. Tranconi esta na orchestra! ... o que nos dirá o Sr. Francisco Manoel a isso? Estes factos que, nos persuadimos, não serem contestados demostram á evidencia que o Sr. Moura, como artista, é perseguido, e lastimamos que o Sr. Francisco Manoel, também artista, dê (...) a pensar-se que tem parte nisso, o que se verifica com a recente exclusão do Sr. Moura na orchestra do theatro lirico. O admirado142

Não foi possível encontrar a declaração que fez Antônio Luiz de Moura. Pode-se apreender que a questão está relacionada a forma de pagamento e ao contrato que era celebrado entre os músicos e os empresários, intermediado pelo seu fiscal. É razoável entender que Antônio Luiz de Moura estava tentando ser contratado com o mínimo de segurança profissional e também que esses acordos ocorriam à revelia de qualquer padrão coletivo, dependia da negociação pessoal e assim não se tornava uma questão de grupo, mas individual. Segundo “o admirado” Moura sempre foi contratado, inclusive quando veio um clarinetista para ocupar a 1º clarineta da orquestra. Ele está informando que sabe bem desse histórico mas que não se trata apenas do caso do Moura estar ou não na orquestra mas sim dos critérios para a escolha do profissional e as condições em que se estabelecem as contratações. 142

Diário do Rio de Janeiro, 16/03/1863. Publicações a pedido. p. 2.

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No final, a conclusão que o admirado chegou é que se tratava de perseguição pessoal ao Sr. Moura, mas apesar da leitura apontar que estava ocorrendo um problema pessoal, salta aos olhos que a contratação de um músico estava baseado justamente em questões individuais. Se no não houve a interferência direta do Estado imperial na regulamentação profissional como é possível entender do trabalho de Edmundo Coelho, é também razoável dizer que este fez parte do processo de formação de algumas profissões e assim da regulamentação dessas, como foi dito pelo próprio Edmundo Coelho, quando arbitrou sobre privilégios e monopólio profissional. 143 Se assim considerarmos, o que vemos no caso de Moura/o admirado versus Francisco Manoel/governo é justamente a participação do governo na regulamentação do trabalho do músico, na forma de organização da atividade profissional. Isso porque o diretor do Conservatório, nesse momento atuando como membro do governo e defendendo os interesses desse, contrata e arbitra sobre o regime de trabalho do músico da orquestra. O que o artigo permite ver é que o exercício profissional não é apenas uma questão particular, e que envolve conquista e delimitação de campo profissional, remuneração ao serviço prestado e até mesmo sobre o regime de trabalho e chama o funcionário do governo a sua condição inicial, quando diz: “Sr. Francisco Manoel, também artista, dê (...) a pensar-se que tem parte nisso.”144 É sabido que ocorria com muita freqüência o trabalho sem remuneração durante o século XIX, essa questão inclusive deve ser mais pesquisada com mais profundidade. Francisco Manoel da Silva é tido como o músico que conseguia arregimentar trabalhadores de música em serviços sem remuneração, entendido por alguns pesquisadores como prova de prestígio pessoal individual. Contudo essa prática emperra e embaraça o processo de profissionalização. Francisco Manoel argumenta que ofereceu uma remuneração condizente com um instrumentista de primeira parte, contudo não poderia firmar contrato, “o admirado” por sua vez diz que não é possível trabalhar sem ordenado e que há músicos que não mais aceitam tal situação, no caso o harpista que, apesar de haver sido dito por Francisco Manoel não poder firmar contrato, Tronconi está na orquestra trabalhando. Esse caso só teria mais duas linhas no jornal, quando “o admirado” volta para perguntar “Sera verdade que o Sr.

143 144

COELHO, 1999, Op. cit. p. 33. Diário do Rio de Janeiro, 16/03/1863. Publicações a pedido. p. 2.

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Tronconi (harpista) se acha contratado na orchestra, quando se recusa fazer-se isso a outros?” 145

Isso se considerarmos a questão pelo ponto de vista de uma sociologia das profissões de uma forma geral, há de se considerar também que do ponto de vista da profissionalização artística “a medida que se amplia a autonomia do campo intelectual e artístico, os artistas parecem inclinados a encontrar na afirmação de seu controle exclusivo (no duplo sentido do termo) sobre a sua arte e na reivindicação do monopólio da competência artística”146 Como docente Antônio Luiz de Moura não trabalhou apenas no Conservatório, era possível encontrá-lo oferecendo aulas particulares. Merece todo destaque o fato de anunciar que dá aulas apenas de clarineta e solfejo, e a partir de 1874 somente clarineta. É o único professor do Conservatório de Música que priorizou a ensino de um instrumento. Em alguns anos nem informa o instrumento que ensina, figura apenas como professor de música na sessão do Almanak Laemmert. A vida desse músico deve ter sido movimentada, em quase quarenta anos de anúncio no almanaque ele mudou diversas vezes, praticamente todo ano, em alguns anos além do endereço do Conservatório ele anuncia mais dois lugares em que pode ser encontrado, como era comum entre esses endereços estava o da residência.

Almanak Laemmert, ano de 1856. p. 447 sessão: profissões.

Foi proprietário de um Liceu Musical e Copistaria de música, além das aulas e cópias de música também se vendiam instrumentos no estabelecimento que fundou com Henrique Alves de Mesquita em 1853, mas esse último empreendimento não teve vida duradoura. No Conservatório Antônio Luiz de Moura também ocupou o cargo de secretário da instituição após o falecimento de Dionísio Vega, oficialmente permaneceu por oito anos, de 1860 a 1868 quando pede para ser exonerado do cargo de secretário. Nessa mesma ocasião e

145 146

Correio Mercantil, 16/03/1863. Theatro Lyrico. p. 3. BOUDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva, 1974.p. 175.

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pelo mesmo aviso que exonera o clarinetista da vaga de secretário do Conservatório foi extinto o cargo de secretário do Conservatório, anexado ao de secretario da AIBA.147 No mesmo ofício de 29 de maio de 1867 sobre os merecimentos do ex-secretário do Conservatório de Música, o diretor da Academia das Belas Artes informa que Moura vem lecionando durante muitos anos e gratuitamente a aula de flauta e por isso foi destinada uma gratificação mensal de vinte mil réis pelas lições daquela aula, com isso além das aulas de clarineta ele também era o responsável oficial pela aula de flauta, nesse caso resta saber se passou a lecionar apenas flauta ou se ainda ensina todos os instrumentos de sopro que estavam dentro do que denominavam de aula de flauta no caso o fagote e o corne-inglês. Como compositor deixou duas músicas, localizadas até o momento, que estão depositadas na Biblioteca Nacional, um romance denominado A Saudade composto em homenagem a memória de D. Maria II e também oferecido ao Imperador, a partitura é um manuscrito e a peça foi feita para canto e piano. O Soffrimento é outra peça elaborada na mesma forma da anterior, um romance que foi publicado na série “Flores Brazileiras” por Theotonio Borges Diniz em 1855 no Rio de Janeiro. 148

3.6. Violoncelo e contrabaixo Giuseppe Martini ou como ficou conhecido no Brasil José Martini foi o professor escolhido para lecionar a cadeira de violoncelo, contrabaixo e outros instrumentos de cordas ao seu alcance, exceto rabeca que estava a cargo de Demétrio Rivero. Martini dedicava ao Conservatório também dois dias na semana e permanecia na instituição por quatro horas semanais – quartas-feiras e sábados das oito horas às dez horas da manhã.149 Dos professores que trabalharam no Conservatório, Martini é o que menos se conhece, a bibliografia é extremamente escassa. Ayres de Andrade informa que em 1849 Martini já 147

Relatório do diretor da Academia Imperial das Belas Artes e do Conservatório ao Ministro do Império. In: Relatório do Ministro do Império Paulino José Soares de Souza. 1868 –Anexo D. pp. 1-2. 148 DIMAS- Divisão de Música e Arquivo Sonoro – Fundação Biblioteca Nacional. 149 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1857. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. - Notabilidades p. 331 e 332. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/.

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estava no Brasil, porém a data e as circunstâncias que o trouxeram ao Brasil ainda são desconhecidas. A primeira vez que se tem notícia desse músico no Rio de Janeiro é em 1849 quando toca uma peça solo para contrabaixo, umas variações composta por ele no intervalo de um espetáculo no Teatro São Pedro de Alcântara,150 esta apresentação é a única referência em que aparece de Martini como instrumentista solo em público. Assim como seus colegas Martini trabalhou no teatro, na igreja e dava aulas de seu instrumento. No primeiro caso fazia parte da orquestra que tocava no Teatro São Pedro de Alcântara, no contrabaixo e era o violino acompanhador dos ensaios de dança na Companhia de Baile recebendo pelo serviço 1:200$000 anuais151 além de ser contratado nesse mesmo ano para a orquestra do Teatro Provisório; no segundo caso fazia parte da orquestra da Capela Imperial e no terceiro dava aulas particulares em sua residência e no Conservatório de Música.152 A semelhança com a trajetória de outros professores restringe-se apenas aos locais de trabalho, e o que é semelhança pode se transformar em diferença, Martini de forma diversa dos outros professores da escola pautou sua carreira “apenas” como músico de conjunto e na docência de seu instrumento, essa característica está ligada ao seu instrumento, e não por acaso. Martini tocava rabeca e violoncelo, mas seu primeiro instrumento como ressalta Ayres de Andrade, era o contrabaixo. Esse instrumento é comumente utilizado em orquestra e em conjuntos de câmara e sua função no conjunto é proporcionar “força, peso e fundamento rítmico”153 devido a constituição física do instrumento o seu timbre é grave e denso. Peças para contrabaixo solo são incomuns e raras, o que torna a apresentação de Martini em um solo para contrabaixo, mesmo que no intervalo de um espetáculo, um fato extremamente interessante e inusitado. É importante salientar que cada instrumento possui uma história própria, trajetória que está ligada a questões técnicas e sociais, alguns instrumentos simplesmente deixaram de existir e outros mudaram muito as características físicas fundamentais que acabaram levando a uma alteração sonora. Adequando esta transformação com o aumento do público, das salas para a audição, e da orquestra e não menos importante, 150

ANDRADE, 1967. Op. cit. vol. 2. p. 192. CARVALHO, José da Costa. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1851. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. 152 ANDRADE, 1967. Op. cit vol. 2. p. 192-93. 153 Dicionário Grove, 1994, p. 217 verbete contrabaixo. 151

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mudando o gosto musical, assim foram-se adaptando certos instrumentos a necessidade de aumentar a resistência, o volume e possibilidades sonoras, como foi o caso de instrumentos como o piano, violão, e das famílias das cordas – incluindo o contrabaixo – entre outros instrumentos.154 Ligada à história de qualquer instrumento, outra questão fundamental de ser mencionada é o repertório. No caso do contrabaixo – não é possível dizer o mesmo para o violoncelo – o seu repertório foi sendo constituído de forma irregular. Um momento importante nesse processo se deu na segunda metade do século XVIII quando ainda se escrevia para violone orquestral, solístico e de câmara, obras realizadas pela Primeira Escola de Viena caracterizando “uma unidade na escrita do instrumento”.

155

Já no século XIX as

iniciativas foram isoladas mas decisivas, porém o contrabaixo acústico conseguiu se estabelecer técnica e musicalmente construindo sua autonomia recentemente – fins do oitocentos e inicio do século XX - tanto em formações eruditas quanto na música popular.156 No caso do contrabaixo é possível verificar uma certa simetria na constituição do repertório e aprimoramento técnico no que se convencionou chamar de música erudita e popular. Na orquestra a contribuição veio de Beethoven, Mahler e Verdi no século XIX, na música de câmara apenas no século XX com Stravinsky, na peça História do Soldado e Hindemith com a Sonata para Contrabaixo, e no que se considera música popular a contribuição relevante veio do Jazz.157 Dessa forma compreende-se porque Giuseppe Martini tenha fundamentado sua carreira atuando em conjunto com outros instrumentos, porque o contrabaixo, até aquele momento, era um instrumento para conjunto e não para carreira solo o que justifica a sua ausência nos jornais como concertista mas não torna o instrumento menos importante no cenário musical. José Martini aparece pela primeira vez no Almanak Laemmert como professor de rabeca, violoncelo e contrabaixo em 1851 e de forma desigual – passa alguns anos seguidos e outros desaparece - oferecendo aulas particulares. A pesquisa no almanaque mostrou que se 154

HARNONCOURT, 1998. Op. cit. Ver o capítulo II – Instrumentarium e Discurso Musical – especialmente os dois primeiros pontos em que trata da história dos instrumentos de cordas. 155 BORÉM, Fausto e SANTOS, Rafael dos. Práticas de Performance "Erudito-Populares" no contrabaixo: Técnicas e estilos de arco e pizzicato em três obras da MPB. In: Site do Pró-Music Escola de Música, Disponível em http://www.promusic.com.br/coluna/PratPerfMPB_Fausto%20RafaelMUSICA%20HODIE.doc. 156 Idem, Ibidem. 157 Idem, Ibidem.

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tratava possivelmente de uma família de músicos, a principio José Martini aparecia apenas com esse nome e sobrenome, a partir da década de 1880 começa a aparecer como José Nicolau Martini, em 1887 aparece duas vezes com dois nomes diferentes, primeiro José Nicolau Martini onde diz que dá aulas de violoncelo e contrabaixo no Conservatório e no endereço, rua General Pedra número 23 e o segundo José Martini Vianna, não especifica o instrumento mas está no mesmo endereço. No plano de reforma da música na Capela Imperial elaborado, pelo então mestre de capela, Hugo Bussmeyer em 14 de setembro de 1875, José Martini consta na lista dos empregados que deverão permanecer na orquestra da dita Capela, André Cardoso assinala que esse músico já atuava na Capela antes dessa reforma, mas não especifica se como músico avulso ou contratado efetivo, na mesma lista é possível ver também consta o nome de João Baptista Martini tocando violino, que também estava na Capela antes dessa reforma.158 Em 1888 João Baptista é contratado para o lugar de 1º viola e José Martini o primeiro contrabaixo para a Matinas de Reis daquele ano.159 Em 1889 José Nicolau Martini Filho consta como músico da Capela Imperial com o mesmo endereço dos outros sem especificar o instrumento, nesse caso é fácil constatar a filiação o músico. Em 18 de fevereiro de 1882, no segundo concerto promovido pelo Club Beethoven, José Martini toca em duas peça a primeira foi o quarteto nº 18 op. 76 para 2 violinos, viola e violoncelo de Haydn e a segunda um quinteto op. 44 para piano, dois violinos e um viola e violoncelo de Schumann junto a I. Bevilacqua, Leopoldo Miguéz, R. Benjamin, J. Martini e J. Cerrone.160 Em 1884 no 59º concerto do Club Beethoven, um concerto comemorativo do aniversário de Beethoven, José Martini participou apenas na primeira parte do programa tocando o quinteto op. 103 para 2 violinos, 2 violas e um cello. Voltaria a participar em 18 de dezembro de 1887 do concerto nº 118 do Club Beethoven do octeto op. 20 por Mendelssohn. O crítico do Jornal O Paiz comentando sobre o 78º concerto do Club Beethoven considerou “o concerto um dos melhores deste gênero que temos tido ultimamente” onde “tomaram parte também nas peças concertantes, os Srs. Otto Beck, F. Bernardelli, M. Lichtenstein, L. Gravenstein, J. Martini Filho, J. Cerrone e J. Martini.”161 158

CARDOSO, 2005. Op. cit. p. 133-34. CARDOSO, André. A Capela Real e Imperial do Rio de Janeiro 1808-1889. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Centro de Letras e Artes-Instituto Vila Lobos / Uni-Rio, 2001. 160 BN-DIMAS- Pasta dos Programas dos Concertos do Club Beethoven. 161 O Paiz, 01/11/1885.

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No relatório anual do Club Beethoven consta que fazem parte do quarteto do Club Vicenzo, 1º violino; Robert Benjamin, 2º violino; José Martini (mais tarde substitudo pelo Sr. Luiz Gravenstein) viola, e J. Cerrone no violoncelo.162 Nesse relatório informa que houve apenas uma substituição no ano de 1882 quando Leopoldo Miguez substituiu Cernicchiaro – doente - no segundo concerto. É possível ver os músicos que tocaram em primeiro lugar, assim José Martini foi o primeiro violista a tocar nesse club e dessa maneira era sócio na categoria participante do Club. Ocupar a vaga no quarteto desse Club era um sinal de reconhecimento da confiabilidade profissional do instrumentista. Com a saída temporária do primeiro violinista da cidade a direção da instituição deixa claro “que é de importância vital que aquella vaga seja preenchida por um artista cujos serviços estejam de futuro inteiramente á disposição do Club, e está tratando de contractar um artista de mérito incontestável para aquelle logar”163 Apesar do diretor ter se referido diretamente a vaga de primeiro violino, ocupada por Cernicchiaro, fica claro que o instrumentista deveria se dedicar exclusivamente ao serviço do Club.164 Participar do conjunto de câmara propiciava o reconhecimento ao profissional mas era exigida em troca dedicação exclusiva e nesse caso Martini não se enquadra nas diretrizes da instituição pois além de ser professor do Conservatório – um dos poucos se não o único a ser instrumentista e sócio dessa sociedade musical – e também tocava na orquestra da Capela Imperial, talvez por isso que Martini tenha saído do quarteto a partir de 1883,165 mas também é possível que tenha decaído o seu desempenho como instrumentista, o motivo até o momento não pode ser apontado. A indicação que o diretor fornece é de que havia uma preocupação constante com o nível da música a ser apresentada, sabe-se que o Club Beethoven em especial teve um papel fundamental para a instalação e consolidação de um tipo repertório que estava em expansão 162

BN-DIMAS – OR A II 63 – Primeiro Relatório para o ano social de 1882-83 do Club Beethoven, Rio de Janeiro; Typ. G. Leuzinger & Filhos, 1883. p. 11. 163 BN-DIMAS – OR A II 63 - Primeiro Relatório para o ano social de 1882-83 do Club Beethoven, Rio de Janeiro; Typ. G. Leuzinger & Filhos, 1883. p. 19. 164 O Club Beethoven mantinha quinzenalmente concertos de câmara e conseqüentemente uma rotina de ensaios que acaba por exigir muito do instrumentista. 165 No Almanal Laemmert do ano de 1883 José Martini não consta como membro do quarteto, em seu lugar entrou Luiz Gravenstein como foi indicado no próprio relatório da instituição, e Vicenzo Cernicchiaro permanece como primeiro violino. Para se conhecer a produção camerística no Brasil ver VOLPE, Maria Alice. Período Romântico Brasileiro: alguns aspectos da produção camerística. Revista Música, São Paulo, v. 5, nº. 2, novembro 1994. pp. 107-246 e MAGALDI, Cristina. Music for the Elite. Musical Societies in Imperial Rio de Janeiro. In: Latin American Music Review, v. 16, nº 1, Spring/Summer, 1995. pp.1-41 e PINHO, Wanderley. Salões e Damas do Segundo Reinado. 5º, São Paulo ed. GRD, 2004.

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no final do século XIX – a música de câmara e sinfônica – e tão importante quanto com o gênero e estilo musical foi a preocupação com relação ao número e grau de profissionalismo dos músicos contratados. 166 Martini mereceu por parte de Cernicchiaro - seu colega no conjunto por um ano – uma discreta citação em seu livro sobre a música no Brasil, segundo ele, Martini foi um italiano e grande amigo do Brasil foi um violoncelista e contrabaixista de valor, como professor do Conservatório de Música e do Instituto Nacional de Música167 conseguiu formar músicos que atuariam nas orquestras e termina dizendo que ele sempre teve a maior estima de seus colegas.168 A atuação discreta de José Martini não deixa de revelar a diversidade que marca a trajetória do profissional da música, diversidade essa que se estende também às referências estéticas com que esses músicos tomam contato. A influência da música italiana durante todo o século XIX foi importante e acentuada e o ensino de contrabaixo no Brasil estaria vinculado também a estética italiana,169 contudo o repertório executado nas diversas associações musicais assim como no Club Beethoven - onde encontramos Martini tocando – mostra a prática de músicas de outras tradições e nesse caso foi predominante a música germânica. Dentre os professores do Conservatório e a maioria dos professores particulares que figuram no Laemmert, Martini é segundo professor que apresenta menor diversificação dos instrumentos ensinados, este permaneceu dando aulas apenas de instrumentos de cordas com arco, na Capela Imperial aparece tocando contrabaixo e violino já no Club Beethoven o instrumento tocado por Martini era sempre a viola.

3.7. Rudimentos, solfejo e noções gerais de canto para o sexo feminino. Por dois motivos diferentes essa cadeira será a mais difícil de ser tratada. O primeiro está relacionado ao público a quem ela estava destinada, as mulheres, e o segundo por causa do professor responsável pela disciplina, Francisco Manoel da Silva. Nas duas dificuldades existem peculiaridades, também diferentes entre si, e que não poderão ser resolvidas tornando com que qualquer tratamento seja insuficiente nesse trabalho. 166

MAGALDI, 1994, Op. cit. Em janeiro de 1890 a república separou a Academia Imperial das Belas Artes do Conservatório e renomeadas passaram a se chamar Academia Nacional de Belas Artes e Instituto Nacional de Música. 168 CERNICCHIARO, 1926. Op. cit. p. 499. 169 BORÉM, Fausto. Impromptu de Leopoldo Miguez: o renascimento de uma obra histórica do repertório brasileiro para contrabaixo. In: Per Musi –Revista Acadêmica de Música – nº11, jan-jun., 2005. pp.73-85. 167

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A falta de estudos sobre a presença feminina na vida musical no século XIX dificulta apresentar um estudo condizente da participação que estas tiveram no Conservatório. Assim alguns apontamentos sobre as primeiras dificuldades em estabelecer a cadeira e sua resolução é o que deverá ser feito nesse momento. A questão do professor escolhido para conduzir as aulas para o sexo feminino é um outro problema por duas diferenciações básicas dos demais docentes do Conservatório. A primeira, ao contrário da falta de estudos sobre o feminino na música, é que Francisco Manoel da Silva é um dos músicos do século XIX 170 mais citados e estudados, e a segunda por ter sido o diretor da instituição, o que o diferencia dentro do próprio quadro administrativo, considerando que esse cargo possibilitou maior margem de ação por parte do docente e acabou deixando mais vestígios do que os outros membros da instituição, portanto o caminho para tratá-lo será diferente dos demais. O recorte será feito em dois momentos distintos da sua trajetória pessoal e profissional, a primeira privilegiará a sua trajetória inicial como compositor, sobretudo o que se considera é que as escolhas feitas por Francisco Manoel possibilitaram a ele a construção de redes de relações – via composição de música - em momentos políticos importantes no período compreendido entre 1830 até 1842 principalmente, que acabaram por distingui-lo pela proximidade e certa convivência com quem estava no poder, e a segunda a sua atuação como membro do governo, como diretor do Conservatório e da Capela Imperial focando na auto imagem que este construiu de si e foi apropriada pela literatura a seu respeito. Francisco Manoel conseguiu construir uma imagem de temperança, senso de justiça e coletividade que lhe permitiu expandir cada vez mais sua capacidade de agir e acabou por conferir um estilo ao Conservatório de Música no período em que esteve na sua direção. A criação da cadeira de rudimentos, solfejo e canto para o sexo feminino estava prevista desde os primeiros momentos de elaboração do Conservatório e a sua criação vem atender à crescente incorporação do universo feminino ao mundo musical. Um dos locais onde a mulher teve um peso preponderante foi como espectadora, parte do processo de ocupação de espaços públicos pelas mulheres no século XIX, o que abriu a possibilidade dessas mulheres participarem dos debates sobre música mesmo em publicações na 170

Os outros dois foram José Mauricio Nunes Garcia e Antônio Carlos Gomes, a escrita da história da música hierarquizou a importância de cada um, no topo da pirâmide está o padre José Maurício depois Carlos Gomes e por último Francisco Manoel. CARDOSO, 2005, Op. cit.

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imprensa.171 Daí a ter seu papel ampliado na própria execução musical não foi um passo longo. A inserção feminina no universo musical se dá prioritariamente de duas formas, já pensadas desde as primeiras formulações sobre o Conservatório em 1841: a formação para o ensino e para a atuação em músicas que exigiam o canto lírico, atividades destinadas a elas no Conservatório. Verificando as permissões dos locais de trabalho – o impedimento à sua presença na Capela Imperial e nas orquestras dos teatros - é fácil constatar porque a elas foram destinadas apenas as aulas de canto, apesar de que não se pode afirmar que estivessem proibidas de freqüentar as aulas de instrumentos. Como foram separadas nominalmente as aulas de canto para o sexo masculino e feminino e não as de instrumentos, a conclusão que se pode chegar é de que não havia aula de instrumento para as moças. No relatório do Ministro do Império para o ano de 1868, este sugere a criação de uma aula de piano para absorver as alunas que não tinham aptidão para cantar, e que até então não tinham alternativa.172 A segunda aula a ser criada no Conservatório, em 1852, foi a de rudimentos e canto para as mulheres, quando houve a extração da segunda loteria concedida pelo governo. O primeiro problema que se colocou foi o estabelecimento de um local específico para elas, tema que mereceu menção por parte dos membros da sessão dos Negócios do Império do Conselho de Estado. Nesse momento as mulheres ainda eram cercadas de certos cuidados. A extração havia resolvido o problema financeiro, mas o diretor do Conservatório ainda se queixava da falta de uma diretora para supervisionar as moças. A solução encontrada foi instalar a aula numa instituição de ensino feminino, o Colégio de Santa Teresa, na rua dos Barbonos. Simioni destaca que uma profissionalização completa estava formalmente interditada às mulheres até fins do século XIX, exceto no caso de docência que apenas exigia cursar a Escola Normal. Na Academia Imperial das Belas Artes, assim como em medicina e advocacia - cursos superiores - o ingresso de mulheres somente foi permitido através de lei em 1879.173 171

Segundo Giron, já em 1826, no Espelho Diamantino, publicação feminina, publicava-se artigos sobre música. GIRON, p.76-77. 172 SOUZA, Paulino José Soares de. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado á Assembléia Geral Legislativa na sessão de 1868. Disponível em http//brazil.crl.edu/bsd/bsd/hartness/minopen.html. 173 SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Entre convenções e discretas ousadias: Georgina de Albuquerque e a pintura histórica feminina no Brasil. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 17 nº 50. outubro 2002. pp. 144-185.

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A entrada das mulheres no Conservatório não significou que estavam lá necessariamente para se profissionalizar como foi o caso das mulheres nas belas artes ou medicina e advocacia. Mas com a entrada na escola de música, a possibilidade começou a ser aberta e foi explorada por muitas moças que se utilizaram dos conhecimentos adquiridos para dar aulas particulares na cidade. Muitos alunos e alunas do Conservatório acabaram figurando no Almanak Laemmert como professores particulares de música, as moças geralmente davam aulas de piano e canto e teoria musical, os rapazes além dessas três aulas ainda ensinavam instrumentos dos mais diversos. Quando se criou a cadeira de rudimentos de música e posteriormente a ela foi anexada a aula de noções gerais de canto é razoável considerar que não estava presente a idéia de profissionalizar a mulher, mas sim de instruir na arte da música para atender uma demanda na vida privada, especificamente nos saraus e concertos domésticos. Até o momento não foi encontrado nenhuma referência de mulheres tocando em teatros no Rio de Janeiro, no entanto já em 1845 aparece anunciando aulas de música e francês Mme de S. Julien, que é a pioneira a oferecer aulas particulares de música no Almanak,174 apenas em 1848 é que aparecerá a primeira mulher oferecendo apenas aula de música, especificamente de piano e canto, Madama Roechling.175 Em 1849, mademoiselle Lacombe também oferecia aulas de piano e canto, madame de Mattos apenas de piano e continua Madama Roechling.176 Em 1850, Mme Adolphine Carmier oferecia aula de canto e vocalisação, já Dona Nina Rosa Termacsics de Santo dava aula de piano e canto, novamente mademoiselle Lacombe, madame de Mattos e Madama Roechling, Mme Maria Pretti piano e canto.177 A crescente participação das mulheres na vida musical brasileira possuiu dois características fundamentais. As primeiras a figurarem no Almanak oferecendo suas aulas eram estrangeiras, as brasileiras demoraram a aparecer. Adèle Toussaint-Samson, uma parisiense - filha de um ator francês - que morou por 10 anos no Rio de Janeiro já explicava o quanto era difícil para a

174

Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1845. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. - Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/. 175 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1848. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. – p.340 Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/ 176 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1849. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. p. 273/274 Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/. 177 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1850. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert. p. 304-305 Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/.

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mulher estrangeira viver e trabalhar no Brasil, a mulher que saia a rua sozinha tinha que conviver com comentários maldosos ao longo de seus passos pelas ruas da cidade. Adèle sentiu a dificuldade de viver em um país onde a mulher tinha que ser cerrada em casa, onde sair à rua era possível apenas em companhia do homem responsável, a sociedade patriarcal para a parisiense foi um peso difícil de ser transposto, mas que segundo a própria professora de francês nada que o tempo e uma postura firme da mulher não pudessem superar.178 A segunda característica era que apenas canto e piano eram possíveis para as mulheres e dessa forma se reproduz no Conservatório o que já estava estabelecido na sociedade. Além das aulas particulares, a Capela Imperial foi uma oportunidade importante para as alunas do Conservatório. Como já foi dito os alunos do Conservatório de uma maneira geral foram aproveitados no coro e na orquestra da Capela, a razão se deve por necessidade de músicos habilitados para tocarem ou cantarem nessa instituição que passou por um longo período sem renovar seu quadro de pessoal. As mulheres entraram para sanar o desfalque das vozes agudas do coro, André Cardoso diz que em cerimônias extraordinárias a presença feminina foi tolerada, mas eram solenidades que não pertenciam ao calendário litúrgico regular. Francisco Manoel da Silva diretor da escola de música e professor de teoria e canto feminino e mestre de capela utilizou alguns de seus alunos, a princípio Cardoso informa que eram meninos que faziam os agudos, em 1873 o autor informa que para as exéquias de D. Amélia participaram no coro e como solistas, mas ainda de forma esporádica, algumas mulheres, provavelmente alunas do Conservatório na cerimônia. A remuneração foi de acordo com a participação de cada uma, quem participou do coro recebeu de acordo assim como foi para as solistas, como foi destacado por Cardoso, a remuneração paga foi igual a dos homens na mesma posição, e os dois maiores cachês da ocasião só perderam para o mestre de capela Arcângelo Fiorito, que sempre foi o cargo a receber mais.179 No inicio do século XX Lima Barreto ao escrever para o jornal Correio da Noite aponta que a música no Brasil estava entregue as mulheres, a superioridade numérica de moças que estudavam o então Instituto Nacional de Música, acabou - no entender do escritor rebaixado a música apenas a interpretação, fazendo cessar o que de profundo pudesse ter na música, por que segundo Barreto “As mulheres são extraordinariamente aptas para essas coisas de 178

TOUSSAINT-SAMSON, Adèle. Uma parisiense no Brasil. Tra. Maria Lucia Machado. Prefácio Maria Inês Turazzi: Rio de Janeiro; ed. Capivara, 2003. 179 CARDOSO, 2005. Op. cit p. 100-101.

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reprodução, de execução, de exames, de concursos; mas quando se trata de criação, de invenção, de ousadia intelectual, fraqueiam (...) entre nós, arte de moças que querem casar, ou de outras que querem ganhar muito dinheiro, ensinando aqui e ali”.180

Tal situação, é fruto de um processo que se iniciou no Conservatório, desde meados do século XIX onde as mulheres passaram a contar quase metade do corpo discente da escola, e a partir da década de 1870 elas já eram maioria e permanecem dessa forma até o início do século XX, como Lima Barreto “denúncia” em seu artigo. No quadro abaixo é possível verificar o crescimento da matrícula feminina. Lista com o total dos alunos 100 80 60 40

Masculino Feminino

20 0 1848 1852 1856 1860 1864 1868 1872 1876 1880 1884 1888

Fonte: Relatórios dos Ministros do Império

As aulas para o sexo feminino eram dadas todas as terças, quintas e sábados das três às cinco e meia da tarde. Quando houve a possibilidade de acesso às aulas do Conservatório, houve uma grande procura, no primeiro ano de estabelecimento da disciplina, em outubro de 1852, a primeira turma formou com 46 alunas. No ano de 1853 estavam matriculados 60 alunos homens, totalizando 106 alunos, esse número é elevado se comparado com os 55 alunos matriculados nas outras quatro sessões da Academia Imperial das Belas Artes. Apesar de freqüentarem a princípio as aulas de rudimentos e canto sem pretensões profissionais algumas alunas do Conservatório ofereciam aulas particulares na corte, e o fato 180

LIMA BARRETO, Vida Urbana. São Paulo, Brasiliense, 1956, pp. 62-63. Artigo escrito para o Correio da Noite, Rio, 30-12-1914.

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de estudar no Conservatório funcionava – não apenas para as moças - como uma forma de distinção dentro do universo dos professores particulares e muitas procuravam um atestado fornecido pela instituição como prova de capacidade como foi o caso da aluna de Demétrio Rivero, D. Francisca Xavier de Almeida Braga, que a considerou “habilitada em conhecimentos musicaes escola de canto e piano”181 provavelmente esse atestado foi dado a Francisca Braga, aluna do curso de música e premiada nos exames anuais do Conservatório e da Academia das Belas Artes em 1863 na classe de canto, única oportunidade até a instauração da aula de piano. A premiação de alunas em outros instrumentos demora muito a começar, e o instrumento que mais distinguiu as aulas do Conservatório foi o piano, aliás, nos primeiros anos em que se dava prêmio aos alunos desse instrumento apenas mulheres foram premiadas. Neste instrumento os homens tornaram-se a exceção, e dois alunos se distinguiram no estudo do piano, o primeiro foi Arnaud Duarte Gouvêa que recebeu uma menção honrosa de 1º grau em 1884 no ano seguinte este mesmo aluno, que estava no terceiro ano da primeira aula de piano/peças fáceis, foi condecorado com uma pequena medalha de ouro, em 1886 com a pequena medalha de ouro foi José Luiz Martins Penha aluno do terceiro ano da primeira aula de piano/peças fáceis. Em flauta, a primeira e única aluna premiada foi Rita de Cássia Andrada que recebeu uma menção honrosa de 1º grau em 1889. Já Theresa Julia Bastos aluna do terceiro ano de Rabeca também foi a primeira e única a ser premiada, porém D. Theresa foi condecorada com três prêmios: o primeiro a grande medalha de ouro, o segundo o título de habilitação que o Conservatório concedia aos alunos capacitados para darem aula e por fim o Prêmio Condessa D’Eu. A procura maior sempre foi pelas aulas de canto, moças que atendiam a uma “vocação” para a execução da música vocal. Esse era o caso das próprias enteadas e esposa do diretor do Conservatório, Francisco Manoel, nas apresentações que a Sociedade Philarmônica promovia na cidade do Rio de Janeiro já no final da década de 1830, onde era possível encontrar cantando a filha do Barão de Santo Ângelo, Paulina Porto Alegre, junto com D. Teresa e Henriqueta Carolina esposa e enteada de Francisco Manoel cantando com a que viria a ser a esposa do Conselheiro José Carlos de Almeida Areias e futura Viscondessa de Ourém

181

MDJ – atestado de Demétrio Rivero. Pasta 5016, 1867.

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e Mariana Henriqueta na harpa futura Senhora Pertence. Wanderley Pinho comenta que a família de Francisco Manoel reunida conseguia formar uma Philarmonica,182 Além das mulheres da casa de Francisco Manoel outras distintas senhoras participavam desses encontros musicais, como as senhoras Maria Carolina Nunes, Teresa Joaquina Nunes, Mariana Henriqueta, Delfina Rosa da Silva Vasconcellos, Amália Maria Firmo e posteriormente D. Januária Nabuco e Brandon, em 1877183. A Philarmônica ocupou um espaço em um momento em que eram poucas as associações destinadas exclusivamente à execução de música assim representa o início de uma nova sociabilidade, e se apresentavam em uma forma híbrida, pois oscilavam entre o público e privado; estava estabelecida institucionalmente, mas também se caracterizavam por relações familiares, de proximidade de seus membros atuando como entidades congregadoras. Criada em 1835 na corte, seu objetivo primordial era reunir “pessoas nacionais e estrangeiras de um ou de outro sexo, destinadas a promover a execução de música vocal e instrumental, afim de se instruírem e recrearem mutuamente”184 Nesse tipo de organização, desapareceu o conteúdo político característico das associações do período regencial, como o caso da Sociedade Musical Beneficente criada em 1833, que distinguir-se como uma instituição de cunho assistencial e artístico, e como outras tantas analisadas por Marco Morel também esse tipo de sociedade esteve é fruto de um processo social empreendido pela “(...) política das Regências diante das associações [que] era enfraquecer grupos que reforçavam o debate político

e,

ao

mesmo

tempo,

estimular atividades

institucionais

de filantropia,

desenvolvimento econômico e da pedagogia civilizadora”.185 E como destaca o próprio autor essas associações apesar de não exibirem um conteúdo apenas político contribuíram para a formação de novas formas organização das sociedade políticas,

186

em última análise

associações como a Sociedade Musical Beneficente deveriam representar a ruptura com o antigo sistema corporativo que marcava a forma de associação típica do antigo regime como as corporações de ofício e mesmo as irmandades, já que estavam assentadas em outras normas políticas e sociais. 182

PINHO, Wanderley. Salões e Damas do Segundo Reinado. 5º, São Paulo ed. GRD, 2004. p. 235. Idem, Ibidem. p. 236. 184 CARDOSO, Lino de Almeida. O Som e o Soberano São Paulo. Tese de Doutorado; Programa de Pósgraduação em História Social-USP, 2006 Apud ESTATUTOS da Sociedade Filarmônica. Rio de Janeiro: Imprensa Americana,1840, p. s/n. apud,. 185 MOREL, Marco. As transformações dos Espaços Públicos: Imprensa, atores políticos e Sociabilidades na cidade Imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.p. 280. 186 Idem, ibidem. p. 287. 183

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A criação de associações como a Philarmônica e a Phileuterpe possibilitava o encontro de pessoas, sócios e convidados, que faziam parte do mundo elegante da cidade do Rio de Janeiro. Contribuiu para que a Corte fosse afirmando cada vez mais o seu papel de centro irradiador de uma cultura, inspirada no modelo francês, onde se constróem a arte da etiqueta e da civilidade. Nas esferas privada e pública, hábitos que passaram a sustentar novos modelos criando uma nova lógica para as relações sociais. Essas sociedades e suas reuniões representavam o que o Jornal das Senhoras sintetizou sobre as reuniões particulares no seguinte trecho de sua edição de 31 de outubro de 1851: O nosso mundo elegante teve a repetição do delicioso movimento dos bailes mensaes: o mágico e o deslumbrante Cassino, o Campestre, a Sylphide, a Phil’Euterpe, o Cassino Medico, o Guanabara, a harmonia Nitheroyense, a Eleusina Nitheroyense, e jantares e funcções particulares que o trouxeram ao seu verdadeiro estado de vida animadora e embriagante...Alêm das bellas noites do theatro lyrico, ainda gozárão os dilettanti alguns concertos e diversas soirées particulares em casa do Sr. Souler e na do Sr. Guilmet, e na Phil’Euterpe passarão horas bem agradáveis.187

A participação de músicos nesse tipo de associação em que é possível perceber que o destaque maior eram as amadoras que se apresentavam aos membros da elite local que construiu um espaço “reservado” para o seu entretenimento. A sua ação nos meios musicais no Rio de Janeiro foi preponderante para a expansão de um tipo de associação destinada a um tipo de sociabilidade destinada ao lazer e sem conotações explicitamente políticas como foi a Sociedade Philarmônica. Mesmo assim as pessoas, os lugares e ocasiões em que se fez presente mostra as ligações políticas tecidas por um segmento dos músicos - denominados pelo Jornal do Commércio de “celebridades musicais” da cidade - com membros da elite política, segundo a Ayres de Andrade a ocasião mais importante que em se fizeram presentes foi em um concerto no paço imperial em 21 de junho de 1841 como parte dos festejos da coroação do segundo imperador do Brasil188 O concerto da “Sociedade Philarmônica” – conforme ao programa que regulava os festejos da coroação, S. M. se dignou a receber no Paço, no dia e hora aprazados, o concerto dado pela Sociedade Filarmônica. O concerto principiou pela execução do himno composto e dedicado a S.M.I. pelo Sr. Francisco Manuel da Silva depois do que seguiu-se: A introdução da ópera – Cenerentola – de Rossini, executada pelas Sras. Maria Henriqueta Graças, D. Henriqueta Carolina dos Santos, D. 187 188

MAGALDI, 1994 Op. cit. p. 52 Apud Jornal das Senhoras de 31/10/1851. ANDRADE, 1967. Op. cit. vol. 1. p. 180.

208

Maria Carolina Nunes e pelo Sr. Antonio Severino da Costa. A cavatina da ópera – Gianni di Calais – de Donizetti, executada pela Sra, D. Amália Maria Firmo. O quarteto da ópera – Mosé in Egitto – de Rossini, executado pelas Sras D. Tereza Joaquina Nunes, D. Mariana Henriqueta, José Rufino Rodrigues de Vasconcelos e Salvador Fabregas – A cavatina da - Pia de Tolomei – de Donizetti, executada por D. Paulina Porto Alegre, o dueto da ópera – Belisário – de Donizetti, executado pela Sra. D. Delfina Rosa da Silva Vasconcelos e pelo Sr, Dionísio Vega. O Rondó da ópera – Cenerentola – de Rossini, executado por D. Mariana Henriqueta Graça. A introdução da ópera – Aurélio in Palmira – de Rossini, executada pelas Sras. D. Amália Maria Firmino e D. Paulina Porto Alegre. – Desnecessário parece-no dizer que este concerto foi o mais bem desempenhado possível. O publico elegante desta capital conhece o mérito distinto das senhoras que nele tomam parte. [...] E, com efeito, ninguém há que ignore o alto apreço em que é tida a Sociedade Filarmônica na opinião dos amadores; não há reunião cujos convites sejam cobiçados com tanta ânsia e que mais satisfaça a expectativa dos convidados. A elegância e beleza do estilo, a harmonia angélica das vozes, a expressão do canto e profundo conhecimento dos mistérios da arte, tudo se encontra nesses belos saraus tão desejados, que inundam a alma de harmonias celestes, e nelas gravam recordações que nunca se podem esquecer. A instituição da Philarmônica foi uma bela idéia. Reunindo em seu seio nossas celebridades musicais, sob a proteção de um professor tão distinto como o Sr. Francisco Manuel, cuja imitação deve produzir extraordinária influencia sobre o cultivo dessa bela arte que, despertando os doces sentimento do coração humano, contribui tanto para a civilização dos povos [...] 189

A participação e circulação dos eventos importantes – políticos ou nos salões da aristocracia - na corte do período propiciavam estabelecer laços importantes no meio social mais distinto da cidade, há de se lembrar que apenas três dias após essa apresentação, em 23 de junho, foi dada entrada no pedido de criação do Conservatório na Assembléia Geral. Foi nesse espaço social que a ação individual e coletiva de Francisco Manoel da Silva se desenrolou, propiciada sem dúvida por eventos anteriores à conjuntura da década de 1840. O momento que iniciou sua ascensão social foi ter participado de forma ativa nos eventos políticos da abdicação de D. Pedro I, quando elaborou um hino para comemorar a saída do imperador e que mais tarde viria a ser o hino nacional. A elaboração de um hino em um momento crucial nos rumos políticos do Brasil e que logo teve aceitação popular pôde abrir possibilidades de outras formas de participação política e da estratégia individual Francisco Manoel para “existir politicamente”190

189

Jornal do Commércio 25/07/1841. Apud PINHO, 2004. Op. cit. p. 236 e 303-304. Jacques Revel em entrevista a Marieta de Moraes Ferreira cita o trabalho de Marc Abélès sobre as microestratégias políticas e resume na seguinte pergunta: Como é que as pessoas existem politicamente? E considera que esse é o nível onde pode encontrar a História Política com a Nova História. In: Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 19, 1997. p. 16 190

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Tomando de empréstimo essa expressão, a forma como Francisco Manoel começou a existir politicamente é até relativamente fácil de localizar191, a composição do que é hoje entendido como essencialmente como música política serviu para seus compositores como forma de participação política,

192

esse gênero em particular foi utilizado de forma ostensiva

durante todo o século XIX e tornou-se um dos símbolos que representam o Estado e a Nação: os hinos marciais, faziam a junção musicalmente da idéia de política e guerreiro. O modelo musical foi inspirado na primeira obra do gênero o “God Save the King/Queen” utilizado desde 1740 e posteriormente a “Marselhesa” , composta em abril de 1792, tornou-se o hino dos franceses após diversos embates em torno de sua oficialização. De uma forma geral hinos remetem a idéia de canto religioso, festivo, ou guerreiro, a Marselhesa modificada em diferentes momentos foi guerreira e revolucionária, mas também amenizada quando a condição política assim queria ser representada – concórdia e tolerância.193 A despeito da trajetória do hino dos ingleses, o hino francês operou-se a partir da revolução francesa – e seu hino ainda é símbolo de duas mudanças fundamentais – a derrocada do antigo regime e o começo da laicização da representação musical na esfera política. A celebração do corpo político de uma nação – Estado e Governo, a nação ganharia um novo elemento de representação que em se celebrava uma vitória militar e política exaltando um fato glorioso, mas agora coletivo, segundo Rousseau, “a differença entre hymno e cantico, é que este refere-se ás acções e aquelle ás pessoas”194 No hino da Inglaterra ainda é possível ver - pelo próprio título da canção - a estreita relação entre política e religião, o hino francês provoca nesse sentido uma ruptura importante e duradoura além de fixar a idéia de coletividade e universalismo, a começar na primeira frase “Avante, filhos da Pátria, o dia da glória chegou” dessa forma expandiu-se o uso da música, agora se cantava também a pátria, a liberdade e a identidade coletiva de um povo. Ao contrário da coroação de D. João VI, na coroação de seu neto além do Te Deum ou missa da

191

HOBSBAWN, Eric. A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984. Da dificuldade de localizar o nascimento de mitos e tradições. 192 O caso mais conhecido foi a dedicatória que Beethoven fez a Napoleão, mas depois a retirou. A obra foi a Sinfonia nº3 em mi bemol maior op. 55 que a princípio foi denominada Buonaparte, retirada a homenagem a terceira sinfonia passou a ser denominada “A Heróica”. Apesar de retirada a dedicatória o titulo continua a anunciar o espírito para qual foi composta que segundo alguns autores foi composta inspirada pelas idéias da revolução francesa . 193 CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas: imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 122-128 194 Rousseau apud, Ernesto Vieira,dicionário de música. p. 288.

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coroação foi composto um hino marcial para comemorar a ocasião, agora “Hino da Coroação” com música de Francisco Manoel da Silva. A representação moderna do soberano está necessariamente articulada com a representação de uma entidade soberana que vai além da imagem do monarca em que se ressalta a identidade coletiva de uma nação. Mesmo com uma carga dramática menor do que na América espanhola, o romantismo no Brasil se valeu de muitos “hinos heróicos, odes patrióticas, elegias, madrigais, epigramas, fábulas, e comédias e tragédias (...)”195 No Brasil, até momentos antes da abdicação de D. Pedro I cantava-se o hino da independência196 nos momentos cívicos festivos. Poucos dias após a abdicação surge um novo hino que veio substituir o da independência, denominado “Hino ao Imortal e feliz dia 7 de abril de 1831” música de Francisco Manoel da Silva e com letra do desembargador Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, sua primeira execução se deu em 14 de abril de 1831 no Theatro Constitucional Fluminense e logo foi aceito como o novo hino nacional, cantado nas ruas ou nos salões elegantes da corte a popularização do hino marcial viria cantar o fim do absolutismo que pairava sobre o Brasil e dar vivas a liberdade e a soberania brasileira. Para o seu compositor, a ampla divulgação de sua música, circulando em meios diversos representou o fim do anonimato no mundo musical no Rio de Janeiro. Ayres de Andrade ressalta que entre 1825 e 1831 Francisco Manoel da Silva não passava de mais um músico da cidade e da Capela, nessa época estava como segundo violoncelo na orquestra da Capela, segundo o autor é a partir de 1831 que começa a ascensão desse músico. 197 Além de cantado nos teatros da cidade, o hino foi executado na abertura oficial da Câmara Legislativa e no primeiro aniversário do 7 de abril da Sociedade Defensora da Independência e Liberdade Nacional, além do tradicional Te Deum, a cerimônia foi descrita e analisada por Basile que nos mostra antes de mais nada uma rica cerimônia cercada por pompa e circunstância. Com a presença de mais de quatrocentas pessoas, entre as quais pelo menos sessenta senhoras, a reunião foi aberta com uma “eloqüente e entusiástica” 195

BETHELL, Leslie (org). História da América Latina. Tra. Maria Clara Cescato. SP: USP, EDUSP, Imprensa Oficial. Volume III. P. 830. 196 Esse foi o último nome dado ao hino composto por D. Pedro I, os outros foram Hino nacional e imperial 1823. A partir de 1824 foi denominado de Hino nacional e constitucional, Hino nacional em 1830 e por fim Hino da independência. 197 ANDRADE, 1967. Op. cit. vol. 1. p. 169.

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oração, proferida pelo redator d’O Independente, Francisco de Salles Torres Homem, seguida pelo Hino do 7 de Abril, cantado por Domingos Alves Pinto e algumas senhoras, e da oferta de um ramo de honra ao sócio Manoel da Fonseca Lima (então ministro da Guerra), “pelos serviços que prestou para a revolução gloriosa”; depois tiveram início as danças, que se sucederam até às quatro horas e meia da madrugada, entremeadas por um discurso improvisado de Evaristo da Veiga, por diversos vivas e por mais uma entoação do hino, tudo fartamente regado a refrescos e doces198

Apesar da ruptura entre Estado e Religião a sua ligação não se desfaz facilmente, é visível a forte presença, mas não misturada agora como parte das cerimônias. Além do elemento religioso também tinha o elemento leigo, presente musicalmente de duas formas o hino representando o Estado e o sentimento de nacionalidade e logo após seria a vez das danças o divertimento em si. O fato de o hino ter sido aceito por largas parcelas da população da corte e cantando por membros da Sociedade Defensora uma associação que pretendia “ (...) contribuir para a preservação da ordem e tranqüilidade pública, tão periclitantes na época, constituindo-se em sustentáculo da Regência no seio do espaço público, vista como único governo legal, legítimo e capaz de assegurar a decantada liberdade e independência nacional; e, neste sentido, combater todos aqueles que representassem uma ameaça a este ideal”199

A participação nesse tipo de reunião, ou apenas tendo sua música executada nesse ambiente, contribuiu e colocou o seu autor no interior da luta pela liberdade do recém liberto Brasil. Nos versos elaborados pelo desembargador Ovídio Saraiva apareciam palavras chaves típicas daquele momento, tais versos só seriam publicados na íntegra em 1833 no jornal O Sete de Abril.200 Mas esse não foi o único hino feito que se referia ao sete de abril. Pode-se considerar que hinos e poesias tornaram-se até corriqueiras nas festas que marcavam os momentos cívicos do país. Muitas letras de hinos foram compostos e muitos eram anônimos, a exemplo da letra do hino de Francisco Manoel composto pelo desembargador Saraiva, Paula Brito também lançou a sua versão para os fatos do sete de abril, mas todos como ressalta Marcello Basile eram variações sobre um mesmo tema: a independência, pátria, nação, liberdade, 198

BASILE, Marcello Otavio N. C. O Império em Construção: projetos de Brasil e Ação Política na Corte Regencial. Tese de Doutorado em História Social. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2004. p. 115. 199 Idem, Ibidem. p. 85. 200 ANDRADE, 1967. Op. cit. vol. 1. p. 171. Apesar da publicação desse hino em especial nesse periódico Basile ressalta que ele se tornaria o “arauto do regresso” em um momento posterior. p. 125.

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escravidão, tirania, povo e herói e muitas outras palavras que nesse contexto soaram como palavras de ordem, ditas nos teatros, passando pelas ruas e chegando também aos salões da aristocracia, essas festas e essas músicas conseguiram mobilizar as “massas” e os abastados políticos. Os versos mudavam de acordo com o momento político, pelo menos dois momentos distintos podem visualizados. Em “Rituais e intenções: a ordem nas festas” Basile mostra que declamava-se “[...] Sim, o Povo Brasileiro Preza a Lei, preza o razão [sic], Adora a Constituição, Como seu Ídolo primeiro. Só detesta o cativeiro, A quem jura fazer guerra. Quem das Santas Leis aberra, Quer nossa reincidência,

[...] Temos estrita união; Saiba o tirano Mandão, Que um Povo livre não [se] pisa, Quando ele tem por divisa Morrer livre, escravo não. Rebente embora o vulcão Estoure a mina da guerra201

O letra de Ovídio Saraiva era um pouco mais contundente: Os bronzes da tirania Já no Brasil não rouquejam Os mostros que o escravizavam Já entre nós não vicejam

Arranquem-se aos nossos filhos Nomes e idéias dos lusos... Mostros que sempre em traições Nos envolveram, confusos.

Da pátria o grito Eis se desata Desde o Amazonas Até o Prata

Novas gerações sustentem Do povo a soberania; Seja isso a divisa delas Como o foi d’Abril o Dia.

Já no momento seguinte, fruto das dissensões internas na regência recitava-se “Nossa Pátria escravizada, Brasileiros, não deixemos, De novo se empunhe a espada; Ao Campo da honra voemos.”202 Compreendidos por Basile como “Desvios e tensões” foi possível verificar que não havia mais a ordem de antes.

201

O Exaltado de 29/9/1831. Apud BASILE, 2004. Op. cit. p. 119. Versos recitados por Paula Brito no Teatro Constitucional Fluminense em sete de setembro de 1831. Grifo do autor. 202 O Brazil Afflicto, nº 3 - 9/5/1833. Apud BASILE, 2004. Op. cit. p. 125

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Mudaram-se os versos porém o gênero musical permaneceu e se estabeleceu, pelo menos no Brasil, e se tornou a forma de diálogo dos músicos com o poder, com o cerimonial oficial; estava em construção um veículo de promoção. Nesse conjunto de hinos ligados a prática política teve um que foi dedicado a minoridade de D. Pedro II com letra e música composto para a ocasião, segundo o Jornal do Commércio “o qual cingiu-se em tudo ao gosto do Hino Inglês, God save the King”203 as referências eram mais diversas nesse período, não se restringindo apenas ao inglês como ressalta o jornal, na verdade isso dependeria do momento que durante a Regência teria muitos dentro de si. Noutra leitura a respeito da execução desses hinos e em especial do hino que àquela época era considerado o hino nacional, o cronista no jornal O Cronista o Sr. Justiniano José da Rocha ao comentar a noite de festa do aniversário de D. Pedro II, informa:

Esperei, esperei até que ia quase desenperando. Eram já nove horas da noite ou pouco lhe faltava; as pálpebras com o pêso do sono iam-se-lhe fechando. Felizmente toca a orquestra essa música que nada tem de hino, e que todavia é a nossa Marseillaise, o nosso Rule Britania, - é enfim o hino nacional do Brasil. Então já não cochilei, dormi deveras.204

Nesse comentário é possível entender que as execuções desses hinos já estivessem causando certo marasmo, mas aponta também para o hino em específico, o nacional. Para o cronista o então hino já não conseguiria causar mais o entusiasmo de antes, o momento era outro e essa opinião não era unânime. Na coroação de D. Pedro II é onde podemos visualisar o processo de criação e segmentação de nova orientação no cerimonial de coroação, resumido no tripé Estado/Religião/Diversão. Na coroação de D. Pedro II em 1841 foi composto um hino marcial em sua homenagem, o autor foi Francisco Manoel que nesse período já era um compositor muito conhecido na corte além de ser o presidente da Sociedade Musical Beneficente desde 1833 e membro da Sociedade Musical Philarmônica. Como já foi dito, essa última instituição se fez presente nos festejos de sagração do novo imperador tornando-se o momento mais importante como instituição e para o próprio Francisco Manoel da Silva. Na coroação foi apresentado um hino composto para canto e piano executado em 21 de julho de 1841 no paço 203

Jornal do Commércio 8/3/ 1833 Apud ANDRADE, 1967. Op. cit. vol. 1 p. 173. O cronista 1833. Apud ANDRADE, 1967. Op. cit. vol. 1 p. 174. Segundo Ayres de Andrade o cronista estaria falando do hino composto por Francisco Manoel da Silva e a volta do mesmo crítico ao jornal para se retratar do que dissera nesse artigo. 204

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imperial, o programa desse concerto seguiu a nova dinâmica, descrito como um hino “da gloria, é pomposo, patriótico e inspirado, é uma peça que encanta e arrebata pela cadencia e ritmo da forma, pela leveza e suavidade dos sons” 205 A sua estrutura sonora não exibe muitas novidades, a audição da peça mostra uma música relativamente simples sem muitas variantes melódicas e harmônicas, a qualidade de pomposo dada por Blake não pode ser entendida como uma peculiaridade desse hino mas do gênero - hino. A letra da canção foi feita por João José de Souza e Silva irmão de Joaquim Norberto de Souza e Silva, membro do IHGB e posteriormente um dos empresários da empresa de Ópera Lírica Nacional em sua segunda edição. É claro que assim como no inicio do período Regencial e em momentos posteriores essas ligações entre membros ativos do IHBG, Academia Imperial das Belas e músicos da Capela Imperial e da Sociedade Filarmônica propiciaram a esse músicos construir importantes redes de relações para a concretização de muitos projetos que em alguns momentos até fica difícil de localizar autorias e a quem estavam atendendo, porque muitos faziam parte de projetos que acabavam envolvendo diversas instancias inclusive do poder político. O novo hino como não poderia deixar de ser glorificava o novo momento que se abria com a sagração do imperador, nos versos da nova canção fica claro que os versos do hino de sete de abril agora faziam parte de um passado, de um momento muito diferente politicamente, apesar de conservar algumas idéias importantes nos dois momentos, como podemos perceber logo abaixo. Exulta Pátria ditosa Nação nobre e varonil Já radioso diadema Cinge o gênio do Brasil, Desça à terra a Liberdade Venha a mente lhe aclamar Para o Império Americano Sobre os impérios brilhar No sólido augusto Do Nôvo Mundo Impera o grande Pedro Segundo Doces laços de concórdia O Brasil venha prender, 205

BLAKE, Sacramento. Dicionário Bibliográfico Brazileiro. 3º vol. 1895. pg. 37/38.

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Que de Pedro no reinado Há de a Pátria florescer Não temas facções armadas Fúrias, filhas da anarquia Qual de paz Íris assoma A brasília monarquia

É possível entender que com a maioridade e sagração do novo imperador um novo tempo se abria para essas pessoas, o compositor deixa claro as esperanças de concórdia, um tempo melhor que a década anterior, a menção ao período Regencial é feito e adjetivado como tempo das facções armadas e mesmo onde houve um perigo para a consolidação da nação, o novo imperador deverá fazer florescer a pátria. Mesmo o gênero hino não sendo o único utilizado para comemorar a sagração de um imperador o seu uso se prestou melhor do que qualquer outra para atrelar a noção de pátria, liberdade e identidade e monarquia aqui no Brasil. A composição de hinos se deu ao longo de todo o XIX, apesar de ir decaindo gradativamente o seu alcance social, tornando a música para eventos ligados a política ou ao mundo formal uma mera formalidade, esvaziando o sentido de mobilização que ganhou com o fim do primeiro reinado. A partitura do hino Á coroação começou a ser vendido logo após suas primeiras execuções, mas como destaca Andrade o hino não pegou e logo caiu no esquecimento, o seu sucesso se deu apenas no primeiro ano. Com a participação em eventos significativos da vida política do Brasil através da elaboração de um dos símbolos da nação, a composição de dois hinos e a convivência com a gente abastada através de seus momentos de entretenimento sem dúvida deu visibilidade e credibilidade a Francisco Manoel da Silva, contudo não se pode considerar que a convivência entre Francisco Manoel e de sua família com membros da aristocracia da corte tenha sido propiciada por um clima de “democracia entre classes”206, permitindo a ascensão social de determinados músicos. Apesar de muito difícil de ser preciso nesse caso, a trajetória desse músico em especial mostra que ao contrário de muitos de seus colegas este não era tão remediado como o próprio deu a atender em diversos momentos, e isso foi uma conquista de trabalho feito durante toda a sua vida, fruto de laços de solidariedade que conseguiu estabelecer com pessoas abastadas e membros do governo principalmente, mas não o suficiente para o diferenciar e distanciar dos outros músicos que trabalhavam no 206

CARDOSO, 2006. Op. cit. p. 325

216

Conservatório. Francisco Manoel nunca recebeu um titulo de nobreza como Manoel de Araujo Porto Alegre que tornou-se o barão de Santo Ângelo. Francisco Manoel recebeu, assim como seus colegas, a Ordem da Rosa apenas em 1847 quando era mestre de capela, diretor do Conservatório, condecoração essa que foi concedida a todos os professores do Conservatório em 1879. A distinção pode ser vista a partir do casamento de sua filhas, é sabido que era necessário habilidade para conseguir casar bem as mulheres da casa e isso Francisco Manoel conseguiu fazer muito bem, a que casou melhor foi a sua enteada Henriqueta Carolina que casou-se com o conselheiro José Carlos de Almeida Areias, agraciado com o título de visconde de Ourém, em segundo a também enteada Maria Henriqueta, futura senhora Pertence. As duas, junto com seu padrasto figuram em uma tela a óleo feita por José Correia de Lima, professor de pintura da Academia Imperial das Belas Artes. Nesse quadro estão representadas ao lado de um piano e a frente de uma harpa, instrumentos eminentemente femininos. A figura paterna ao lado, com um livro fechado nas mãos, faz a ligação da figura paternal como o promotor da instrução feminina, porém circunscrito – no caso das famílias abastadas – ao ambiente doméstico, não a toa que o título da obra seja “Maestro Francisco Manoel ditando o Hino Nacional a suas enteadas”. As representações da nacionalidade ainda podem ser vista nas cortinas da casa, o azul o amarela e o verde. O cenário íntimo do criador da música símbolo da nação agora poderia ser visto com ares aristocráticos e principalmente civilizado e culto, de um lado a partitura e do outro um livro.

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Maestro Francisco Manoel da Silva ditando o hino nacional a suas enteadas. Manoel Correia de Lima Óleo sobre tela: 238x175cm Acervo: Museu Nacional de Belas Artes.

Esta pintura era o quadro da família e foi doado a Viscondessa de Ourém por testamento de seu padrasto, a viscondessa por sua vez deve ter doado ao Conservatório pois fazia parte do acervo da instituição até 1889.

207

A sua trajetória estava circunscrita a uma

forma de trabalho, essencialmente para o Estado, ou dele buscava as formas de expansão do universo musical na cidade. Resumidamente Francisco Manoel foi cantor (1809) no coro da Capela Real, pede para ser timbaleiro (1823) e posteriormente requer o lugar de 2° violoncelo (1825), é eleito presidente da Sociedade Beneficência Musical (1834), assina junto com outros músicos o pedido de criação de um Conservatório de Música (1841) é nomeado compositor da Imperial Câmara (1841), nomeado mestre compositor da Capela Imperial (1842), reorganiza a orquestra da Capela Imperial (1843), membro do Conservatório Dramático Brasileiro (1844), é nomeado diretor efetivo do Conservatório de Música e condecorado com a Ordem da Rosa, grau cavaleiro (1847), contratado para o cargo de diretor artístico das companhias lírico e de bailado no Teatro Provisório (1851) e professor de rudimentos, solfejo e noções gerais de canto (1852), em 1857 assina a ata de instalação da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional como conselheiro artístico, é condecorado

207

MDJ – pasta 1352 carta de Ernerto Maia sobre o quadro Francisco Manoel e suas enteadas que se encontra no CM. 1889.

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com a Ordem da Rosa grau de oficial (1857), passa a ser fiscal do governo na Ópera Nacional e dirige a concentração musical de inauguração da estátua eqüestre de D. Pedro I (1862) e falece em 1865.208 Também são muitas as músicas que compôs, entre elas destacamos o Hino Nacional Brasileiro; Hino da Coroação (D. Pedro II); Hino da Imperial Sociedade Amante da Instrução; por volta de 35 músicas sacras para o oficio religioso; um Coro sobre uma poesia do Barão de Santo Ângelo (Manuel de Araújo Porto Alegre) e mais outras músicas e obras teóricas para uso do Conservatório de Música e do Colégio D. Pedro II. O inicio da década de 1840 é que Francisco Manoel consegue chegar aos cargos mais importantes da hierarquia musical na corte. E apesar da extensa bibliografia sobre Francisco Manoel pouco se falou das críticas que este sofreu ao longo de sua carreira. Antônio Giron menciona rapidamente, sem explorar melhor a afirmação diz que era consenso na época condenar Francisco Manoel por suas negociações junto ao governo imperial.209 Como Francisco Manoel da Silva é o compositor do atual hino nacional, um dos músicos que criaram o Conservatório, Mestre de Capela em um período de restabelecimento de sua orquestra e coro, os musicólogos pouco ousam questionar a importância desse músico na realidade musical oitocentista da corte. É fundamental, porém, repensar certos aspectos de sua trajetória, pois muitas das criticas a esse músico – muito importante – abririam a oportunidade de conhecer melhor os dilemas e caminhos escolhidos por aquelas pessoas. A biografia dele foi construída em cima do que melhor ele fez e houve um esquecimento a respeito de suas limitações principalmente como administrador do Conservatório; depois de sua morte aparecem nos relatórios dos ministros os problemas financeiros que a instituição estava passando. Do relatório de 1865 para o de 1866 o Conservatório passa a não ter mais recursos pecuniários além do produto das apólices, o qual nem ao menos chega para se manterem todas as cadeiras criadas, o ministro do império informa em seu relatório que terá de continuar a suspensão das obras do seu edifício com grave prejuízo não só do ensino, como das próprias obras já feitas, por isso a concessão de mais loterias é considerada urgente e necessária. Além de melhorar a organização, e o sistema de administração do estabelecimento Pedro de Araújo Lima informa que tratará de tentar satisfazer a esta necessidade pelo modo mais conveniente,

208 209

ANDRADE, 1967. Op. cit. vol. 2. pág. 230-236. GIRON, 2004. Op. cit. p. 164

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e como permite o estado do mesmo estabelecimento.210 Quando Francisco Manoel morreu deixou apenas dois pianos que já foram comprados velhos, deixou a instituição sem dinheiro em caixa nem para pagar os professores além de uma vultosa divida contraída para a construção do seu ambicionado prédio. A situação financeira da instituição não era nada estável. É perceptível sobre Francisco Manoel os poucos estudos a respeito de sua habilidade como instrumentista ou mesmo como compositor, porque isso poderia soar como crítica a um dos grandes mitos da música no Brasil, então o que restou para se falar a seu respeito foi como o provedor dos músicos; o criador do Conservatório mais que o administrador, o grande ponto de equilíbrio entre governo e músicos. Ayres de Andrade em sua pesquisa sobre Francisco Manoel retira qualquer notícia ou fato que possa macular a figura do eminente músico, em suas notas de pesquisa ele encontra uma noticia em um periódico da corte e apenas anota em seu caderno que era um noticia que “falava mal de Francisco Manoel” o suficiente para retirar o caso do livro que foi publicado posteriormente, fruto dessa pesquisa.211 A notícia dizia respeito ao caso da forma de contratação para a Ópera Lírica Nacional de Antônio Luiz de Moura, o clarinetista que lutava por um contrato, mencionado acima. O artigo nem falava mal de Francisco Manoel, o caso foi parar na imprensa porque determinadas questões extravasavam as decisões do governo e muitas foram resolvidas ou esclarecidas através da imprensa. O caso do Conservatório de Música por muito tempo foi discutido; a questão baseavase justamente no estatuto institucional da escola. Em janeiro de 1866, poucos meses após o falecimento do diretor do Conservatório surge na imprensa local uma discussão a respeito de uma cadeira do Conservatório, a de rudimentos e canto para o sexo feminino. A discussão começa por causa da falta de professor, mas acaba suscitando outra discussão. No dia 10 de janeiro de 1866 um anônimo, escreve para o Jornal do Commércio e informa que existem vários requerimentos de senhoras que solicitam a cadeira de musica do sexo feminino, requerimentos estes que foram enviados a secretaria do Império, a partir dessa informação o autor do artigo expõem o seguinte:

210

Relatório Marques de Olinda, 1865. p. 23. Cadernos com notas de pesquisa de Ayres de Andrade – caderno sobre o Conservatório de Música – depositados no DIMAS-BN. 211

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e passa também por certo que o maldito patronato já investio interinamente na mesma cadeira, unicamente para estabelecer sonhados direitos a uma dellas. Chamamos a attenção de S. Ex. o Ministro do Império para este facto, e encarecidamente rogamos-lhe que, a bem do merito, mande pôr a concurso a referida cadeira.212

A cadeira que foi provisoriamente ocupada por Francisco Manoel em 1852, permaneceu em suas mãos até o dia de sua morte, fato que parece não ter sido bem aceito. O ensino feminino normalmente era conduzido por mulheres, então o que era provisório tornou permanente. O fato do diretor da instituição ter ficado a frente da cadeira denota uma inquestionável probidade moral, mas a questão não era simples e mesmo de posse do cargo, o caso não deixou de causar certo desconforto, por isso diversas senhoras solicitavam a regência das aulas femininas. E o que de fato veio a acontecer, com a saída de Francisco Manoel foi nomeada em 1866 uma senhora para o seu lugar. Mas o caso, como já foi dito acima, acabou ressuscitando uma velha questão: se o Conservatório era uma instituição pública ou particular. No dia seguinte a publicação desse artigo anônimo foi publicado no mesmo periódico assinado por “ A Deus o que é de Deus e a Cesar o que é de Cesar” em que dizia o seguinte: Tem aparecido há dias uns artiguinhos lembrando ao governo o preenchimento de uma cadeira do conservatório, não sabemos por quem!... Agora perguntamos nós: O que é que tem com isto o Sr. Ministro do Império?... Porque e como quem há de o Sr. Minsitro intervir n’uma nomeação que é em tudo e por tudo particular? O Sr. Dr. Thomas Gomes é um diretor indevidamente nomeado, pois só a sociedade, que esse cargo deu ao Sr. Francisco Manoel, póde agora nomear o seu substituto; e se não é assim perguntamos ao governo em que época e por que decreto fundou o conservatório? Um abuso não autoriza outro; e, se o Sr. Francisco Manoel, para se tornar notavel, buscou afastar o conservatório da sociedade, nem por isso esta perdeu o direito da sua propriedade? Se o conservatório é do governo, perguntar-lhe-hemos em que lei se fundou o Sr. Ministro para nomear professores estrangeiros para um estabelecimento official!... O governo nada tem com o conservatório e só á sociedade cumpre nomear o director e o professor que devem substituir o Sr. Francisco Manoel nos lugares que a sociedade tinha conferido a este senhor...213

212 213

Jornal do Commércio, nº 10. 10/01/1866. grifo do autor. Jornal do Commércio nº 11. 11/01/1866. p. 2

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O provimento da cadeira de música para o sexo feminino tomou outros rumos e muito mais interessantes, porque mostra que determinadas escolhas tomadas pelo governo e por um grupo de músicos não agradaram a todos os membros da Sociedade Musical Beneficente. O caso não terminou por ai, no mesmo jornal, na mesma página e no mesmo dia outro artigo foi publicado. Agora destinado diretamente ao ministro do império, A quem pertence o conservatório de música? a sociedade que o creou e instituio, ou ao governo que há certo tempo para cá tem ido com pés e lâ apossando-se do estabelecimento? Se pertence á sociedade, como é fóra de duvida, pois a ella forão concedidas as loterias que a camara votou para esse edificio e sua sustentação , como é que o governo pretende nomear professores, assim como já nomeou director para substituir SR. Francisco Manoel, que Deus haja! É preciso fallar-se claro; se o governo quer aposar-se do que não é seu, faça-o, visto que no Brasil o governo é tudo, mas faça-o com clareza e não á sorrelfa! O conservatorio de musica é propriedade da sociedade, e a ella compete a nomeação de seu director e professor. Tudo o mais são illegalidades filhas da falta de genio administrativo do Sr. Francisco Manoel. Um da sociedade214

A resposta não tarda, no dia seguinte no mesmo jornal vinha uma nota bem sucinta em que dizia apenas que “O conservatório de musica é a 5º secção da Academia das belas-artes, por deliberação do governo imperial: esta é que é a verdade”215 No dia seguinte “Um socio” continua a discussão, segundo ele, O conservatório de musica, apezar de achar-se actualmente enfeitado com o titulo honorífico de 5º sesção a academia, é propreidade da sociedade de musica, á qual forão concedidas as 8 loterias para a sua construcção e custeio das aulas. O facto da annexação á academia nada prova senão um abuso, e nem por isso a sociedade perdeu o direito de reivindicação, para haver esse edificio da posse indubita a que o governo se quer chamar, salvo se não já mais neste paiz nem respeito para com o povo nem para com as leis. Se o conservatorio é uma secção da academia, parte integrante della; se é propriedade nacional, creação do governo, porque é que os professores dessa secção não têm os mesmo direitos a immunidade dos seus collegas das outras quatro secções da academia: Por que não são elles nomeados por decreto, por que não são servidores do Estado, por que não tem jubilação, e por que não se exigio a qualidade de brazileiro para ser-se nomeado professor dessa secção, como se exige para as outras, salvo o caso, previsto pelos estatutos, de um contracto previo?

214 215

Jornal do Commércio nº 11. 11/01/1866. p. 2. grifo do autor. Jornal do Commércio, 12/01/1866.

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O facto da nomeação de estrangeiros para professores e a falta da observação de todas as praxes, para casos identicos na academia, não provará a qualidade de instituição particular ao conservatorio [...] Acreditamos que sim, a menos que o Sr. Ministro responder por mais esta illegalidade, como illegal é a nomeação do Sr. Thomaz Gomes para director! Abençoada terra em que o governo administratico é tudo, e tudo póde porque faz o que quer e não dá satisfação. Um sócio 216

A discussão continuou, dois dias após a publicação de artigo acima, quando alguém que se identificou como “um artista” recorre aos jornais para explicar que o Conservatório era sim uma instituição pública e que o antigo diretor da instituição muito fez pela arte e pelos artistas do Rio de Janeiro quando criou a Sociedade Musical Beneficente e o Conservatório de Música. O autor discorre sobre todos os atos oficiais, e da legalidade dos atos do governo em nomear os professores e o diretor que quiser, e que levaram a escola de música a se tornar a quinta seção da Academia Imperial das Belas Artes e do desenvolvimento que conseguiu depois dessa anexação. A questão ainda voltaria aos jornais, alguém que também assinou um artista volta em 17 de janeiro e planta a seguinte pergunta na primeira página do jornal: “Se o conservatorio não é um instituição particular, que caracter tem perante o corpo academico das Bellas-Artes, um mulher como professora, seja ella interina ou effectiva: Será essa senhora membro da congregação ora...”217 Assim a questão volta ao seu princípio, o provimento da cadeira de música para as mulheres, mas que suscitou uma boa discussão a respeito do estatuto jurídico do Conservatório. Era o conservatório uma instituição publica ou não, pelo visto a questão desde o seu início nunca foi resolvida completamente para os seus contemporâneos, pelo menos alguns músicos da cidade e membros da Sociedade consideraram que não deveria fazer parte do governo. E se o fizesse deveria ser administrada e cuidada de forma distinta do que vinham acontecendo na administração de Francisco Manoel. As questões apontadas pelo “um sócio” a princípio mostram que não havia na prática uma igualdade entre os professores de todas as seções da Academia de belas artes. Em alguns pontos o autor não está correto, os professores eram nomeados por decreto, salvo os casos de interinidade, mas com relação a jubilação não é 216 217

Jornal do Commércio, 13/01/1866. grifo do autor. Jornal do Commércio, 17/01/1866.

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difícil saber o porque os professores não conseguiram desfrutar do mesmo direito que os outros professores tanto da Academia quanto professores de instrução públicas da corte e a postura do diretor da escola de música em um caso fora do Conservatório, quando ele foi consultado sobre se era justo aposentar o professor Motta, seu subordinado nas duas instituições ele disse que não, que não considerava um ganho para o músico já que recebia o beneficio necessário do poder público além de onerar os cofres públicos. Dentro desse universo o que sobressai dessa história foi à afirmação de que o diretor do Conservatório para se tornar notável afastou o Conservatório da Sociedade Musical. A prática administrativa e a trajetória desse músico demonstram que essa afirmação faz todo sentido, principalmente quando sabemos que a ocupação de cargos públicos no Império possibilitava um certo controle por parte do burocrata da área que estava encarregado. Esses cargos, que dentro da hierarquia da burocracia imperial eram cargos de segundo ou terceiro escalão dentro da administração pública e estavam menos sujeitos as mudanças, conseguindo dessa forma, imprimir uma marca pessoal em sua administração, o que é visível nos relatórios dos ministros do império, não eram eles que faziam os relatórios apresentados à Câmara dos deputados mas enviava o relatório do diretor da instituição, o que explicaria a ausência de problemas financeiros até 1865 e a visível dificuldade após 1866. Dada a forte característica patrimonialista da administração pública imperial, a margem de manobra que certos cargos propiciavam para que a vontade pessoal dominasse na solução de problemas que estavam circunscritos na esfera pública faziam com que questões que diziam respeito a muitos acabassem sendo resolvidas de forma particularista, ou atendendo a demandas pessoais. Ao longo do trabalho, Francisco Manoel foi o único que apareceu desde o começo até o fim e ficou visível como ele conduzia certas questões. Mesmo considerando a composição do hino de sete de abril – mesmo que não tenha escrito o texto – e a construção do Conservatório de Música – uma instituição baseada em princípios modernos e racionais - não é possível afirmar que Francisco Manoel fosse um liberal como afirmou Luiz Heitor.218 Sua prática administrativa indica outra postura, quando deu um parecer negativo a aposentadoria do prof. Motta alegando não ser útil aos músicos da Capela Imperial uma aposentadoria. Não é difícil de entender o porque dessa afirmação, na lógica de Francisco Manoel: para que o músico precisaria de aposentadoria se ele tinha assistência da Sociedade

218

AZEVEDO, Luiz Heitor Corrêa. 150 anos de música no Brasil: 1800-1950. RJ: José Olímpio, 1950. p. 46.

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Musical Beneficente quando precisasse? De certa forma é coerente mas estava na contra mão das mudanças que estavam começando a ocorrer no regime de trabalho no século XIX. Há também de se considerar que houve por parte de Francisco Manoel um esforço em erigir o prédio próprio que iria servir de sede para o Conservatório, Francisco Manoel canalizou seus esforços na construção de um prédio que a rigor serviria, além de teto para as aulas, como o símbolo mais visível e permanente da instituição. Na condução do caso do prof. Moura quando este lutava por uma regulamentação e estabilização do serviço musical na orquestra da empresa lírica através da justa remuneração pelo trabalho prestado como destacou “o admirado” houve por parte de quem decidia a questão um governo fundamentado em interesses particulares e não objetivo. A separação dos interesses públicos dos interesses privados parece ter sido um problema para Francisco Manoel. Sérgio Buarque, quando analisa a questão, utiliza uma expressão que pode exprimir a lógica de certas ações do diretor do conservatório, é através de “contatos primários” tanto de parentesco como de coração que FMS irá conduzir suas decisões, como se estivesse administrando a própria casa e os seus. É interessante ver como a trajetória de Francisco Manoel aparece nos estudos a seu respeito, cada um aponta justamente essa caraterística patrimonialista no “governo” dos interesses dos músicos, uma figura simpática e justa para com todos os seus, sempre dedicado, presente e único responsável pela realidade musical que ocorria em seu tempo. 219 Em boa medida estão mostrando as características que acompanham o “homem cordial” que Holanda aponta em Raízes do Brasil, esse homem ao tornar as relações sociais baseadas na cordialidade, hospitalidade e generosidade mostra as raízes patriarcais que permaneceram no convívio do homem urbano do século XIX, e destaca que essa civilidade e polidez dos gestos demostrados não são outra coisa senão a aparência, a superficialidade no trato social em que é possível encontrar inclusive elementos como a coerção. As relações que são estabelecidas de forma simpática distanciam-se dos interesses coletivos, pois estão ancorados no domínio da casa sobre o público, o homem cordial

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Ver por exemplo, ALBUQUERQUE, Amarylio. Ouviram do Ipiranga: vida de Francisco Manoel da Silva. Rio de Janeiro: ed. Companhia Brasileira de Artes Gráficas, 1959. ANDRADE, Ayres. Francisco Manoel da Silva e seu tempo 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos. Rio de Janeiro: Secretaria de Educação e Cultura, 1967. MATTOS, Cleofe Person. José Maurício Nunes Garcia: uma biografia. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Dep. Nacional do Livro, 1996.

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consegue manter a supremacia sobre o social, e segundo Holanda implica uma presença contínua e soberana do indivíduo, dificultando a distinção entre público e privado.220 Até o momento não há nenhuma novidade com relação à burocracia do Estado Imperial, essa questão já foi amplamente discutida em trabalhos clássicos, a novidade é que no campo da música, especificamente no Conservatório uma prática patrimonialista também regeu o tom da administração, onde interesses privados se sobrepunham aos interesses públicos quando eram tratados como questão, mas não apenas isso, o admirado termina um de seus artigos e toca no cerne da questão sobre Francisco Manoel quando diz “lastimamos que o Sr. Francisco Manoel, também artista, dê (...) a pensar-se que tem parte nisso, o que se verifica com a recente exclusão do Sr. Moura na orchestra do theatro.”221 Nesse caso o diretor do Conservatório obstruiu o processo de construção de uma base coletiva de trabalho, ou um estatuto comum aos membros de uma mesma categoria social. Sua decisões eram altamente centralizadas, praticamente todos os casos referentes a música estavam em suas mãos, as questões e casos individuais referentes ao mundo do trabalho do músico no Rio de Janeiro tinham que passar necessariamente por Francisco Manoel por que ele atuava em todas as instituições formais onde tinha música ou dela era única forma de existência. Decidia não nos padrões modernos, mas, ligado a certas tradições que muitas vezes lembrava as antigas relações profissionais e de compromisso estabelecidos no antigo regime. Em seu próprio caso é possível ver quando antes de morrer ainda estava a frente de duas atividades – indicou o seu substituto na direção do Conservatório – e em testamento pediu para ser enterrado as expensas da Sociedade Musical Beneficente apesar de ter o conforto necessário para sua família pagar o funeral.222 Manoel de Araújo Porto Alegre conseguiu resumir em um pequeno trecho o perfil do diretor do Conservatório, segundo ele, O Sr. Francisco Manoel da Silva, homem de um mérito incontestável como compositor e contrapontista, pretendeu e conseguiu levantar a sua arte do aviltamento em que a-tinham lançado as ideas do tempo, mas elle peccou, em meio do seo denodado heroísmo: o individualismo da época o-tinha contaminado; curou dos músicos, é verdade, mas da música menos fez, por que a elle pertencia a obra da reação, a educação do seculo, a incarnação do verdadeiro estylo sagrado nos templos, e a separação, tão necessaria, do mundo dos psalmos do mundo do theatro 220

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 25º ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993. p.101-112. Diário do Rio de Janeiro, 16/03/1863. Publicações a pedido. p. 2. 222 SENNA, Ernesto. Rascunhos e Perfis. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983. p. 474-475. 221

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Francisco Manoel da Silva faz parte da transição do padrão de músico colonial para um modo autônomo profissional com relação à música e ao público, e por isso este ainda representa o mundo do trabalho do músico do antigo regime, suas idéias podiam até mostrar uma direção, mas, as atitudes seguiam por outros caminhos. Ao longo de duas décadas Francisco Manoel deixou de ser músico e passou a ser o típico burocrata do Império representando seus interesses através de sua posição no governo.

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Conclusão

O projeto que deu origem a essa pesquisa previa um outro marco cronológico para o seu término. O tempo escolhido iria de 1841 até 1890 quando tem fim a instituição imperial. Durante o processo de pesquisa ficou clara a impossibilidade de se conseguir cumprir o que havia sido previsto, e isso se deu por um motivo muito específico: a falta de tempo. Mas essa falta de tempo está diretamente relacionada à dimensão que o trabalho deveria ganhar. A primeira conclusão a que se chega ao final do trabalho é que o Conservatório possuiu, no período imperial, diversos momentos e muito distintos entre si. A pesquisa, antes de tudo, mostrou que o Conservatório não pode ser tratado como um bloco e isso nos abriu diversos caminhos que foram sendo conhecidos e se constituindo concomitantemente a realização do trabalho. Até 1865 existe uma instituição mais “compacta”, mais homogênea, em que pode-se perceber projetos que a maioria do corpo docente viveu e compartilhou. Projetos estes de caráter mais geral, tanto endógenos quanto exógenos à instituição.

Apesar de ser uma

questão que perpassava a maioria das instituições do Império, a manutenção do Conservatório exigiu um esforço que poderia ter sido amenizado após a consolidação da instituição mas que foi um problema até grave durante todo o império. Mesmo com problemas, a instituição cresceu e se estabeleceu como uma referência - que ultrapassou os limites da transmissão do conhecimento musical - importante no ambiente musical do Rio de Janeiro e transbordando para outras províncias do Império. O Conservatório depois da anexação a Academia Imperial das Belas Artes tornou-se uma instituição dentro de outra instituição, isso quer dizer que o projeto de Manoel de Araújo Porto Alegre que previa a anexação fracassou. Fracassou porque não conseguiu criar uma nova instituição a partir das duas já existentes, no seu intuito de criar um grande centro artístico no Rio de Janeiro. E a despeito de toda política imperial, acredita-se que um dos motivos que fez fracassar esse projeto foi a especificidade de cada arte, que com o passar dos anos se distanciavam cada vez mais uma da outra, propiciado também pela crescente verticalização do conhecimento no século XIX, a alta especialização que cada ramo do conhecimento foi tomando e, dentro de cada área, se dividindo e aprofundando cada vez mais. 228

Isso é possível de ser verificado para cada disciplina do Conservatório, cada uma exigiu cada vez mais uma abordagem diferente, seja pelas características dos professores mas mais pelas especificidades que iam criando. E fazer canto, piano, e rabeca não é a mesma coisa que pintar ou esculpir, e a principal diferença reside no fato que é mais barato estudar musica do que pintar um quadro das dimensões dos quadros históricos. Não que isso hierarquize cada uma - nem deve - ou que a música possa se tornar menor, mas a materialidade musical, para ela chegar ao destino final, necessita de um instrumento que na maioria das vezes pode sair mais barato à longo prazo, mas não a curto prazo. Uma flauta é bem mais cara que tintas, mas não se compra uma flauta ou piano a cada nova peça. Instrumentos musicais possuem uma durabilidade maior nesse sentido. Não há motivos para dizer que o Conservatório fosse uma instituição com despesas elevadíssimas – apesar de não ter sido possível saber quando se gastava nas outras quatros secções da Academia – presume-se que fosse mais barato manter uma escola de música - mesmo com todos os instrumentos - do que uma escola de escultura, arquitetura, pintura e etc. Mesmo assim esse foi um dos maiores problemas enfrentados pelo Conservatório desde 1841 até 1865 e certamente até 1890. Então o problema não pode estar centrado apenas na falta de verbas para a instituição, mas pode-se afirmar que um dos principais problemas foi a forma escolhida para a sua subvenção: loteria. Pode-se perceber que essa solução foi a encontrada pelos músicos – a proposta foi deles – mas foi a causadora de praticamente todos os problemas institucionais, chegando mesmo a embaraçar a formação de certos direitos que já haviam sido incorporados a outras categorias profissionais. Pelo menos em seu nome foi interditado à instituição adquirir maior projeção no cenário artístico da corte. O recurso que a princípio parecia um ótimo arranjo para os músicos, já que conseguiria tirar do papel uma instituição e torna-la real, serviu de motivo para o governo não assumir certas responsabilidades com a escola e nem com o corpo docente, suscitando em vários momentos questionamentos a respeito do estatuto oficial da instituição, se era privada ou pública. Para o governo dependia da ocasião, quando houve a necessidade de construção do prédio do Conservatório o governo auxiliou, mas também o prédio não seria apenas da secção de música, ela teria que dividir com as aulas industriais. Era uma instituição do Império quando colhia os frutos dos melhores alunos que iam para a Europa, eram considerados pensionistas do governo e assim representantes do Brasil, também quando era anunciado o bom proveito dos alunos nos cursos e no mercado de trabalho onde o governo 229

assim conseguia tirar da indigência a várias famílias. Por outro lado, ao tratar do estatuto do professores do Conservatório a estes foi negada a possibilidade de se aposentar como funcionário público e do Estado, na contratação de novos professores – apesar destes serem nomeados por decreto – o governo argumentava que ao Conservatório foi concedido loterias para que se mantivesse e que não havia possibilidade de incluir na verba do Estado mais esse gasto – apesar de muitas vezes socorrer com as verbas eventuais - e criar uma paridade com os outros professores da Academia Imperial das Belas Artes. Resumindo: o governo não queria arcar com o custo total de mais uma instituição e finalmente tornar o ensino musical uma questão de Estado e governo, mas não lhe contrariava colher os louros que a mesma instituição trazia para o próprio governo. Houve um misto de omissão e incentivo, mas isso também não foi um privilégio do Conservatório, várias instituições passaram pelo mesmo processo, por isso a questão é muito mais ampla. Respondendo a pergunta que fizeram no Jornal do Commércio se o Conservatório era público ou privado, pode-se considerar que as duas opções estavam corretas e por duas vias diferentes. A primeira diz respeito ao período que se faz essa pergunta, ela foi privada e pública, um misto das duas em seus primeiros anos justamente porque foram concedidas à Sociedade Musical Beneficente as loterias e ela era a responsável pela criação e desenvolvimento de mais uma instituição musical na corte, mas há também de se considerar que diversas instituições de caráter privado deram origem a instituições públicas no império, como mostra o historiador Marco Morel. Mas em 1866 já estava caracterizada como uma instituição eminentemente pública, a reforma Pedreira tratou de resolver o caso. As subvenções que o governo imperial fornecia a diversas instituições eram tratadas como negócios do Estado e o ministro da pasta de negócios do Império tinha que prestar esclarecimentos a câmara dos deputados anualmente sobre o desenvolvimento de muitas delas, umas eram privadas, como foi o caso da empresa de ópera lírica nacional e de alguns teatros da corte, mas o caso do Conservatório apesar de se assemelhar a forma de subvenção é um caso a parte. O governo apesar de negar certas responsabilidades – e talvez por isso não tenha concedido um título exclusivo de imperial para o Conservatório – não poderia mais dizer que a instituição não era pública, o próprio governo não poderia desfazer um contrato e extinguir a instituição como fizera com a empresa de ópera lírica sem perder politicamente com esse ato, porque por mais que não se colocasse verba na instituição essa era considerada um importante elemento simbólico dentro dos projetos de Estado – não de governo - e mais, a legitimidade de certos atos tomados dentro do Conservatório foi 230

conseguida por se tratar de uma instituição oficial. Não é a toa que o Conservatório era conhecido por Imperial Conservatório, a instituição musical oficial do Império. E mesmo instituições com verbas previstas no orçamento, com título de imperial e tudo, que ainda recebiam parte de suas verbas por meio de loterias também sofreram pesadas restrições a seu desenvolvimento, mas sem dúvida a forma escolhida para sustentar foi problemática e a escola foi um problema com várias implicações até o final do período monárquico. Assim como Ilmar Rohloff conseguiu perceber que o tempo saquarema foi a expressão das relações dos homens com o seu existir no Império do Brasil, o grupo que estava no Conservatório de Música também conseguiu construir uma marca para o período compreendido entre 1841 a 1866, onde é perfeitamente possível distinguir que o Conservatório para eles foi muito mais que um local de trabalho. Existia nesse grupo –uns mais outros menos mas ainda assim um grupo que construiu uma identidade e unidade que possibilitou realizarem projetos que foram compartilhados por muitos deles, como a criação da Ópera Lírica Nacional, a questão da construção do espaço de trabalho do músico – mesmo que com problemas e extremamente incipientes – mas não se pode dizer que não havia a idéia de construir campos de trabalhos, e por outro lado fica fácil perceber que certas atitudes fizeram mais difícil consolidar o incipiente e novo estatuto de profissionalização do músico no Brasil. O Conservatório tornou-se um local - a partir de 1854 – que tentou tratar de certas questões que estavam fora do ensino musical por si só, quiseram ultrapassar mas não o fizeram ou não conseguiram, as duas alternativas são verdadeiras. Nasceu modestamente – ensinar técnica de música para suprir as necessidades - mas começou a crescer quando propuseram conceder títulos de habilitações aos seus alunos e a todos que quisessem ensinar música na corte, quando participaram individualmente e institucionalmente da criação de uma música nacional, melhor dizendo ópera nacional, mas como era considerado o melhor tipo de música não poderiam querer outro. Enfim, quiseram tornar o Conservatório mais que uma instituição de ensino técnico, e conseguiram tornar o Conservatório o lugar para se pensar e trabalhar o músico, a música e a nação. Projeto nada modesto, mas que não era projeto como o era na Academia Imperial das Belas Artes, mais aparente na prática que na teoria, no cotidiano mostrado pelas atas da congregação. Mas tanto o projeto da AIBA quanto a prática do Conservatório falharam, e isto por que a pesada administração do império, burocrática, patrimonialista engessou várias idéias e homens. Como foi o caso do diretor do Conservatório 231

que viveu assim como o Estado, a difícil contradição entre o tradicional e o moderno, a antiga prática em instituições modernas. Difícil foi essa equação não apenas para o Conservatório mas também para o governo Imperial. Comparando os dois diretores de instituição, Manoel de Araújo Porto Alegre e Francisco Manoel da Silva é possível ver que ambos se desiludiram com os rumos políticos que sua instituição estava tomando, com as atitudes governamentais, com o pouco apoio a seus projetos mas a diferença é que o primeiro se afastou das instituições governamentais e das lutas políticas pela valorização da arte no Brasil, enquanto o segundo permaneceu mas não impunemente. Francisco Manoel deixou-se engessar pelas regras, às vezes pouco claras, da política imperial. O que restou para a geração posterior foi uma instituição e vários homens que dificilmente conseguiram falar a mesma língua, tamanha a diversidade e pluralidade de identidades musicais, mas a diferença para aí porque os primeiros professores do Conservatório, apesar de todas as dificuldades, conseguiram construir uma instituição e um modelo educacional que persiste até hoje. O conteúdo da palavra conservatório é demasiado pesado para quem estuda música no Brasil, e só tem a dimensão do sucesso que estes músicos conseguiram alcançar quem está inserido no mundo da música. Falem bem ou falem mal, o modelo conservatório foi o vencedor e não há possibilidade se tratar sobre a história da educação musical no Brasil sem passar – mesmo que superficialmente – pelo Conservatório. E essa foi uma conquista dos primeiros professores e da direção de Francisco Manoel, um grupo que estava comprometido com a instalação no Brasil da maneira mais eficiente de ensinar e fazer música, esse é o ponto principal, ele acreditavam no progresso que o Conservatório traria para a arte musical do seu tempo: Francisco Manoel da Silva, Francisco da Motta, Francisco da Luz Pinto, Antônio Luiz de Moura – um pouco mais moço que o seu diretor, o padre Manoel Alves Carneiro, Demétrio Rivera, o inseparável colega do diretor, Dionísio Vega e mesmo o discreto José Martini. Era uma determinada forma de pensar que foi construída ainda sob as antigas práticas educacionais e profissionais provindas do antigo regime. Foi um grupo que construiu um paradigma de educação musical no Brasil e uma nova forma de dialogar com o poder político, que apesar de muitas vezes estarem presos às tradições conseguiram inovar quando trouxeram e instalaram o Conservatório de Música no Rio de Janeiro, a primeira instituição de educação em música do Brasil. 232

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Bibliografia

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Fontes

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Estatutos da Academia Imperial das Belas Artes Compêndios de música Coleção Ayres de Andrade Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro Coleção desembargador Souza Pitanga Coleção Marquês de Olinda Coleção Instituto Histórico Coleção Baronesa de Loreto Museu Dom João VI-UFRJ. Museu Nacional-UFRJ. Livro de registro recebido do governo – correspondência oficial (1855-1861) Itamaraty Ofícios entre o consulado brasileiro em Paris e o Ministério do Império Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro: Caixa 2283 Notação: 44475

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